
Manuel Matola
A Ordem dos Advogados de Portugal iniciou hoje até quarta-feira a votação eletrónica do novo Bastonário e de órgãos nacionais e regionais, com candidatos a defenderem a “Natureza pública do crime de procuradoria ilícita”, cujas vítimas preferenciais deste “comércio forense” são os imigrantes.
O Jornal É@GORA consultou as propostas da quase totalidade das listas para saber o que pensam sobre a imigração os candidatos que disputam o cargo de Bastonário e Conselho Geral, bem como os que concorrem quer à liderança do Conselho Superior, Conselho Fiscal, Conselhos Regionais e Deontológicos, bem como aos órgãos da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS).
Apenas destacamos as propostas dos candidatos que apesentam sugestões diretas em torno da temática da imigração nas Eleições para os órgãos da Ordem dos Advogados (OA) e da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), para o triénio 2023-2025.
A aposta comum dos sete candidatos à Bastonário é a de atuar, em várias frentes, na luta contra a procuradoria ilícita, “uma chaga social”, de acordo com Paulo Pimenta, presidente da Lista A, para quem, “além de constituir crime”, esta prática “vitimiza quase sempre os cidadãos mais desfavorecidos e menos informados”.
No seu manifesto à eleição ao posto de Bastonário, o advogado Paulo Pimenta considera que, “na sua maior expressão, a procuradoria ilícita só existe a coberto da complacência das mais diversas espécies de repartições e seus funcionários”.
Pelo que é necessário restabelecer “confiança dos cidadãos na advocacia [pois a área] está comprometida”, alerta, entretanto, o também candidato à Bastonário, Paulo Valério – que preside a Lista C -, ao fazer um diagnóstico da relação entre a classe jurídica e os clientes na sociedade portuguesa.
“Se é certo que a maior parte dos cidadãos – quando a braços com a justiça, mas ´nos braços` de um advogado – reconhece a essencialidade da profissão, perpassa na sociedade portuguesa uma associação da advocacia ao uso de expedientes, à morosidade processual e àquilo a que poderíamos chamar o ´comércio` forense. É preciso separar o trigo do joio, com a dose certa de pedagogia e de orgulho; mas também de autocrítica e de superação”, defende o candidato Paulo Valério.
Superação essa que passa por adotar “uma estratégia” de luta “coordenada a nível nacional”, segundo propõe Paulo Pimenta – que preside a Lista A.
“O combate à procuradoria ilícita deve assentar numa estratégia coordenada a nível nacional, envolvendo o Conselho Geral, os Conselhos Regionais e as Delegações”, afirma o causídico, sugerindo ser “fundamental lançar campanhas consistentes e articuladas, aptas a sensibilizar os cidadãos para os riscos a que se sujeitam quando não recorrem ao aconselhamento jurídico por Advogado”.
Canais de comunicação permanente
Para Paulo Pimenta, “é preciso criar canais de comunicação permanentes com as tutelas das diversas espécies de repartições, no sentido de as chefias imporem aos respectivos funcionários o controlo da legitimidade de quem se apresenta aos balcões dessas repartições”.
Além de defender a “Natureza pública do crime de procuradoria ilícita”, o advogado Rui da Silva Leal (candidato da Lista S) chama à responsabilidade da própria Ordem dos Advogados de Portugal na busca de uma resposta para, “em caso de cumplicidade do funcionário público, incrementar as denúncias contra este, difundindo essa possibilidade pelos diversos serviços públicos”.
Na proposta do candidato Rui da Silva Leal, a solução passa pelo “atendimento permanente por telefone da Ordem dos Advogados destinado exclusivamente a denúncias por procuradoria ilícita”, um negócio que, no seio da imigração, é praticado por advogados, e não só.
