Manuel Matola
Depois de nas últimas semanas o SEF ter aberto mais de 31 mil vagas para atendimento aos migrantes, o Jornal É@GORA esteve à conversa com o advogado Arlindo Ferreira para perceber as novas dinâmicas impostas pelo serviço do Estado. Na entrevista, o jurista guineense que há mais de uma década é especialista na área da Migração em Portugal revela o estado do setor e deixa algumas sugestões para o melhor funcionamento e maior agilização dos processos: “A solução ideal seria o próprio SEF marcar os agendamentos das pessoas. Por exemplo, quando o visto residência [estiver para] acabar em novembro, o SEF agendava automaticamente para início de dezembro. Aí não havia esses problemas”.
Olhando para este novo mecanismo que o SEF está a adotar, há futuro ou não no vosso trabalho de advocacia para as migrações?
Nada está implementado a nível das alterações que eles [os serviços migratórios] preconizam. Portanto, desde abril até outubro praticamente não se podia efetuar (re)agendamentos, só em casos excecionais em que o imigrante mandava um email para o SEF e eles viam se era um caso de força maior ou humanitário, ou de força maior e, a seguir, notificavam-no para se dirigir a um posto do SEF. Mas desde que reabriram os agendamentos confesso que há duas semanas eu não consegui fazer o agendamento sequer. A linha está sempre impedida. No outro dia fiz 299 chamadas e não consegui.
Mas no domingo houve uma “chuva de vagas”…
Há mais de 30 mil vagas, mas [ainda assim] as pessoas ainda não estão a conseguir fazer agendamentos.
Mas agora os imigrantes estão a receber mensagens com confirmação de agendamentos
Está a referir-se ao artigo 88.
Sim, daí a minha pergunta: essa abertura do SEF vai tornar (ir)relevante o papel dos advogados neste processo de legalização dos imigrantes?
Os advogados nunca tiveram um papel relevante nisso. Nunca, porque os advogados sempre desempenharam função secundária, acessória que tinha a ver com acompanhamento das pessoas [migrantes]. Um advogado para ter um papel relevante tinha que ter [por exemplo a prerrogativa] de ligar e dizer: eu sou advogado, quero fazer agendamento para um cliente daqui a uma semana. Mas ao nível do SEF um advogado é igual a um outro cliente normal que liga para o SEF e faz o agendamento e dão-lhe uma vaga.
Mas é uma vaga em que o advogado tem a possibilidade de ganhar por agendar. Aí a minha questão: qual é o impacto desta nova situação?
Na minha situação é-me indiferente porque, nesta área de advocacia, os clientes que eu tenho são os que nem sequer têm posse e muitos dos processos que eu faço é mais a nível de esclarecimento jurídico e noutras situações eu faço [o trabalho] pro-bono. Quando é para acompanhar para fora de Lisboa aí cobro despesas de deslocação. Agora noutras situações em que as pessoas estão com dificuldades, [dado que] não têm meios, as pessoas nem sequer vão para advogados, vão para pessoas que tenham um domínio de informática. E – tanto que o mecanismo de renovações que são implementadas são automáticas – essas pessoas fazem a transição normal da autoridade de residência porque esse mecanismo ainda existe.
Dentro daquilo que é o mecanismo de legalização dos migrantes havia uma linha direta entre os advogados e o SEF – até porque há um acordo entre a Ordem de Advogados e o SEF e este mecanismo faz com que os advogados tenham uma prerrogativa no atendimento. Com este novo mecanismo, de que forma esta prerrogativa permanece ou não permanece?
Mas não estando implementada esta proposta que avança, como é que estes advogados poderão sobreviver?
Na profissão da advocacia não é só migração. Nós temos uma versatilidade para trabalharmos em toda a área desde imigração, asilo, processos de outras naturezas. Temos que aventurar nisso.
Ou seja, há que haver aqui uma inflexão da parte dos advogados para poderem sobreviver?
Nós temos que estar preparados para a escassez do mercado e aventurar-nos noutras áreas. Por exemplo, na área de imigração se o fluxo de trabalho diminuir nós temos que partir para outras áreas como a comercial, administrativa ou criminal. Há aí advogados que fazem só uma coisa. Mas se as condições não permitirem têm que se aventurar para tudo e mais alguma coisa. Há colegas meus que abandonaram a advocacia e estão a trabalhar na área de imobiliária.
