Manuel Matola*
Uma imigrante de origem angolana – Cláudia Simões – está a ser julgada num caso de agressão a um polícia depois desta ter sido espancada pelo agente da PSP em frente à filha de oito anos, na sequência de um desentendimento entre esta mãe e um motorista de autocarros, por a menor se ter esquecido de passe num casaco que deixou em casa.
O caso remonta a janeiro de 2020 e ocorreu na zona de Casal de São Brás, na Amadora, uma autarquia portuguesa que alberga maioritariamente pessoas migrantes e afrodescendentes.
Após o sucedido, pelo menos 10 organizações de luta antirracista decidiram realizar uma manifestação em plena Avenida da Liberdade, uma das mais emblemáticas de Lisboa, contra aquilo que consideram de “violência racista do Estado”, um problema que, denunciaram, “é sistemática nos bairros periféricos de Lisboa, para reprimir e aterrorizar, para manter os negros e ciganos, trabalhadores e pobres, na condição de cidadãos de segunda, dificultando a organização e a luta contra este sistema”.
Nesta quarta-feira, dia 08, o Tribunal de Sintra ouviu em primeira sessão os dois arguidos principais sobre as agressões: primeiro, a cidadã luso-angolana que deu a sua versão dos factos; a seguir, o agente da PSP que, entretanto, refuta as acusações da mulher.
Um vídeo posto a circular nas redes sociais, e que na altura se tornou viral, mostra o agente da PSP Carlos Canha a tentar imobilizar a mulher numa paragem de autocarro, perante o olhar de transeuntes que protestavam contra a atuação do polícia chamado pelo motorista para intervir.
Dias depois da agressão, a cidadã luso angolana foi constituída arguida e sujeita à medida de coação de termo de identidade e residência, indiciada do crime de resistência e coação sobre agente da autoridade. O polícia envolvido na agressão também foi constituído arguido.
Um dos mais destacados juízes de Portugal – Carlos Alexandre – vai testemunhar a favor do agente da polícia acusado de agredir Cláudia Simões.
A rádio alemã DW conta os pormenores de uma primeira sessão do julgamento que ficou marcado por uma “linha de interrogatório” descrita pela ativista social Paula Cardoso como sendo “bastante desumanizada”.
Para Paula Cardoso, essa leitura assenta sobretudo na “forma como a própria Cláudia [Simões] foi interrogada quando não ia percebendo algumas questões ou quando dava alguma indicação de que não estava a acompanhar aquilo que estava a ser questionado”.
No julgamento no Tribunal de Sintra, Cláudia Simões “está a ser ouvida na qualidade de vítima de violência policial, mas também como agressora do agente da autoridade, Carlos Canha, um dos três arguidos do processo”, escreve a rádio DW.
Segundo a emissora ‘A Voz da Alemanha’, nesta primeira sessão, o coletivo de juízes confrontou os dois arguidos principais com os acontecimentos ocorridos em janeiro de 2020, sendo que o agente em causa contou outra versão dos factos, divergindo dos testemunhos de Cláudia Simões.
A imigrante conta que, “depois de ter saído de um autocarro com a filha, a qual terá viajado sem passe por esquecimento, com conhecimento do motorista, terá sido abordada pelo agente da PSP, Carlos Canha, que acusa de a ter agredido no local, algemada, e durante o percurso até à esquadra da Reboleira”.
O agente da PSP contradiz Cláudia Simões
De acordo com a DW, o agente Carlos Canha disse, a propósito daquele episódio, que “a arguida ofereceu resistência, mordeu-lhe um braço e não respeitou o exercício da autoridade”.
Ana Cristina Domingues, advogada da imigrante Cláudia Simões, reconhece: “A difícil batalha em tribunal é chegar à verdade” face aos factos narrados.
“O julgamento ainda está numa fase muito embrionária. Foram ouvidos dois arguidos apenas. Ainda falta ouvir os outros dois arguidos, falta a prova testemunhal”, disse Ana Cristina, acrescentando que é preciso “aguardar o desenvolvimento do processo. Ainda há muita verdade a descobrir”.
Os advogados de Carlos Canha e dois outros polícias constituídos arguidos não quiseram prestar declarações aos jornalistas. O que está em causa é concluir, com este julgamento, se se trata apenas de um ato de agressão policial ou se este é mais um caso de racismo institucional, diz a DW.
Um grupo de ativistas acompanha o julgamento em solidariedade com Cláudia Simões e publicou uma carta aberta, que continua a recolher assinaturas, para pedir justiça para luso-angolana, incluindo no julgamento onde se nota uma “atitude beligerante da juíza” durante o interrogatório da arguida.
Para a ativista Paula Cardoso, que integra esse movimento, nesta primeira sessão não “houve busca pela verdade”.
Segundo Paula Cardoso, admitindo, não só pelas imagens de vídeo postas a circular nas redes sociais, a sociedade está perante “factos que provam a brutalidade de violência policial sobre Cláudia Simões”.
Portanto, conclui a ativista: “Há aqui uma série de aspetos naquele que foi o testemunho do polícia, que acaba por ser contestado por uma série de relatórios médicos, estão acessíveis e revelam, de facto, que houve uma série de agressões que não são consistentes com a autoflagelação ou com uma automutilação qualquer”.
O julgamento prossegue nas próximas semanas com duas sessões já agendadas: “uma para o próximo dia 17 e outra para o próximo dia 22.11 e depois mais à frente já estaremos em melhores condições para fazer uma avaliação”, adiantou a advogada Ana Cristina Domingues. (MM e DW)