Manuel Matola
Ativistas dos direitos humanos na Guiné-Equatorial exigem sanções internacionais contra o regime de Teodoro Obiang, que alegadamente “está a usar a pena de morte politicamente” para “branqueamento da imagem” do país da CPLP, onde hoje “está a reinar” um novo “tema normal”: a violação sexual contra a mulher que, para denunciar o caso, “tem que pagar à polícia”.
Nos dias que correm no território equatoguinense, “para denunciares [um caso de violação sexual contra uma mulher] tens que pagar à polícia [para abrir a queixa]. E se não tens meios, o caso é arquivado”, denuncia a docente Sinforosa Nchama Nsue Ada, membro da Associação das Mulheres Africana na Guiné-Equatorial.
O relato sobre violação dos direitos humanos na Guiné Equatorial foi feito pelos ativistas da Guiné Equatorial, um dos quais imigrante em Portugal, primeiro, num encontro com jornalistas e, a seguir, publicamente num seminário de capacitação sob lema “Direitos Humanos e Boa Governança na Guiné Equatorial: o lugar da Sociedade Civil”, desenvolvido no contexto do APROFORT, uma iniciativa da Transparência Internacional Portugal.
A advogada e ativista equatoguinense Maia Jesus Bikene Obiang Obono assegura que “tanto o Parlamento como o Senado já deram o seu ´Ok`” à ideia da abolição da pena capital no país ao apesentarem propostas de revisão ao nível do código penal.
“Agora espera-se que seja sancionado pelo chefe de Estado, que se publique [em Boletim da República] e devemos aplicá-lo”, no entanto, para já “não se sabe se [Teodoro Obiang] sanciona ou não. Creio que sim. Porém, estamos pendentes se sanciona ou não”, refere.
Mas há dois estágios a cumprir para a abolição total da pena de morte na Guiné Equatorial: a supressão da medida a nível do código penal na legislação ordinária e no código de justiça militar, que contempla a pena de morte.
“Mas eliminar a pena de morte só a nível do código penal na legislação ordinária não creio que tenha a mesma importância como se pudesse eliminar no código de justiça militar. Do meu ponto de vista para abolir definitivamente a pena de morte deve-se pensar na possibilidade de contemplar algo relacionado com a lei fundamental e as demais leis ordinárias [Código penal] e da justiça militar. Para mim, essa é que seria a eliminação total da pena de morte na Guiné-Equatorial”, diz a advogada do APROFORT, projeto que é patrocinado pela União Europeia com o objetivo de promover os Direitos Humanos, combater a corrupção e a má governança na Guiné Equatorial.
Aquando da entrada do país na CPLP, em 2014, a comunidade lusófona impôs como um dos requisitos a proteção dos direitos humanos ao regime de Malabo por considerar que o país ainda demonstra níveis muito baixos nesse campo.
Atualmente, há conversações que são feitas ente a Transparência Internacional Portugal, através do projeto APROFORT, e a CPLP, mas o contacto se centra “ao nível técnico” do secretariado executivo, diz o ativista Lucas Olo, um dos principais rostos da diáspora equatoguinense em Portugal.
“Está bem que nos concentremos na pena de morte, mas o código da constituição militar recorre a penas que não significa necessariamente pena de morte, mas questões penais impostas. Segundo o código de constituição militar, se tu és homossexual e te descobrem expulsam-te do emprego, condenam-te a uma pena de prisão que oscila entre 12 meses e seis anos, e podem te desterrar”, diz, esclarecendo a denúncia.
“Por ser homossexual, o código de constituição militar pode condenar-te e não poderes ser equatoriguinense e teres direito a seguir a vida nas forças armadas do país”, aliás, “se descobrem que és homossexual, o código de constituição militar expulsa a pessoa LGBTQIA+ das forças armadas, de tal forma que creio que do mesmo jeito que deveríamos rever a questão de pena de morte também deveríamos rever as diferentes penas para que de alguma maneira as pessoas possam desenvolver-se como pessoas”, diz a ativista.
E exemplifica: “A partir do momento em que estamos a trabalhar na associação Somos Parte del Mundo vimos muitas mulheres lésbicas e muitos homens homossexuais serem vítimas de tortura, tratamento desumano e degradante e não há formas de poder denunciar. Porque há aí muita opacidade no código da constituição militar sabe-se muito pouco. E quando se pergunta respondem que isso é assunto dos militares. Parece que [tudo que diga respeito] aos militares é segredo de Estado”, lamenta Trifonia Obono.
O advogado da Comissão da Juristas equatoguinenses, Reginaldo Sopale, considera que a Guiné Equatorial está cada vez mais a integrar-se em sistemas internacionais como o da CPLP, pelo que vê nisso a obrigatoriedade de o país ir adaptando a sua normativa aos standards que são exigidos por essas organizações.
“Por isso que cremos que mais cedo ou mais tarde a ideia é abolir a pena de morte”, diz Reginaldo Sopale.
O ativista Recaredo Boturo acredita que a Guiné Equatorial “está a usar a pena de morte politicamente” para ser reconhecida pela CPLP e aponta uma fórmula atual de como resolver isso de maneira a que a Organização lusófona possa fomentar a vontade das autoridades de Malabo na aplicação da lei.
“Temos um exemplo da Rússia. O que funciona são sanções. É que o governo de Malabo não sente que tenha obrigatoriedade de cumprir as recomendações, pois não perde nada ao dilatar os prazos”, diz Recaredo Boturo, assinalando que “os que deveriam fomentar que se respeite os marcos jurídicos normalmente ignoram” os sinais dados pelo regime de Teodoro Obiang.
“A questão não é a [revogação da] lei, mas a aplicabilidade da lei. O código militar e o civil é fácil de resolver: é reformando a Constituição. Isso demonstra que não há interesse das autoridades da Guiné Equatorial senão o de dilatar o tempo utilizando-o em proveito próprio”, diz Recaredo Boturo.
Quase oito anos após a sua adesão formal à CPLP, a Constituição da Guiné Equatorial ainda exclui o português das línguas oficiais e, como os seis ativistas, vários são os cidadãos equatoguinenses que não falam o idioma.
O ativista Joaquin Elo Ayeto tem uma leitura única face a isso: as prioridades dadas pelas autoridades de Malabo às políticas públicas a nível da educação.
“Estamos a viver uma grande mentira”, resume Joaquin Elo Ayeto apontando como razões para a assunção dessa alegada falsidade coletiva a falta de condições básicas nas escolas, quer a nível sanitário – pois “de 100 por cento das escolas, 80 por cento não tem água” – quer a nível da aposta formativa nas línguas estrangeiras, incluindo o espanhol que é constitucionalmente idioma oficial e de trabalho.
E questiona ao novo Estado-membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e aos seus pares: “Se já falamos com dificuldade o espanhol e o francês, então como será o português”, que a Guiné Equatorial tem escrito na página oficial do Governo como o novo idioma, pretendendo com isso lançar um sinal de que está a responder a um dos requisitos impostos pela CPLP para integração daquele país na comunidade lusófona.
Questionado sobre qual devia ser o papel da diáspora da Guiné Equatorial para influenciar o rumo dos direitos humanos no país, a resposta é consensual: “boa parte da diáspora é política” ou apartou-se. (MM)