Manuel Matola
A embaixadora angolana em Lisboa, Maria de Jesus Ferreira, apontou a cooperação económica e empresarial como sendo as “bases vitais” para o fortalecimento da relação entre Portugal e Angola, que este sábado comemora 48 anos de independência, com artistas plásticos da diáspora a inaugurarem, na capital portuguesa, uma exposição coletiva e, em Santarém, vários imigrantes e académicos a debateram o estado da literatura e o da saúde naquele país lusófono africano.
Falando na cerimónia oficial comemorativa do 48° aniversário da independência, a diplomata destacou o papel das mais de quatro mil empresas portuguesas, que desenvolvem as suas atividades no território angolano, no reforço da cooperação bilateral entre Angola e Portugal.
“As relações económicas e de cooperação económica e empresarial são bases vitais de sustentação dessas relações privilegiadas e é com satisfação que registamos a existência de mais de quatro mil empresas portuguesas desenvolvendo as suas actividades em Angola”, referiu a diplomata num evento sexta-feira que contou com a presença de representantes do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, deputados, membros do corpo diplomático e os da comunidade angolana residente no território português.
Há uma razão para esta leitura: na última década, a cooperação entre as duas nações lusófonas ficou marcada por retraimento das suas economias que provocou a desaceleração do forte investimento direto privado feito em ambos estados, também decorrente da crise económica global, e devido a episódios de corrupção que minaram a confiança mútua dado o envolvimento de alguns protagonistas com forte relevância política nos dois países. À cabeça, Isabel dos Santos e Manuel Vicente, segundo destacou o jornalista e jurista Sedrick de Carvalho num artigo publicado no jornal É@GORA.
Em 2020, escreve o jornalista, decorreu em Angola um mega processo judicial contra Isabel dos Santos que envolve(u) três instituições do Estado, conforme um despacho-sentença que determinou o arresto de empresas e contas bancárias da empresária, nomeadamente, a Procuradoria-Geral de Angola (PGR), o Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE) e o Tribunal Provincial de Luanda, que exarou a referida decisão.
No meio do turbilhão emergiu um nome: Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola desde setembro de 2012 e que se torna uma figura então desaparecida desde pouco antes da mudança de presidente em Angola [José Eduardo dos Santos, substituído por João Lourenço], ocorrida em 2017. Motivo: O seu suposto envolvimento num caso de corrupção em Portugal e Angola que criou um “irritante nas relações diplomáticas” entre os dois países. É que Manuel Vicente foi acusado de ter corrompido o procurador português Orlando Figueira para que arquivasse investigações de branqueamento de capitais em que o político angolano era visado.
embaixadora angolana em Portugal
A embaixadora sublinhou que o executivo de Luanda tem vindo a desenvolver esforços constantes para que o investimento privado direto em Angola tenha um crescimento “mais impetuoso”, sobretudo nas áreas prioritárias definidas pelas autoridades angolanas em que as empresas portuguesas detêm significativa experiência.
A diplomata recordou o impacto da visita do demissionário primeiro-ministro português, António Costa, que permitiu os dois países não só aprofundarem o diálogo, como estreitarem as relações de amizade e cooperação, assim como reforçar parcerias em vários domínios, em particular o económico e financeiro.
Maria de Jesus Ferreira lembrou que na ocasião foi feito um anúncio visando o reforço do crédito governamental em mais de 500 milhões de euros para apoio às empresas portuguesas que operam em Angola, uma iniciativa então considerada como se tratando de uma “contribuição tangível para ajudar o reforço da participação dessas empresas, também de acordo com o programa de governo para o
desenvolvimento de Angola”.
Segundo Maria de Jesus Ferreira houve mais resultados dessa visita onde “foram assinados importantes instrumentos de cooperação entre os dois países, com destaque para o Programa Estratégico de Cooperação 2023-2027, alinhado com as prioridades estratégicas do governo da República de Angola, delineadas no Programa Nacional de Desenvolvimento, e em áreas onde Portugal detém reconhecida experiência de vantagens comparativas”.
Hoje, Portugal está no entanto a enfrentar uma crise política que pode ter efeitos adversos a esse futuro traçado pela diplomata angolana: a visão da extrema-direita, que pretende integrar o próximo governo de Direita, e que têm sido muito crítico da relação entre o poder político português e o angolano.
Na terça-feira, o primeiro-ministro, António Costa, apresentou demissão do cargo de chefe de governo de Esquerda, devido a suspeitas de uso do seu nome num caso de “tráfico de influência” para desbloquear procedimentos num projeto sobre a exploração do lítio. O Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, aceitou a demissão de António Costa do cargo de primeiro-ministro, e convocou novas eleições para 10 de maio de 2024. As sondagens mostram um reforço da Direita.
Dipanda cultural
Em Lisboa, vários artistas plásticos na diáspora juntaram-se no Braço de Prata para, no mesmo espaço, promoverem as artes e a cultura feitas por angolanos radicados em Portugal ou que tenham trabalhos em curso neste país à volta da efeméride que ditou o fim da colonização portuguesa.
São várias as atividades programadas para serem apresentadas durante quatro dias, desde debates à apresentação de obras literárias, projeção de filmes angolanos, performances, poesia e música.
“A abertura acontece no final da tarde deste sábado e será marcada pela inauguração de uma exposição em que participam os artistas Lino Damião, Armanda Alves, Pembo, Thó Simões, Don Ruelas, Zizi Ferreira, Froncisco Babu e Indira Mateta”, resume um comunicado enviado ao jornal É@GORA pela organização do evento.
Na mesma noite será realizado um jantar de gastronomia de angolanos que será acompanhado por um concerto protagonizado pela Banda Kioche, formada pelos músicos Mick Trovoada, Jó Simba, Gildo Umba e Mano Skilo, tendo ainda como convidados os artistas André Cabaço, Giel e João Mouro.
Mas durante todo o mês de novembro, as noites de quinta-feira serão de celebrações do Boda da Dipanda [o mesmo que Festa da Independência] na Fábrica Braço de Preta, com uma série de atrativos:
No Dia 16 de novembro, o programa abre às 18:00 com a exibição da curta metragem “Uma Festa Para Viver”, uma produção da da televisão pública angolana TPA que retrata os dias que antecederam a proclamação da independência de Angola. Seguir-se-á uma conversa à volta do tema “Construções da História de Angola nos Séculos XX e XXI”, com o professor Alberto Oliveira Pinto, o qual estará disponível para assinar autógrafos de obras da sua autoria. No final haverá poesia, trova e DJ session.
Dia 23 de novembro será exibida a curta-metragem “A Persistente Fragilidade da Memória”, produzida pela Geração 😯 (Associação Tehiweka de Documentação), um filme do projeto “Angola nos Trilhos da Independência que traz a memória da luta contra o colonialismo. À noite será ainda preenchida por uma conversa com o jornalista e escritor Israel Campos, autor do livro “E o Céu Mudou de Cor”, com sessão de venda e autógrafos.
O músico Kizua Gourgel e a DJ Indira Mateta encerram a festa a 30 de novembro, dia em que a fundadora e coordenadora do projecto História Social de Angola, Marinela Cerqueiro, apresentará o livro “A Juventude Angolana no Período Pós-Colonial”.
No fim, será exibido o filme de Ariel de Bigault intitulado “Canta Angola” focado na resistência dos artistas da música popular em tempos de conflitos políticos e de dromas sociais.
A festa do independência de Angola encerra com uma “Roda do Semba” em que vão participar vários músicos convidados para fazer valer um dos ritmos musicais angolanos mais globais. (MM)