A futura representatividade da imigração no próximo Parlamento

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As três deputadas luso-guineenses: Romualda Fernandes (Esq), Joacine Katar Moreira e Beatriz Gomes Dias (Dir.) ©

Manuel Matola

Há quase dois meses das eleições legislativas, a incógnita que prevalece no seio da comunidade migrante, e não só, é saber qual será a centralidade do debate político das questões migratórias no futuro Parlamento saído das eleições legislativas de 30 de janeiro em Portugal.

O jornal É@GORA ouviu as vozes da imigração sobre como reposicionar a luta pelas pessoas migrantes na próxima Assembleia da República, órgão legislador que o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, dissolveu oficialmente em decreto divulgado este fim de semana.

O coordenador da Solidariedade Imigrante (SOLIM), uma das maiores associações imigrantes na Europa, Timóteo Macedo, lança um desafio às forças políticas que apoiam a temática da imigração em Portugal.

“É preciso que os partidos abram as portas às minorias, aos imigrantes e todos que queiram participar na vida política deste país”, mas, às organizações pró-imigrantes, alerta: “em primeiro lugar, é preciso influenciar e lutar para que os imigrantes deem um passo em frente”.

Até porque, com a dissolução do Parlamento, que põe fim à atual legislatura, estão de saída do hemiciclo as três deputadas luso-guineenses – Joacine Katar Moreira, Beatriz Gomes Dias e Romualda Fernandes – cuja ação parlamentar se confundiu com o ativismo – agora incerto – em prol dos estrangeiros residentes no território português.

Tal como faziam antes de lá estarem nos últimos dois anos enquanto deputadas num Parlamento onde se tornaram nos “rostos da representatividade”, o trio colaborou para as mudanças das políticas públicas, nomeadamente através da alteração da legislação, conseguindo colocar os anseios da comunidade migrante na agenda pública portuguesa.

Desde leis aprovadas para sanar erros históricos da imigração que afetava, sobretudo, os afrodescendentes, nos últimos 40 anos, às propostas legislativas em benefício de pessoas migrantes para se legalizam junto ao SEF.

No entanto, o seu desempenho não é consensual.

Os partidos estão agora concentrados na elaboração de listas de futuros candidatos à deputados, uma escolha que quer à Direita, quer à Esquerda, normalmente, é feita com auxílio das concelhias e distritais das organizações políticas.

Algumas destas ações partidárias visando à conquista de assentos parlamentares contam com a colaboração das associações e organizações pró-imigrantes.

Aquando das últimas eleições Europeias, a cientista política, Edalina Sanches, explicou ao jornal É@GORA o racional desta parceria, cujo objetivo é, por um lado, assegurar a representatividade no Parlamento levando àquele órgão legislador quem realmente é conhecedora da realidade da população migrante.

Essas organizações “têm tido um papel de mobilização e agregação de interesse dos imigrantes fundamentalmente ocupando um espaço que estava um bocado vazio e que os partidos têm tido alguma relutância em debater alguns dos temas por eles representados relacionados com o racismo, nacionalidade e direitos políticos”, pelo que “essas associações têm ajudado a colocar alguns dos temas na agenda”, afirmou a docente universitária.

Em Portugal essa luta não se circunscreve aos partidos políticos por força dos seus militantes de origem africana, pois também diz respeito ao papel das associações de imigrantes ou de afrodescendentes que surgiram nos últimos anos, explica Edalina Sanches.

E para evitar também o crescimento da extrema-direita, as organizações e associações pró-imigrantes, cuja contrapartida é ter um dos seus representantes no hemiciclo, ajudam os partidos políticos a sensibilizar os potenciais eleitores oriundos das comunidades estrangeiras, lutando assim contra abstenção, populismo e demagogia.

Em entrevista ao jornal É@GORA, Timóteo Macedo da SOLIM entende que “é preciso continuar a lutar para influenciar as políticas partidárias” das principais forças democráticas portuguesas no sentido de integrar “os imigrantes e as minorias” nas listas a futuros deputados do novo Parlamento que sairá do escrutínio de 30 de janeiro.

E lança um apelo a todos os cidadãos do campo da imigração: “Não gostaria de ver imigrantes em partidos que são xenófobos e racistas e têm as suas políticas contra imigração. Infelizmente vamos ter, mas nem sequer gostaria de ver lá imigrantes a defenderem posições contra esses povos”.

Entretanto, a socióloga e jornalista Luzia Moniz prevê não só uma eventual marginalização de temas da imigração no futuro Parlamento como diz estar “apreensiva” com futura representatividade negra na composição da Assembleia da República que sairá das próximas eleições legislativas de 30 de janeiro. 

