
Manuel Matola
Mais de 100 escritores, cientistas sociais, historiadores, médicos e artistas de toda a África e da diáspora vão reunir-se a partir de hoje até sábado numa série de conferências específicas em que será lançado o Coletivo pela Renovação Africana (CORA), que tenciona “restabelecer a liberdade intelectual em África”, abordando o papel e as responsabilidades dos intelectuais e líderes pensadores africanos nas áreas políticas, sociais, culturais e de política económica.
O coletivo intelectual pan-africano global, que há um ano escreveu uma carta aos líderes africanos exortando-os a considerar o desafio global da pandemia do coronavírus como uma oportunidade de iniciar “mudanças radicais” e “governar com inteligência e empatia”, pretende a proporcionar um diálogo intergeracional e interdisciplinar sobre o conhecimento africano e as ideias inovadoras através da produção de investigação de qualidade, bem como promover mudanças positivas nas nações africanas e a serviço das sociedades africanas.
Em declarações ao jornal É@GORA, o membro do secretariado executivo do CORA, o académico moçambicano Boaventura Monjane disse que um dos objetivos do coletivo “é envolver os intelectuais de África que fala português, pois é onde também se produz muito conhecimento”.
Segundo uma nota enviada anteriormente ao jornal É@GORA pela organização do evento, “o CORA procura criar conhecimento que poderia ajudar a pôr um termo ao ciclo de modelos de desenvolvimento exógenos que perpetuaram a exploração e extração, favorecem a dependência, causam crises recorrentes, empobrecem as sociedades africanas e sufocam a criatividade intelectual, tecnológica e artística. É a firme convicção do coletivo de que o conhecimento endógeno deve ser um elemento central da concepção e operação da estrategia politica, das políticas sociais, culturais e económicas da África e das suas instituições. O conhecimento pode desenvolver e contribuir a gerar ideias poderosas e transformadoras que redefinam os termos do envolvimento da África no sistema global”, .
A conferência inaugural, às 15h00 (GMT), terá como tópico “O Papel e as Responsabilidade dos/das Intelectuais africanos/as” e obedece à inscrição para participar através da endereço criado (aqui) pelo Colectivo pela Renovação Africana (CORA).
A iniciativa junta, entre outros, o novelista, jornalista e argumentista senegalês Boubacar Boris Diop; o Economista e Professor moçambicano Carlos Nuno Castel-Branco; a Cientista da biodiversidade e ex-presidente da Maurícia Ameenah Gurib-Fakim; a ex-primeira-dama da República do Mali, historiadora e escritora Adama Ba Konaré, bem como o escritor e académico queniano Ngugi Wa Thiong’o. Também fazem parte do encontro de hoje o autor e académico da Tanzânia Issa Shivji; a professora de ciência política Scarlett Cornelissen; o presidente do Instituto Global para a Prosperidade Sustentável Fadhel Kaboub; o Professor emérito no Centro de Estudos Africana Theophile Obenga e ainda o autor da Farmacopeia Africana Raphael Eklu Natey.
Durante os próximos seis dias da conferência serão apresentados também temas como “A África na (Des)ordem Global, o Pan-africanismo”; “Repensar o desenvolvimento económico africano através e além da Covid-19”, “o Papel das línguas africanas na transformação social” e “Como explorar o potencial da ciência, tecnologia e conhecimento endógeno”.
“Para os membros do CORA, o desafio para África é nem mais nem menos do que a restauração de sua liberdade intelectual e a capacidade de criar – sem as quais nenhuma soberania é possível. É romper com a externalização de nossas prerrogativas soberanas, reconectar com as configurações locais, romper com a imitação estéril, adaptar ciência, tecnologia e pesquisa africanas e importadas ao nosso contexto, criar instituições com base em nossas especificidades e os nossos recursos, adotar uma estrutura de governança inclusiva e desenvolvimento endógeno, criar valor na África a fim de reduzir nossa dependência sistêmica”, lê-se na nota.
Após os “debates construtivos” entre os intelectuais africanos sobre “a promoção de uma cultura de solidariedade”, o CORA aspira atuar também “como sentinela perante situações prevalencentes no continente africano e nas suas instituições, com vista de apoiar um progresso significativo, disponibilizando ideias e conhecimentos especializados a favor das sociedades africanas”, indica o comunicado do coletivo que luta por uma “segunda independência” de África.
Citada na nota, a cofundadora do coletivo Amy Niang considera que “a maioria dos estados da África tornou-se independente de maneira formal há mais de sessenta anos (mas) sem nenhuma soberania real sobre as estruturas económicas, o uso de seus recursos, os termos de troca na economia global e a possibilidade, portanto, sem condições de fornecer vida decentes às suas sociedades”.
Para Amy Niang, “África só poderá recuperar a iniciativa política quando os seus recursos materiais, intelectuais e culturais deixarem de ser dilapidados para apoiar o desenvolvimento de outros, mas sim investidos na construção de sociedades igualitárias, saudáveis e dignas”.
“Por isso”, defende: “exortamos por uma segunda independência”. (MM)