Manuel Matola (texto) e John Kerry (fotos)
O Chá de Beleza Afro acaba de se internacionalizar, ao realizar no continente africano uma edição pioneira deste que é o maior evento de networking, promoção e empoderamento das mulheres africanas e afrodescendentes em várias esferas da sociedade portuguesa.
Num encontro em que a questão migratória também foi um dos temas abordados, o Chá de Beleza Afro foi pela primeira vez a São Tomé e Príncipe lançar um olhar transversal sobre a questão da mulher são-tomense e, tendo esta como exemplo no centro de um debate que ocorre a nível global questionou a coragem de arriscar e como este desafio afeta a saúde mental da própria mulher.
Proximamente, a empreendedora luso-santomense Neusa Sousa pretende alcançar a América Latina com o seu Chá de Beleza Afro.
“A grande aposta da internacionalização é o Brasil”, eventualmente em 2024, diz Neusa Sousa, fundadora do Chá de Beleza em conversa com o jornal É@GORA, onde aponta as razões que a levam a escalar o continente sul-americano.
“O Brasil é um mercado que abre as portas. Há mais investimentos”, resume.
A estratégia de reposicionamento da marca e a projeção deste evento no mercado internacional tem outro fundamento.
“A problemática das mulheres negras é transversal”, considera a ativista Neusa Sousa, assinalando por isso que “essa internacionalização marcou o início da nova era para o Chá de Beleza Afro” que no próximo mês se vai dar a conhecer em três países europeus: a Suíça e o Reino Unido.
Mas, antes, Luxemburgo, “onde vou fazer prospeção, contactos e estudos de mercado e ver parcerias”, uma forma de também “ver se consigo promover o Chá de Beleza Afro em 2024”, adianta ao jornal É@GORA.
No encontro de São Tomé e Príncipe em que estiveram presentes quase duas centenas de pessoas de ambos sexos, Neusa Sousa levou à discussão vários temas para um evento que “foi um sucesso” não só pelo número de participantes, como pelo perfil dos oradores, desde Maria Milagre, ministra dos Direitos da Mulher do Governo são-tomense, que “quer uma sociedade equilibrada, com mais mulheres a assumir cargos de decisão, e promover a reflexão sobre os valores das famílias”, segundo disse numa entrevista recente à agência Lusa, a empresários e empresárias nacionais que também apostam na internacionalização dos seus negócios.
Daí que talvez se justifique o tema central e a presença de uma psicóloga, Raquel Moreno, que abriu o primeiro Chá de Beleza Afro em São Tomé e Príncipe questionando: “O que é a coragem de arriscar e como (esse desafio) afeta a saúde mental das mulheres santomenses?”.
Em jeito de resposta às dificuldades da mulher daquele país lusófono onde “a posição que mulheres e homens ocupam na sociedade é não só diferente como desigual”, segundo denunciou anteriormente o livro “Direitos das Mulheres em São Tomé e Príncipe: Conhecer para Capacitar e Sensibilizar”, a jurista Vera Cravid lembrou, no segundo painel, que essa situação pode ter por base “A prisão e o peso do Matrimónio e a ´falsa família modelo` construído pela sociedade daquele Arquipélago onde apenas 4 mulheres fazem parte de um Governo composto por 11 ministros (dos quais 7 são homens).
“Esta desigualdade, construída ao longo dos tempos, assenta numa maior valorização do masculino em detrimento do feminino e resulta num menor estatuto social, poder e acesso aos recursos por parte das mulheres em relação a homens que se encontram na mesma posição social”, lê-se no livro da autoria Ana Filipa Oliveira, publicado em coautoria com Lilina Azevedo, Eduardo Elba e outros sobre os desequilíbrios de género ainda existentes em São Tomé e Príncipe.
Há, no entanto, mais desafios no país insular africano perto da linha do equador: um deles é a questão da “Sensualidade vs sexualidade da mulher santomense” que tem sido uma adversidade para este grupo social, de acordo com o testemunho deixado por Serena Mendonça numa intervenção marcada pela “abertura do coração” desta e outras intervenientes, segundo descreveu Neusa Sousa ao jornal É@GORA.
O empresário Danilo Aguiar apresentou, por isso, algumas propostas para ultrapassar estes e outros dilemas numa intervenção em que se centrou na “Emigração, Regresso e Negócios não convencionais” que podem ser levados a cabo pela própria mulher são-tomense como um exercício para se possa empoderar e, num degrau acima, futuramente, consiga dar o seu contributo para recuperar os valores da sociedade que se pretende equilibrada.
Como um dos pilares para alcançar esse objetivo, a ativista social Dalila Neves apontou “O impacto da religião na sociedade santomense” enquanto a Vogal Técnica do Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC), Celmira Fernandes, falou dos “Desafios de ser a primeira mulher…!” em qualquer posição de relevo.
Foi por isso a ministra da Justiça, Ilza Amado Vaz, quem encerrou o evento ao apontar um caminho que coincide com um dos objetivos do Chá de Beleza Afro enquanto plataforma de networking, promoção e empoderamento das mulheres africanas e afrodescendentes em várias esferas da sociedade portuguesa e agora em São Tomé e Príncipe ao falar sobre “O papel da Mulher na Política”.
Em oito edições realizadas, desde 20 de maio de 2017, o Chá de Beleza Afro já homenageou mulheres negras que ocupa(ra)m cargos políticos relevantes desde que Portugal se tornou um Estado de Direito democrático, em 1974: a luso-angolana Francisca Van Dúnem, ex-ministra da Justiça de Portugal, e a historiadora e ex-deputada Joacine Katar Moreira, e convidou como oradora do evento a atual deputada socialista Romualda Fernandes. As duas últimas são luso-guineenses cuja eleição ao Parlamento em 2019 assinalou o marco histórico ao quebrar-se a tradicional falta de representatividade étnico-racial naquele órgão legislativo. (MM)