Manuel Matola
Pelo menos 31 imigrantes morreram quando tentavam atravessar o Canal da Mancha para chegar ao Reino Unido, usando um barco insuflável. O primeiro-ministro francês, Jean Castex, fala em “tragédia”, o primeiro-ministro britânico, Boris Johson, convocou uma reunião de emergência do seu gabinete após prometer “desmantelar” as redes de traficantes, e o Presidente francês, Emmanuel Macron, pediu uma reunião urgente de líderes europeus.
Não é para menos. O braço do mar que faz parte do oceano Atlântico voltou a “sufocar” rostos anónimos de pessoas que procuram sobreviver numa Europa cujas águas matam oficialmente há mais de três décadas.
O primeiro naufrágio no Mediterrâneo matou 18 migrantes a 1 de novembro de 1988. Volvidos 33 anos o número atingiu 9.100 mortes.
A agência da ONU para a Imigração, OIM, estima que mais de 9.100 mortes ocorreram na travessia do Mediterrâneo desde 01 de novembro de 1988, quando foi documentado o primeiro naufrágio relacionado com a migração irregular que vitimou 18 pessoas que tentavam chegar a Espanha.
Em julho, a Organização Internacional das Migrações (OIM) publicou um relatório com testemunhos de famílias que enfrentam vários desafios na busca dos seus entes queridos e na forma como lidam com o impacto da perda de imigrantes desaparecidas no Mar Mediterrâneo.
“Em 1º de novembro de 1988, 18 pessoas morreram afogadas tentando chegar à Espanha. Os seus corpos foram encontrados deitados na areia da Playa de Lances, em Tarifa, Cádiz, perto do barco de madeira em que tinham saído na noite anterior de Tânger, no Marrocos. É o primeiro naufrágio documentado sobre a migração irregular para a Espanha. Desde aquela terça-feira, 1º de novembro, estima-se que mais de 9.100 pessoas perderam a vida em sua viagem a este país”, refere a OIM.
E, mesmo em contexto de mobilidade reduzida devido ao encerramento de fronteiras e restrições relacionadas com a pandemia de Covid-19, o Projeto Migrantes Desaparecidos daquela agência da ONU “documentou mortes e desaparecimento de 1.190 pessoas em rotas de migração irregular para a Espanha”, sendo que “o ano de 2020 foi marcado por um aumento dramático no número de pessoas que perderam a vida tentando chegar às Ilhas Canárias”.
No ano transato contabilizaram-se “850 mortes e desaparecidos” em comparação “com 210 mortes e desaparecidos registados em 2019”, destaca a OIM no relatório no qual apresenta relatos de familiares contactados para falar sobre o drama.
Segundo o documento, “a maioria dessas mortes ocorreu perto da costa da África continental, incluindo 433 ao largo da costa do Marrocos, 195 perto do Senegal e 166 na costa da Mauritânia”.
O afogamento dos imigrantes é a causa por trás de 91% das mortes documentadas pelo Projeto Migrantes Desaparecidos entre 2014 e 2020 em rotas de migração para a Espanha.
E nas situações em que se registaram afogamento, “apenas em 28%” dos casos se conseguiu recuperar os corpos, dado que “a maioria das pessoas que morrem nessas viagens desaparecem sem deixar vestígios e seus corpos não são recuperados”, refere a OIM.
Hoje foram mais 31 mortes, o pior acidente de sempre no Canal da Mancha com barcos de migrantes. O barco transportava 33 passageiros, dois dos quais estão gravemente feridos. Um pescador encontrou quinze corpos a flutuar ao largo da cidade de Calais. No ano passado, morreram pelo menos três pessoas no Canal da Mancha.
Mas ao tentarem chegar à Europa por barco, no primeiro semestre de 2020, tinham morrido 513 pessoas, enquanto em 2019 registaram-se pelo menos 674 mortes, de acordo com agência da ONU para as Migrações.
No relatório, a OIM exorta os Estados para que tomem medidas urgentes para impedir as fatalidades entre pessoas migrantes, até porque, por detrás dos números, há histórias de vida.
O incidente desta quarta-feira que é descrito pelos media como uma “tragédia” pode impelir a Europa a olhar de frente para as “vítimas de contrabandistas criminosos que exploram o seu desespero”, segundo reação do primeiro-ministro francês, Jean Castex, ou apenas como mais um caso de morte de migrantes que, entretanto, deixou “chocado, revoltado e profundamente triste” Boris Johnson, primeiro-ministro de um país que fechou as portas aos imigrantes em plena época pandémica.
O Presidente francês garantiu que “a França não vai permitir que o Canal da Manche se transforme num cemitério”. O tempo dirá quão insuflável é o barco das promessas feitas por Emmanuel Macron no sentido de discutir o “desafio das migrações” numa Europa que volta a construir muros. (MM)