Estes trabalhavam na área da advocacia na questão da migração ou noutras?
Sim, na área de migração. Agora estão na imobiliária.
E isto foi por que motivo: pelo facto ter havido aquele interregno no SEF?
E não só. Houve o problema de Covid-19. As renovações eram todas online, não havia agendamentos e o trabalho escasseou. Tendo escasseado o trabalho – os tribunais também estavam fechados praticamente – então originou toda esta situação. Foi o que aconteceu [durante o confinamento].
Mas na sua opinião esta nova dinâmica do SEF cria um momento de alguma incerteza?
Qualquer modificação de implementação total das pessoas estão sempre reticentes para ver qual é o impacto social que essa situação irá gerar. Daí que por um lado estamos expectantes para vermos em que ponto fica a nossa posição de advogados. Neste momento estamos cada vez mais limitados. Para ter uma ideia: antigamente, os advogados chegavam lá [no SEF] e podiam entregar os processos. Depois alteraram isso, tinham que receber só 10 advogados por dia, dez senhas, e nem todos os processos podiam ser entregues. Antigamente, o advogado podia fazer tudo e depois começaram a dizer: não, tem que estar presente o próprio utente e depois a marcação tem que ser feita em nome do utente. Ultimamente, os advogados podiam fazer agendamento pelo telefone, coisa que qualquer um pode fazer, depois acompanhar os clientes e mais nada.
Isto em termos de rendimentos para os advogados resulta ou é uma “ninharia”?
Há situações que eu faço de pro-bono, sem contrapartida. Também por causa da natureza das pessoas que atendo, que não têm muitos meios. Noutras situações [similares] os outros colegas cobram. Quando é deslocação para Viseu, Porto, Braga, Bragança, Guarda em que temos que ir num dia para sermos atendidos no dia seguinte eu cobro, mas quando é em Lisboa, a maioria das situações eu não cobro.
A Ordem dos advogados tem de avaliar isto, ou seja, tem de estudar e fazer algum tipo de discussão face a essa situação relativamente aos advogados que trabalham sobretudo nesta questão da migração, até pelo exemplo que deu de alguns dos seus colegas que saíram e acabaram por ir para outros setores?
Essa questão que surgiu no aeroporto que motivou a criação de um gabinete de atendimento foi porque causa do alarme social. Essa área de imigração é uma área totalmente ignorada pela Ordem. Muita das vezes fazemos a participação à Ordem das injustiças que sentimos e não há resposta satisfatória.
“O processo dos vistos gold nunca vem parar a nós da prática da advocacia individual”
Mas a que é que se deve, à falta desta questão dos dinheiros, ou é pelo grupo social com quem trabalham?
É uma área em que as pessoas não dão muita importância. Só olham para essa área quando realmente surge na opinião pública. Acha normal uma pessoa, às vezes, ter um familiar doente ou há um óbito no estrangeiro e pretende sair do país, mas os documentos ficam lá parados, anos e anos? Faz-se o requerimento, não respondem. Onde é que está a consideração, onde é que está o respeito pela dignificação dos processos ou pela dignidade das coisas? Não existem praticamente porque se existissem as pessoas teriam dado uma certa importância a essa situação. Mas as pessoas simplesmente ignoram e não dão a importância que deviam dar.
Há necessidade de os advogados, como é o seu caso, de olharem também para outros segmentos de imigrantes, nomeadamente os que vêm cá para trabalhar ou viver com os vistos gold, embora o programa esteja no fim?
O processo dos vistos gold é um processo que sempre vai parar aos grandes escritórios, nunca vem parar a nós da prática da advocacia individual. Por exemplo, eu nunca tive nenhum. Os grandes escritórios cobram à volta de 10 a 20 mil euros a um processo desta natureza. Nunca tive um processo dessa natureza, embora tenha dado consulta, mas à última da hora vão dar a outros grandes escritórios de advogados.
Isto não é o exemplo claro da necessidade de uma união e de organização da vossa parte para criação de cooperativa para conseguirem esse tipo de clientes?
No estrangeiro já têm intermediários para grandes escritórios da advocacia e quando chegam cá dirigem-se logo para estes grandes escritórios da advocacia.
E qual é o futuro?
O futuro é continuarmos a ficar de fora nesses processos. Não é prometedor nesse âmbito. Preferem grandes escritórios, onde acham que os processos são mais bem tratados, bem resolvidos. (MM)