Manuel Matola
A Associação dos ucranianos em Portugal exortou hoje ao presidente da Assembleia da República Portuguesa, Augusto Santos Silva, a desenvolver “diligências necessárias” para que o Estado português qualifique de genocídio os “diversos atos” praticados pela Rússia na Ucrânia desde 24 de fevereiro.
Assinalando que há países ocidentais que já tomaram uma posição no sentido de considerar de genocídio as diversas ações dos militares russos contra os civis na Ucrânia, o presidente da Associação dos ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha, lembra em nota hoje enviada ao jornal É@GORA que a 3 de março de 2017 o Parlamento português aprovou um voto de reconhecimento do Holodomor como um ato de genocídio do regime soviético contra o povo ucraniano.
E aponta os vários exemplos que levam à agremiação a concluir que se trata de genocídio: “Atrocidades cometidas nos territórios ocupados pela Federação Russa (Bucha, Borodyanka, Hostomel, Irpin e em muitas outras localidades), através da prática sistemática e generalizada dos crimes de homicídio, desaparecimento forçado, detenção arbitrária, tortura, violação e profanação de cadáver”.
Também aponta “casos sistemáticos de homicídio deliberado de civis e de imposição intencional, pelas Forças Armadas da Federação Russa, de condições de vida que causam grave sofrimento à nação ucraniana, tendo em vista provocar a sua destruição total ou parcial e que resultam na destruição física da população em numerosas localidades do território da Ucrânia, particularmente, através do cerco a localidades, do bloqueio à ajuda humanitária e da obstrução da evacuação de civis; da captura e destruição intencional de infra-estruturas que garantem as necessidades básicas e os meios de subsistência das populações”.
A “transferência forçada” de cerca de 240 mil crianças ucranianas para o território da Federação Russa, “visando a eliminação da sua autoidentidade nacional ucraniana” é igualmente apontado por Pavlo Sadokha como um ato deliberado que visa à eliminação da nação ucraniana.
E mais: a Associação dos ucranianos em Portugal lembra que há ações de “detenção em campos de concentração e deportação para o território da Federação da Rússia de milhares de pessoas da população civil da Ucrânia”.
Desde o início da invasão russa ao território ucraniano, pelo menos, 39.346 cidadãos que viviam na Ucrânia fizeram pedidos de proteção temporária aos serviços migratórios portugueses.
E é “considerando o inestimável contributo da comunidade ucraniana para o desenvolvimento económico, social e cultural de Portugal e o facto de muitos membros dessa comunidade terem adotado a nacionalidade portuguesa” que o líder da Associação dos ucranianos em Portugal defende a necessidade de as autoridades poruguesas tomarem uma posição sobre os “diversos atos de genocídio” praticados pela Rússia na Ucrânia.
Em nota hoje enviada ao jornal É@GORA, Pavlo Sadokha apela Portugal a reconhecer como genocídio o que a Rússia está a fazer nas regiões ucranianas ao provocar “danos físicos e mentais infligidos pela Federação Russa a representantes da Administração Central e Local da Ucrânia, a membros de organizações não governamentais, a jornalistas e a outras individualidades proeminentes da sociedade civil ucraniana”, bem como por levar a cabo “ações sistemáticas da Federação Russa destinadas a provocar a destruição gradual da nação ucraniana, debilitando a sua capacidade económica e as condições de segurança, através do desmantelamento de infra-estruturas económicas (destruição de celeiros, obstrução de campanhas de sementeira, bloqueio de rotas comerciais, destruição de infraestruturas de transporte de eletricidade, água e gás” e não só.
De acordo com o representante da comunidade ucraniana em Portugal, os referidos atos da Federação Russa são “puníveis de acordo com o Direito Internacional, definidos na Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (1948), que contempla a prática de genocídio, o acordo com vista a cometer genocídio, o incitamento, direto e público, ao genocídio, a tentativa de genocídio e a cumplicidade no genocídio”.
Pavlo Sadhoka tem em conta também a declaração do Parlamento da Ucrânia (de 14 de abril de 2022) que considerou que “a agressão cometida pela Federação Russa, desde o dia 24 de fevereiro de 2022, constitui um crime de genocídio contra a nação ucraniana”, pelo que comunidade ucraniana em Portugal pretende que o presidente do Parlamento português, Augusto Santos Silva, desenvolva diligências junto das autoridades de Portugal para que encarem como “crime de genocídio” as ações da Rússia.
“Considerando o dever de todos os Estados em cooperar para pôr fim às violações das normas imperativas de Direito Internacional, que incluem a proibição do genocídio, dos crimes contra a Humanidade e dos crimes de guerra” há que agir nesse sentido como, de resto, já foi expresso “por diversos órgãos de soberania da comunidade internacional, tais como os chefes de Estado da Colômbia, EUA, Letónia e Polónia; os chefes de Governo do Canadá, Espanha, Kosovo, Letónia, Polónia e Reino Unido e os parlamentos da Albânia, Estónia, Letónia, Lituânia e Polónia”, diz.
Pavlo Sadokha elenca as numerosas declarações públicas feitas pelo Presidente da Federação Russa, enquanto Chefe de Estado e Supremo Comandante das Forças Armadas da Federação Russa, e por outros representantes oficiais, bem como as decisões de diversas autoridades russas tomadas em apoio e em prossecução dessas declarações, que “demonstram a existência de uma política oficial de não reconhecimento do direito da nação ucraniana à sua identidade, autodeterminação e integridade territorial” ucraniana.
“Considerando a política oficial da Federação Russa de perversão da noção de identidade distinta da nação ucraniana e do seu desejo de independência, através da associação abusiva do patriotismo ucraniano ao “nazismo” e a outras ideologias extremistas”, bem como “a natureza falaciosa do objetivo proclamado pela Federação Russa de ‘desnazificação’ da Ucrânia, que oculta a intenção de destruir a nação ucraniana, de negar a sua identidade distinta e de a privar do direito à soberania”, o líder da Associação de Ucranianos em Portugal só vê uma saída para Portugal:
É necessário fazer coincidir a sua posição à “opinião de reconhecidas individualidades internacionais do meio académico, designadamente de juristas e de historiadores especializados, como Anne Applebaum, Douglas Irvin-Erickson, Evgeny Finkel, Francine Hirsch, Gregory H. Stanton, Kyle Matthews, Omer Bartov, Otto Luchterhandt, Susan Smith-Peter e Timothy Snyder que [também] qualificam de genocídio os atos praticados pela Federação Russa na Ucrânia”, defende.
Nesse campo, Sadokha lembra as medidas adotadas pela Rússia visado à “proibição do uso da língua ucraniana, de interdição de literatura em língua ucraniana e de imposição de um sistema educativo em língua russa nos territórios ocupados pela Federação Russa”.
Segundo a ONU, a invasão russa na Ucrânia já causou a morte de mais de quatro mil civis, quase cinco mil feridos e provocou a fuga de 4,7 milhões de ucranianos para outros países da Europa. (MM)