Caso real de “esquema” de corrupção
Quando há quase três anos a brasileira Juliet Cristino acabada de chegar a Portugal se viu com falta de respostas dos serviços migratórios, SEF, a imigrante desembolsou na altura 300 euros a um advogado que se propôs apenas a fazer uma marcação online e que muitas vezes esgota(va)m em menos de cinco minutos. E a jovem diarista caiu num “esquema” de corrupção que ainda se assiste no processo de agendamento no SEF, envolvendo até advogados e pessoas singulares.
No dia, Juliet Cristino apanhou um choque que a fez viver na pele um dos maiores dilemas enfrentados por qualquer imigrante acabado de chegar ao país, daí que a imigrante brasileira decidiu protestar e, mais tarde, fundou o Comité de Imigrantes em Portugal (CIP) que, atuando através das redes sociais, conseguiu despertar a consciência de milhares de imigrantes que escolheram Portugal como sua morada a lutar de forma incessante até que lhes sejam reconhecidos os plenos direitos de residência no território português.
O CIP, hoje a maior rede migratória virtual que revolucionou a vida dos imigrantes em Portugal, foi a entidade que a 11 de julho de 2021, na rua, lançou um grito audível de socorro às autoridades migratórias e governamentais portuguesas para agilizarem a legalização de milhares de cidadãos estrangeiros junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
O jornal É@GORA acompanha desde o início todas as fases deste processo de luta que nunca foi fácil e só tomou o rumo certo graças à audácia de Juliet, líder do CIP, que se revelou assertiva e fundamental para a normalização de uma situação que tendia a ser cada vez mais caótica – o processo de obtenção do título de residência em Portugal.
Os Influencers e a venda de um Portugal de sonhos
No manifesto ao cargo de Bastonária, a advogada Fernanda de Almeida Pinheiro, que preside a Lista F, faz um diagnóstico de alguns dos “desafios nesta matéria” que, segundo a candidata, “são cada vez mais recorrentes e complexos: surgem agora através das redes sociais, influencers, que praticam actos que lhes estão legalmente vedados, contribuindo não só para uma desinformação generalizada dos cidadãos e cidadãs (especialmente os mais fragilizados), mas também para penalizar o exercício da profissão, retirando trabalho a quem se encontra tecnicamente preparado para o assegurar”.
Por isso que, em caso de ser eleita, Fernanda de Almeida Pinheiro se propõe “também nesta matéria” a combater “este flagelo” de procuradoria ilícita com “empenho e tenacidade”, especialmente “tomando medidas preventivas para que todos os serviços públicos sejam os primeiros a denunciar este tipo de situações e para que a repressão dos prevaricadores actue até às últimas consequências”.
Mas se as redes sociais tiveram a sua devida influência no eventual surgimento e crescimento “dos prevaricadores”, sobretudo durante a pandemia, o contexto de guerra na Ucrânia, que ditou um dos maiores fluxos migratórios desde a II Guerra Mundial, tem tido significativo impacto na advocacia em Portugal, um dos principais países de acolhimento de migrantes, incluindo refugiados ucranianos, segundo lembra o advogado Luís Menezes Leitão (candidato da Lista J).
“À pandemia seguiu-se uma guerra no continente europeu, motivando os Advogados portugueses para a realização de mais uma operação sem precedentes na nossa Ordem: a de apoio jurídico pro bono aos cidadãos ucranianos. Através da mesma, tivemos uma enorme intervenção dos Advogados em apoio aos cidadãos mais desprotegidos, que honrou a Advocacia e nos prestigiou perante a opinião pública. A Ordem dos Advogados desde o início suportou e coordenou esta iniciativa, a qual já motivou a expressão do reconhecimento, quer da Embaixada da Ucrânia, quer da Associação Nacional de Advogados da Ucrânia”, frisa Luís Menezes Leitão ao considerar que a experiência resultante da situação na Ucrânia leva à adoção de parcerias com entidades e instituições no estrangeiro.