“A minha apreensão deve-se a três sinais que são evidentes: por um lado, o crescimento galopante da extrema-direita [as sondagens apontam para a eventualidade de alcançar entre 10 e 15%]. Por outro lado, todos os sinais indicam que a representatividade que tivemos no Parlamento de três mulheres negras, provavelmente, não voltaremos a ter na próxima legislatura. Uma coisa não teremos, é evidente: uma cabeça de lista negra como tivemos Joacine Katar Moreira nas eleições legislativas de 2019. Não vejo nenhum partido concorrente a apresentar cabeça de lista negra como aconteceu na sequência do escrutínio em que a Joacine foi eleita”, afirma Luzia Moniz.

Para o líder associativo Celso Soares não há dúvidas de que a representatividade “fica beliscada” e “ao mesmo tempo” a dissolução da Assembleia da República e a saída do trio de deputadas do parlamento “abre precedentes a outras questões”.

Celso Soares
É que essa situação traz à tona, em parte, a questão da articulação e necessidade de melhor concertação de ideias entre deputados pró-imigração, visto que anteriormente “as três deputadas não tinham grande expressão, primeiro, porque cada uma delas tinha representação partidária diferente, com posições completamente diferentes, distantes umas das outras”, diz o presidente da direção do Gabinete de Imagem Integrada e de Recursos Comunicacionais para o 3 º Sector (GIIRC`3).

Por outro, Celso Soares remete a discussão sobre qual deve ser a centralidade institucional a dar-se aos temas pró-imigrantes que estavam até agora na Assembleia da República, em caso de os futuros representantes do espetro da imigração não forem eleitos pelos partidos ou falharem a próxima eleição.

Para Celso Soares, o próximo espaço de discussão deverá ser as Assembleias municipais onde atuam cada vez mais imigrantes eleitos a deputados a esse nível, olhando para os resultados das últimas eleições autárquicas.

No entanto, mostra-se cético sobre a possibilidade destes debates correrem sem que os partidos políticos queiram.

Isso “vai depender do programa dos partidos que têm parceria com algumas representações pró-imigrantes. Isso tem muito a ver com a posição que cada um dos cidadãos eleitos, que são poucos, definiram para si e com os partidos que os elegeu”.

Exemplifica: “Quando olho, por exemplo, para um PS na Amadora, onde está o [afrodescendente]Daniel Mendes, vejo o Partido Socialista na Amadora com uma representação forte na freguesia onde está, pois tem uma margem positiva de maior envolvimento. Isso tem a ver com a posição [social] que o Daniel Mendes [formado em Gestão de empresas e marketing, e promotor do Angola Music Awards, um dos maiores eventos culturais da lusofonia] conquistou e definiu para si em acordo com o grupo partidário que o integrou”.

Por isso, “se cada um dos cidadãos imigrantes conseguir negociar [aquilo que pensa] quando for chamado a integrar as listas partidárias, é certo que será bom para os migrantes. Se não conseguir negociar para se posicionar acaba por ser um ´colorido` nas listas e, no meu ponto de vista, o ´colorido` não funciona e não é tão bom”, assinala Celso Soares que integrou enquanto independente a lista do PSD-Lisboa nas últimas autárquicas.

João Carlos, jornalista correspondente internacional
O jornalista João Carlos, um dos mais antigos correspondentes africanos em Portugal, também alerta para o risco de os futuros candidatos da imigração das listas a ser elaboradas pelas forças partidárias às próximas eleições servirem apenas “como mero ato decorativo para mostrar diversidade na Assembleia da República”.

“Neste curto espaço de tempo para a organização de nova ida às urnas a 30 de janeiro de 2022, resta saber, pelas experiências díspares deixadas no Parlamento por Beatriz Gomes, Romualda Fernandes e Joacine Katar Moreira, se as associações que lutam pela causa da imigração terão capacidade para gerar força e persuadir os partidos políticos portugueses a não descurarem nas respetivas listas candidatas figuras que possam representar os seus interesses. Não apenas como mero ato decorativo para mostrar diversidade na Assembleia da República”, diz João Carlos.

Por isso, considera João Carlos que, “com a saída destas [três] vozes do cenário político, fica reduzida e sem forte expressão a representação dos interesses dos imigrantes na futura Assembleia da República. A não ser que os partidos políticos portugueses ponderem a possibilidade de as incluir nas respetivas listas ou de optar por outros candidatos afrodescendentes apenas para colorir o pano”.

Faltam 54 dias para as eleições legislativas, o escrutínio que definirá a futura representatividade da imigração no próximo Parlamento português. (MM)

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