A SOLIM, uma das maiores associações imigrantes na Europa, comemora este mês 19 anos de existência com uma defesa em prol da comunidade imigrantes residente em Portugal: “Vamos acabar com esses bairros sociais que não ajudam a fazer nenhum. É preciso criar habitação condigna e uma habitação que seja decente para as pessoas”.
No âmbito de uma parceria e por ocasião do aniversário que se assinalou na sexta-feira, dia 21, o jornal É@GORA publica excertos de uma entrevista ao Coordenador da Solidariedade Imigrante (SOLIM), Timóteo Macedo, feita pelo Gabinete de Imagem Integrada para o Terceiro Setor (GIIRC’3º), que é um projeto integrado no Plano Municipal para a Integração de Migrantes na Cidade de Lisboa, financiado pela União Europeia, através do Alto Comissário Para as Migrações (ACM).
Como nasceu a SOLIM?
Éramos 99 pessoas de 17 nacionalidades. Na altura eu estava numa associação de direitos humanos em ambiente e património na zona de Sintra, em Queluz. E depois estava com outros imigrantes (que eram ativistas). Nós tínhamos que criar uma associação, porque onde nós estávamos era uma associação juvenil e estava a rebentar pelas costuras da área da imigração. Ou seja, a imigração não podia estar numa associação juvenil e deturpar muitas vezes o objetivo dessa associação. Tinha que sair para fora, porque tinha que ter outra metodologia de fazer associativismo.
A SOLIM tem uma grande experiência ao longo de uma caminhada em que os migrantes, sobretudo, vindo dos países não só do Leste como de África, também têm sido os principais clientes da organização, certo?
A nossa Associação faz precisamente este mês, no dia 21 de agosto, 19 anos de existência. Nós surgimos para todo(a)s imigrantes que estão em Portugal, independentemente do seu país de origem, credo, raça ou etnia, porque achamos que as politicas de imigração são transversais a todas comunidades. Não são melhores para uns, nem para os outros. E assim nós criamos uma dinâmica muito forte na área da pressão e de resgatar os direitos dos próprios imigrantes. Era preciso dar aqui um cariz que seja reivindicativo, de pressão e de luta pelos direitos: pôr os próprios imigrantes e não trabalhar para eles, mas trabalhar com eles nesta luta pelos direitos. Se os imigrantes não participarem e não tiverem uma voz ativa para colocar seus problemas e reivindicarem seus direitos, naturalmente, ninguém os fará por eles. Estamos cientes disso. E ao fim de dois, três anos já éramos a maior associação de imigrantes em Portugal porque os imigrantes compreenderam isso. Porque os imigrantes têm cabeça para pensar. São pessoas como nós, têm pernas para andar e sabem aquilo que querem e têm escolha, que foi: deveremos andar juntos para melhor defendermos os nossos direitos. E foi assim que apareceram as primeiras manifestações de imigrantes em Portugal a lutarem pelos seus direitos. Foi importante. Criou dinâmicas giras, criou agendamentos políticos. Foi fundamental. Hoje são somos uma das maiores associações imigrantes na Europa. Digo isso com alguma satisfação, porque é preciso reconhecer o trabalho que todos nós fizemos. Nós temos 39 mil associados de 98 nacionalidades diferentes. É uma situação excecional porque crescemos todos os dias. Por semana, fazemos 80, 90, 100 associados, porque as pessoas reconhecem e confiam na associação, e os resultados têm sido positivos. Isso é bom também para a sustentabilidade da associação. Queremos que as pessoas façam parte da solução do problema e não sejam meramente assistidas. Nós temos essa filosofia, não nos arrependemos de a ter, ganhamos com isso. Ganhamos créditos junto às comunidades, das associações, do governo, do Estado, poder local e central. Criamos agendas e influenciamos políticas. Foi importante. Houve alteração à lei da imigração ao longo destes anos todos que a nossa associação teve um papel também muito importante e significativo. Estamos aqui de portas abertas a receber as pessoas, de acordo com o plano de contingência que nós próprios fizemos, que tem a ver com a situação pandémica. As pessoas estão lá fora à espera, compreendem a situação…
Qual é o momento que considera marcante e um pinto de viragem à favor dos imigrantes?