Pelo que propõe: “Deverá ser criada na Ordem dos Advogados uma plataforma activa de internacionalização da profissão, implementando contactos internacionais e criando parcerias com entidades e instituições no estrangeiro, em ordem a garantir aos Advogados portugueses a necessária presença na advocacia internacional”.
A “banalização da procuradoria ilícita” é também apontada por António Jaime Martins (que preside a Lista T) que reconhece a situação como um dos problemas que afetam a profissão de advogados, “seja ela exercida em prática individual, em pequenas, médias ou grandes sociedades de advogados ou em empresas”.
E, como forma de reforçar os meios de combate à procuradoria ilícita, o candidato ao cargo de Bastonário António Jaime Martins propõe à “criação de funcionalidades nas plataformas da Ordem dos Advogados que permitam a realização de comunicações online em tempo real com a Autoridade Tributária e Aduaneira, a Segurança Social, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o Registo Nacional de Pessoas Coletivas e o Instituto dos Registos e do Notariado”.
O advogado Varela de Matos, que concorre à liderança da Ordem dos Advogados pela Lista V, diz ser “tempo de mudar”, pois “a procuradoria ilícita é um flagelo que urge combater de forma efetiva, na sua origem, e não através de palavras ocas e cartazes onde o dinheiro das quotas dos Advogados é esbanjado”.
A atual presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, Alexandra Bordalo Gonçalves, que se recandidata a mais três anos de mandato à frente da Lista U, foi a única dos candidatos ao cargo que exerce o poder disciplinar, que se pronunciou sobre a imigração, assegurando que, em caso de eleição, promover a elaboração de um “Manual de Acolhimento do Advogado Estrangeiro” e criar um Gabinete de Deontologia Preventiva.
“O Manual que vamos construir será, da primeira à última página, um instrumento de deontologia preventiva que evitará que largas centenas de colegas estrangeiros que trabalham em Portugal cometam certas irregularidades, algumas por lapso, a maior parte por falta de informação”, afirma Alexandra Bordalo Gonçalves, considerando que “não está em causa a legitimidade dos colegas estrangeiros para
o exercício da profissão, nem a sua competência”.
Mas, com a pandemia, e não só, “a realidade da advocacia em Portugal mudou nas últimas décadas”, diz a sustentando a sua visão de mudança: “deve-se à digitalização e ao uso profissional das redes sociais, ao aumento de dificuldade de acesso dos advogados a certos serviços públicos, à entrada na profissão de muitos colegas estrangeiros que trouxeram consigo novos tipos de atos e de condutas”, entre outras razões.
“São questões que é necessário discutir, clarificar e consensualizar”, considera a candidata Alexandre Bordalo Gonçalves que, em caso de reeleição à presidência do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados se propõe a “Fazer Direito, Defender Princípios”.
Um dos Princípios que Alexandra Bordalo Gonçalves se propõe a defende estará no Manual que “os eleitos da Lista U irão promover”, pois este “dará também grande atenção a equívocos que são frequentes em advogados oriundos de outros países da União Europeia e de países de Leste”, até porque o documento “irá enunciar, de forma simples e acessível, o protocolo e os formalismos dos tribunais portugueses” e “tornará também claras as regras que presidem ao ajuste dos honorários dos advogados”, bem como “mostrará os limites que existem à publicação nas redes sociais”, evidenciando igualmente, entre muitos outros aspetos, “que a jurisdição disciplinar em Portugal é aplicada pelos pares no âmbito da Ordem dos Advogados, e não nos tribunais”.
Centrando a atenção aos desafios da classe jurídica, os candidatos são unânimes num ponto: na necessidade de “dignificar a profissão”, o que passa, por exemplo, pelo combate à precariedade dos próprios advogados, sobretudo os mais jovens, uma vez que alguns destes não só enfrentam problemas de baixa remuneração, como também não conseguem pagar sequer rendas dos escritórios que abrem para a prática de advocacia que se pretende digna. (MM)