Caso Moïse e o pior lado do Brasil, onde a xenofobia e o racismo estrutural andam lado a lado

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Elisabeth Almeida, correspondente no Brasil

Um enorme protesto por justiça ao caso Moïse Kabagambe foi realizado no último dia 5 de fevereiro.

O imigrante congolês foi brutalmente assassinado no final do mês passado em um dos maiores cartões postais do mundo, o Rio de Janeiro, após ir ao quiosque onde trabalhava na Barra da Tijuca, um bairro nobre da Orla carioca, para cobrar duas diárias que estavam atrasadas.

Moïse vivia no Brasil desde 2011, quando saiu da República Democrática do Congo fugindo da fome e da guerra, mas foi espancado até a morte por pelo menos três pessoas em plena luz do dia. O caso e a repercussão internacional levantaram reflexões importantes à sociedade brasileira, como a xenofobia e, principalmente, o racismo estrutural persistente no país, ainda que 56% da população brasileira seja negra, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

“É um crime que precisa ser combatido pela sociedade, mas também e principalmente precisa ser entendido pela sociedade”, disse o apresentador Manoel Soares sobre a manifestação em busca de justiça, em frente ao quiosque Tropicália, onde Moïse trabalhava.

Ainda segundo o apresentador, o facto de Moïse ser morto após cobrar seu salário mostra que ainda existe uma extensão do processo esclavagista, mesmo que a abolição da escravatura tenha disso assinada há mais de 130 anos.

Além da manifestação no Rio de Janeiro, outras cidades brasileiras tiveram protestos como São Paulo, Salvador, Belo Horizonte e Belém do Pará em busca de maior rigor nas investigações e justiça.

Para Tamires Sampaio, advogada e coordenadora da FNA (Frente Nacional Antirracista), considera que as atitudes precisam ser tomadas para que que não haja mais mortes, como a do imigrante congolês. “Entramos este final de semana com uma representação junto ao Ministério Público do Rio de Janeiro, para que investiguem todos os quiosques da praia da Barra e discutam as condições de trabalho, em especial os imigrantes e negros”.

“O genocídio da população negra tem reflexo até os dias de hoje, onde temos dados [divulgados pela Organização Mundial das Nações Unidas] de que a cada 23 minutos, um jovem negro morre no Brasil. Não é a toa que o Moïse, um jovem negro, imigrante congolês que veio para cá em busca de uma vida melhor, foi brutalmente assassinado”, finalizou a coordenadora do FNA.

Em entrevista à televisão brasileira, Maurice Mugenyi, irmão de Moïse e que hoje vive em França, falou sobre a dor e a dificuldade de receber uma notícia tão dura, o medo pela segurança da mãe e dos irmãos que continuam no Brasil e relembrou que assim como ele, Moïse tinha passaporte diplomático, já que pediram asilo no país após problemas políticos na República Democrática do Congo.

“É muito difícil não só receber uma notícia dessas, mas ver o vídeo com seu irmão morrendo assim (espancado), tentou lutar e fazer alguma coisa, mas não conseguiu pois tinha três pessoas… Então é muito difícil a gente sair do nosso país para poder procurar uma vida melhor, ajudar nossa família e se sentir acolhido no país e acontece uma coisa dessas”, disse Maurice que também teme por sua família.

“Agora tenho minha mãe que está no Brasil e os meus irmãos e primos que estão aí e estão se sentindo inseguros, pois depois disso não sabem o que vai acontecer com eles, já que disseram que o crime tem relação com a milícia. Até sair para a rua fica complicado para eles. É muito complicado, por isso que só peço justiça para eles. Apenas justiça”, apelou.

Ainda de acordo com Maurice, a questão racial foi predominante na morte de Moïse.

“Se não tivesse aquele vídeo [em que mostra o espancamento do congolês] iam falar mentira e esse caso ninguém ia falar mais. Hoje até tem uma prova e por isso queremos justiça, nada mais. Se não tivesse vídeo iam dizer que é mentira, que não o mataram e que ele [Moïse] que começou porque é preto, é imigrante e ninguém ia falar mais!”

O racismo acontece já quando você chega a um lugar e as pessoas te olham diferente, de outra forma. Eu saí do Brasil em 2016 e vim viver para França, mas estive aí em 2019 no carnaval para ver toda a família. Então essa coisa de ser negro é muito complicada e pelos vistos foi por causa disto [que assassinaram Moïse], pois pensaram que ele é negro, que não tem família, que por estar fora do seu país de origem não tivesse família… ninguém sabia da repercussão que isso ia tomar. Mas é só ver o vídeo. É inacreditável ver um ser humano matar outro ser humano desse jeito; talvez porque é preto; talvez por que era imigrante e refugiado, eu não sei, não tenho nem palavras”, finalizou.

Dada a comoção internacional perante o caso, a Prefeitura do Rio de Janeiro irá transformar dois quiosques na Orla da Barra da Tijuca: o Bruta e o Tropicália, onde o crime aconteceu, em um memorial em homenagem à cultura congolesa e africana. A ação tem como principal objetivo, segundo a prefeitura, possibilitar a integração social e económica de refugiados africanos e reafirmar o compromisso com a promoção de oportunidades para todos.

“A família passa a ser a nova concessionária do quiosque! Não à banalização da barbárie!”, publicou Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro em suas redes sociais, reafirmando que uma investigação será feita para averiguar a participação, ou não, dos donos dos quiosques e que, durante as apurações, o contrato de concessão dos atuais operadores está suspenso.

Além da administração dos quiosques ser oferecida aos familiares de Moïse, as oportunidades de emprego em ambos os quiosques deverão, também ser dadas a refugiados africanos. A Prefeitura do Rio de Janeiro e a Orla Rio, concessionária que opera os quiosques, vão criar em parceria com o SESC/SENAC um programa de treinamento voltado para o setor alimentício, para que os imigrantes tenham a oportunidade de se capacitar.(EA)

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