Foi em 2018, acho que foi marcante quando por duas vezes nós nos concentramos e mobilizamos em frente à Assembleia da República. Foi importante porque pela primeira vez os imigrantes se concentram a pedir documentos para todos, direitos iguais, não à discriminação. Foi fundamental porque conseguimos criar agenda política e fazer com que o governo viesse para a opinião pública dizer sim: os 30 mil imigrantes que estão indocumentados e a trabalhar para o desenvolvimento deste país vão ser regularizados. Isso foi importante, pois as pessoas sentiram-se bem, porque viram que valeu a pena lutar e que vale a pena continuar a lutar, porque esta luta não parou. As coisas não foram alteradas de uma forma perfeita, há ainda muitas arestas a limar e muitas coisas para resolver. Foi um momento marcado, que depois de algumas ações junto ao SEF, corte de estradas, concentrações, com a comunicação social em cima a ouvirem os próprios imigrantes na primeira pessoa a dizerem que estavam três, quatro, cinco anos à espera de documentos. É inadmissível num Estado de Direito Democrático uma pessoa esperar tanto tempo. A ilegalidade começa a partir do governo. É o governo que comete as grandes ilegalidades. Não cumpre com a própria lei do país, do código do processo administrativo. Quando deixa os imigrantes e também os candidatos a refugiados, durante tantos anos sem ter uma resposta, isto é ilegal. E nós temos que começar a por as coisas em cima da mesa de outra forma. Foi marcante também – essa reivindicação não é só da nossa associação, é de todo movimento associativo -já antes, em 1997/8 quando foi o primeiro processo de regularização extraordinária (na altura o Alto-Comissário para as Migrações era José Leitão e eu sou conselheiro do ACM desde essa altura até agora, portanto, os imigrantes elegem em mim e isso é fundamental mesmo para as comunidades não PALOP), o movimento associativo reivindicou uma Secretária de Estado e finalmente agora a Secretária chegou com 20 anos de atraso. Mas esse é o andamento deste país, que é de tartaruga, caracol, devagar, devagarinho. Portanto, é preciso mais coragem política por parte de quem governa este país para ter políticas mais justas e humanas, mas também sejam criativos e audazes quando colocam as políticas em cima da mesa.
Em anos de (presidência da) SOLIM já terá havido algum reconhecimento de alguma classe pelos seus trabalhos…?
Nós quando olhamos para o nosso trabalho e fizemos uma retrospetiva – e nós já estivemos em alto mar a trepar grande navios para resgatar imigrantes que estavam em situação muito difícil, doentes e que o armador e capitãs dos barcos os mantinham quase na escravatura – hoje dizemos assim: valeu a pena este trabalho todo e vale a pena continuarmos e, se calhar, melhorarmos também nossas condições e metodologias. É preciso também inovar alguma coisa, é preciso criar, mas valeu a pena porque o maior reconhecimento que nós temos que ter é dos próprios imigrantes e isso temo-lo, porque as pessoas continuam a nos procurar. Nós vemos aí cidadãos que ontem eram estrangeiros e hoje são portugueses e que já não os vemos há muito tempo, mas quando nos cruzamos no caminho eles dizem aos amigos: foi essa associação que me ajudou a trazer a família, a ter meu documento e a ser português. São essas palavras que nos tocam mais. Não precisamos de mais reconhecimento. O reconhecimento principal é das próprias comunidades. E temos a certeza de que elas estão connosco, porque quando precisamos delas para ir para as ruas às manifestações elas aparecem. Isso é que é importante.
Considera que há consciencialização dos cidadãos (em prol dos imigrantes) na sociedade em que estão inseridos?
