Manuel Matola
O Alto Comissariado para as Migrações (ACM) vai ministrar ações de formação em direitos humanos para os agentes da PSP, a força policial que com 154 anos de existência passa a ter competências diretas na recém criada Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA) em substituição do SEF.
Um protocolo de colaboração assinado entre o ACM e a PSP prevê à implementação de estratégias que visem a promoção dos direitos humanos, assim como ações que contribuam para criar condições de vida dignas para as pessoas migrantes, descendentes de migrantes, comunidades portuguesas ciganas, refugiadas e requerentes de proteção internacional.
A ideia passa por “envolver, de forma proactiva, toda a comunidade na construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva”, refere uma das cláusulas de um protocolo de colaboração que aprofunda e dá continuidade ao acordo já assinado, em 2016, entre ambas as instituições que agora se propõem a promover práticas de melhoria no atendimento, acolhimento e encaminhamento de migrantes, requerentes de proteção internacional e refugiados.
Com a extinção do SEF e a descentralização deste Serviço pela GNR e PSP, adensam as dúvidas sobre as reais implicações de se ter forças policiais e militarizadas a lidar diretamente com a comunidade imigrante que, muitas vezes, se queixa de uma atuação musculada destas entidades na relação com os cidadãos estrangeiros.
Em em entrevista recente ao jornal É@GORA, a advogada luso-angolana Indira Fernando, que conhece essa realidade, propôs aos advogados e às associações pro-imigrantes desempenharem um “papel fundamental” na defesa dos direitos e garantias dos imigrantes face à criação da nova agência migratória que substituirá o SEF.
A jurista defende uma “formação especializada” em direitos humanos para que os elementos das duas forças saibam abordar, especialmente, os que chegam a Portugal sem sequer conhecer os contornos das leis migratórias.
No âmbito do acordo, as duas instituições garantem “cooperar ativa e proximamente na implementação e desenvolvimento do Programa Juntos Por Todos, direcionado para os migrantes e seus descendentes, refugiados, requerentes de proteção internacional e comunidades portuguesas ciganas”.
A iniciativa pretende garantir “essencialmente a proteção contra todas as formas de violência, atos discriminatórios ou outras práticas criminais, promovendo o combate às desigualdades e a integração, nomeadamente, através da formação e sensibilização e favorecendo o conhecimento mútuo e a proximidade com esta força de segurança”, indica o documento do ACM a que o jornal É@GORA teve acesso.
Desta forma, ao abrigo do protocolo, “as instituições promoverão, em todo o território nacional, uma colaboração ativa que se materializará na dinamização de diversas iniciativas”, sendo que da parte da PSP caberá promover formação técnico-policial dos polícias para o fenómeno da migração e para a necessidade de uma especial proteção destas populações.
A ação de formação neste âmbito passa também pela “garantia plena dos seus direitos, bem como, no âmbito da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas, visando a melhoria da interação com estas comunidades, focada sobretudo na interculturalidade, história e cultura ciganas”.
A PSP propõe-se ainda a contribuir para combater todas as formas de discriminação em função da ascendência, nacionalidade, condição social, sexo, etnia, raça, língua, idade, religião, deficiência, convicções políticas ou ideológicas, orientação sexual, cultura e nível educacional.
A identificação e formação de Interlocutores Locais de Segurança é também uma das tarefas que caberá à PSP com objetivo de sensibilizar e promover uma cultura inclusiva e de prevenção criminal no seio das várias comunidades.
O estabelecimento de parcerias com os Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes, no processo do acolhimento e integração, é outras das ações que estará sob responsabilidade da PSP que irá divulgar o Programa Juntos Por Todos junto dos seus parceiros e a forma de utilização do sistema de monitorização “Estou Aqui”, uma iniciativa que pretende minimizar o risco de vulnerabilidades sociais identificadas.
Ao ACM caberá, entre outras ações em articulação com a PSP, produzir conteúdos informativos para disponibilização a pessoas migrantes, requerentes de proteção internacional, refugiadas e portuguesas cigana, bem como “desenvolver e ministrar ações de formação nas matérias da interculturalidade, migrações e discriminação dirigidas aos polícias”.
No sábado à noite, o chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou o decreto do Parlamento que extingue o SEF, que passa oficialmente a designar-se Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA).
No entanto, Marcelo Rebelo de Sousa apresentou algumas reservas em relação ao documento aprovado pelos deputados que leva à extinção daquele órgão e remeteu a sua apreciação decisiva para posteriores decretos de execução do Governo.
Questionado pelo jornal É@GORA sobre as implicações desta mudança de extinção do SEF para os imigrantes – se vai ou não afetar o processo de agendamentos -, o Ministério da Administração Interna (MAI) remeteu a explicação para mais tarde afirmando, entretanto, que no que respeita à criação da Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo, esta “será feita por decreto-lei e no prazo de 60 dias a contar da data de publicação da presente lei”.
“O Governo dará assim sequência ao processo legislativo para operacionalizar as transferências de competências previstas e para criar a entidade indicada no diploma agora promulgado, assim como a forma como se transferem as restantes competências administrativas”, refere o MAI em resposta enviada ao jornal É@GORA.
De acordo com o MAI, o diploma da Assembleia da República promulgado pelo Presidente da República, que aguarda publicação, concretiza a transferência de competências do SEF para a Guarda Nacional Republicana, a Polícia de Segurança Pública e a Polícia Judiciária.
“Note-se que o procedimento de transição do pessoal da carreira de investigação e fiscalização do SEF para outras Forças de Segurança ou Serviços, assim como dos trabalhadores da carreira geral, salvaguarda o seu direito à carreira. Esta transição – que será operacionalizada em decreto-lei – terá em conta os conteúdos funcionais e a natureza das funções exercidas nos últimos três anos, conforme previsto no diploma agora promulgado”, diz a mesma nota. (MM)