Acordo Ortográfico: culpado ou não pelo empobrecimento do Português? (Parte 2)

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Abinelto Bié (Jornalista moçambicano)
Na primeira parte deste tópico, exploramos a possível influência do novo Acordo Ortográfico (AO) no empobrecimento da língua portuguesa, questionando se este teria um impacto negativo na qualidade deste idioma. Concluímos que, uma vez que o principal objectivo do novo AO é estabelecer uma escrita padronizada, a sua aplicação não seria capaz de influenciar positiva ou negativamente a qualidade da língua. Importa considerar outros factores, como leitura, conhecimento do vocabulário e gramática, qualidade do ensino, entre outros, para avaliar a sua influência. Esta discussão gerou opiniões divergentes, com argumentos contrários ao AO, muitos dos quais a denunciar falta de informação relativamente a este tema. É notório que algumas pessoas que recusam ou criticam o novo acordo apresentam objecções baseadas em conhecimento superficial. Por exemplo, é comum ouvir a crítica de que “não faz sentido suprimir a consoante ‘c’ na palavra ‘facto’ (que é pronunciada em Portugal e nos PALOP)”. Estes argumentos são falaciosos e demonstram falta de clareza em relação às alterações promovidas pelo acordo. É fundamental compreender que o Acordo Ortográfico respeitou estas questões.

Nesta segunda parte, iremos aprofundar a discussão e apresentar mais detalhes sobre as mudanças implementadas pelo novo Acordo Ortográfico, contribuindo não apenas para o enriquecimento da nossa língua, mas também para esclarecer cada vez mais os seus falantes.

O Acordo Ortográfico de 1990 teve como objectivo principal estabelecer uma ortografia unificada para a língua portuguesa, visando à padronização e à simplificação da escrita. Entre as mudanças implementadas, uma das mais significativas foi a eliminação das consoantes mudas, ou seja, aquelas que não são pronunciadas ou vozeadas na fala. Isso inclui casos como “direcção” (que agora é escrito “direção”). Esta simplificação torna a escrita mais acessível e coerente com a pronúncia.

Além disso, ocorreram alterações nas regras de acentuação. O Acordo Ortográfico eliminou acentos em diversas palavras, como “ideia” (antes “idéia”). Esta simplificação visa facilitar o uso dos acentos e reduzir ambiguidades.

Outra mudança relevante está relacionada à diérese, que foi abolida. Anteriormente, a diérese era utilizada em palavras como “lingüística”, “seqüência” e “agüentar” para indicar a presença de um ditongo que deveria ser pronunciado separadamente. Com o novo acordo, essas palavras passaram a ser escritas sem a diérese, portanto “linguística”, “sequência” e “aguentar”. Esta modificação simplifica a escrita e alinha a ortografia com a pronúncia.

No que diz respeito às consoantes sonoras, é importante observar que o AO respeitou as particularidades regionais. Por exemplo, a palavra “facto”, que no Brasil corresponde a “fato” e significa “acontecimento”, mantém a consoante ‘c’ em Portugal e nos demais países lusófonos (excepto no Brasil), pois é pronunciada.

Relativamente à pronúncia, é essencial compreender que o AO não visa alterar a forma como as palavras são pronunciadas. Se a pronúncia de uma palavra sofrer alterações devido ao acordo, ela deve ser mantida conforme a tradição linguística de cada país. Portanto, o acordo ortográfico foca-se na escrita e visa estabelecer uma base comum para a ortografia da língua portuguesa, permitindo uma maior integração entre os países lusófonos.

O novo Acordo Ortográfico promoveu mudanças significativas na língua portuguesa, com o intuito de estabelecer uma escrita padronizada e simplificada. A eliminação das consoantes mudas, as alterações nas regras de acentuação e a abolição da diérese foram algumas das transformações implementadas. Embora o acordo tenha gerado debates e opiniões divergentes, é fundamental compreender suas finalidades e objectivos.

É imprescindível enfatizar que o acordo ortográfico, no contexto oral, não tem a intenção de eliminar as diferenças regionais na língua portuguesa, mas sim estabelecer uma base comum para a ortografia, buscando a unificação entre os países lusófonos. Ao adoptar uma escrita mais simplificada e coerente com a pronúncia, o acordo visa facilitar a aprendizagem, promover a compreensão mútua e fortalecer os laços entre as nações que partilham a língua portuguesa.

Embora tenha havido e ainda haja resistência e críticas ao acordo ortográfico, é importante reconhecer que ele passou por um amplo processo de discussão e aprovação, envolvendo especialistas, académicos e representantes dos países lusófonos. Seu objectivo é tornar a língua portuguesa mais acessível, facilitando sua utilização no âmbito internacional, em publicações, na comunicação e na educação.

Todavia, é fundamental realçar que o acordo ortográfico não é a única medida capaz de influenciar a qualidade da língua portuguesa. A promoção da leitura, o aprimoramento do conhecimento vocabular, o estudo da gramática e a qualidade do ensino são elementos igualmente importantes para preservar e enriquecer a língua.

E por fim, o Acordo Ortográfico é um instrumento que busca a unificação ortográfica, respeitando as particularidades regionais e promovendo uma escrita mais simplificada e coerente. É fundamental que os falantes da língua portuguesa estejam informados sobre as propostas, mudanças e busquem compreender os motivos por trás delas. Ao utilizarmos o acordo de forma consciente e aplicarmos as regras estabelecidas, contribuímos para a preservação, o desenvolvimento e a promoção da língua portuguesa, tornando-a mais dinâmica, acessível e integrada à era globalizada em que vivemos.

Considerações adicionais:

No contexto dos debates sobre o Acordo Ortográfico, vale mencionar que algumas críticas têm uma abordagem preocupante, baseada em preconceitos linguísticos e culturais. Por vezes, é possível encontrar falantes da língua portuguesa que expressam visões discriminatórias, afirmando que determinados grupos, como os africanos, não devem “estragar” o Português ou que devem escolher as suas línguas vernáculas em vez de interferirem na língua portuguesa.

Esta atitude reflecte uma postura desrespeitosa e intolerante, que desconsidera a riqueza e a diversidade linguística presentes nos países lusófonos. A língua é um organismo vivo, que se desenvolve e transforma ao longo do tempo, absorvendo influências de diversas culturas e comunidades.

É importante lembrar que a língua portuguesa é um património comum de todos os falantes, independentemente da sua origem geográfica. Ao adoptar o Acordo Ortográfico, procura-se estabelecer uma base comum para a escrita, facilitando a comunicação e a compreensão mútua entre os países de língua portuguesa. Esta abordagem não implica em “estragar” a língua, mas sim em promover uma maior unificação e harmonização.

A diversidade linguística e cultural dos países lusófonos é um valor a ser celebrado, e as variações regionais da língua portuguesa são legítimas e devem ser preservadas. O Acordo Ortográfico, no entanto, visa criar uma norma comum que, ao mesmo tempo, respeite as peculiaridades e facilite a comunicação escrita.

É fundamental que as discussões sobre a língua portuguesa sejam conduzidas de forma respeitosa e inclusiva, valorizando a contribuição de todos os falantes, independentemente da sua origem geográfica. O respeito mútuo e o diálogo aberto são fundamentais para a construção de uma comunidade linguística mais unida e próspera.(X)

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