A sociedade portuguesa já é diferente do que era no passado. No passado tínhamos uma sociedade sob ponto de vista de diversidade e de conhecimento é muito cinzenta, não estava aberta a essa diversidade. Com a chegada de imigrantes de vários pontos do planeta, ela tornou-se uma sociedade diversa. É uma sociedade onde a interculturalidade existe mas ainda não é vivenciada, porque faltam muitos apoios. Aqui é outra questão que levava algum tempo para discutir. Ela existe ali na zona dos Arroios, Almirante Reis. Não podemos ver aquela zona de uma forma folclórica Sabemos que as pessoas existem. Na Almirante Reis há uma diversidade cultural enorme mas depois faltou ferramentas e mecanismos para potenciar essa diversidade cultural. Por isso aparecem associações que querem fazer coisas e não têm meios e apoio para os fazer. Ou seja, há aqui por parte do poder local e poder central um monopólio. Eles querem ter todo o protagonismo. Muitas vezes ao tentarem gerir por cima de uma forma institucional essa diversidade, criam um festival de todos, que é um festival da Câmara Municipal de Lisboa. Chamam alguns voluntários e ERASMU e fazem o festival de todos para os imigrantes. Mas não isso que nós queremos. O que nós queremos é que sejam os próprios imigrantes a fazerem a promoverem essa vivência com coletivos, organizações mais ou menos formais, suas associações, seja quem for, têm que ser os próprios imigrantes a criar essa vivência e promovê-la e para isso é preciso condições para que eles possam trabalhar nesse sentido. E hoje infelizmente ainda não há essa visão nas políticas de imigração e da diversidade cultural na cidade de Lisboa.
Comparando a democracia participativa com as políticas públicas: o que é que falta?
Falta quase tudo. Nós queremos políticas públicas decentes, que respeitem direitos fundamentais das pessoas. E essas políticas públicas não podem ser feitas em gabinetes. Têm que ser discutidas cá em baixo com as pessoas, com a sociedade civil. Nenhumas leis – que fazem parte das políticas públicas – devem ser feitas nas costas das pessoas, no caso da imigração. São pessoas que descontam, que têm papel fundamental, aliás, cada vez mais fundamental para que este Portugal saia desta situação pandémica de uma forma mais saudável. Os imigrantes contam muito. E este governo não tem sabido apoiar as suas organizações, esta cidadania.
Como é que vê (o fluxo de) comunicação nas organizações?
As vidas contas, as comunidades contam e a cidadania devia contar também, mas não está a contar nada. Ainda por cima nesta fase pandémica, nós sabemos que há sempre aqueles que estão excluídos – os próprios emigrantes, que são excluídos por vários fatores (nomeadamente) o fator racial. Os mais excluídos efetivamente são os mais afetados por essa situação. Não me venham dizer aqui que isso toca a todos. Não, não toca a todos. Toca muito mais aos debaixo do que aos de cima. Os que têm uma situação social mais estável, têm outras estrutura na sua vida familiar conseguem superar essas dificuldades de uma forma diferente do que as pessoas que vivem em bairros sociais, algumas em barracas, alguns na rua. São os excluídos da sociedade que sentem esta situação e essas políticas que agora estão a ser feitas. Sentem de outra forma totalmente diferente. São os mais afetados. E muitas vezes não há uma forma e não há políticas públicas que digam que não. É preciso dar condições, nomeadamente, na questão da habitação. É preciso olhar para ai e dizer: vamos acabar com esses bairros sociais que não ajudam a fazer nenhum. É preciso criar habitação condigna e uma habitação que seja decente para as pessoas. Não é criar as barracas ao alto. Não é por ai. Casas com más condições, construção com materiais baratos, sem equipamentos, sem infraestruturas, sem nada. Portanto, criam-se ali edifícios altos onde se amontoam: ´isso é para pobres e para pretos`, devem ter dito os construtores. E quem faz as políticas públicas aceitou e muito bem (dizendo): ´Isso é para eles. Não interessa, pode ser materiais muito baratos, pode ser construídos de qualquer maneira, sem escola, sem infraestruturas, sem nada. Então faça-se`. É preciso acabar com os bairros sociais e dar habitação condigna às pessoas para as pessoas perante outras situação igual a essa terem outras condições para superar as dificuldades. (X)