Dírcia Lopes
Os pedidos dos imigrantes cabo-verdianos que estão a chegar às instituições e associações têm sido, sobretudo, de informação sobre voos de repatriamento ou serviços consulares. A estratégia tem sido, mesmo de portas fechadas, estar presente por telefone ou pela via digital.
A diáspora de Cabo Verde no mundo é considerada a 11ª ilha do país, o que faz destes cidadãos uma das maiores comunidades imigrantes dos países africanos de língua portuguesa. Portugal (com cerca de 100 mil pessoas) e França (com mais de 40 mil) são dois dos países europeus com maior número de cidadãos cabo-verdianos.
Face à situação de emergência provocada pela pandemia da Covid-19, o jornal É@GORA foi ouvir algumas instituições e associações de origem cabo-verdiana que estão no terreno, nestes dois países, para perceber quais as estratégias delineadas para apoiar a comunidade imigrante.
A Embaixada de Cabo Verde em Lisboa não está fisicamente aberta, mas encontra-se disponível tanto no digital como por telefone para prestar os serviços possíveis. A garantia é dada ao jornal É@GORA por fonte desta representação diplomática que realça que há uma equipa de piquete montada para dar resposta a qualquer situação urgente.
“Estamos a gerir um dia de cada vez, sendo que o atendimento presencial apenas é feito com marcação, depois de uma triagem para avaliar a urgência da situação”, explica a mesma fonte.
Face à declaração de estado de emergência em Portugal devido à epidemia do coronavírus, os contactos que os cidadãos estão a fazer é no sentido de obter informações sobre os serviços consulares que estão a ser prestados e sobre situações de repatriamento. Isto porque, até ao cancelamento dos voos, muitos cabo-verdianos estavam em Lisboa em férias, em trabalho, formação ou em trânsito e precisavam de regressar a casa.
A Embaixada ajudou nesse regresso, sendo que terça-feira foi possível realizar um voo que transportou 170 passageiros para Cabo Verde.
Entre os passageiros estavam pessoas em tratamento que, entretanto, tiveram alta. De acordo com a mesma fonte, este trabalho vai continuar nos próximos dias, até porque ainda há algumas pessoas que querem regressar e há que garantir uma solução para os doentes com alta, que são agora a prioridade.
Para quem ainda está em tratamento e que precise de prolongar a estadia, a Embaixada garante que “estão sempre sob a nossa responsabilidade e vão continuar”.
“Temos mesmo informação dedicada aos doentes na nossa página de Facebook” para que saibam com o que podem contar, sublinha a mesma fonte.
Até mesmo o pagamento dos subsídios aos doentes foi feito no prazo certo por transferência ou por cheque para aqueles que ainda não têm conta bancária.
Até agora não há notícia de infetados no seio da comunidade cabo-verdiana em Portugal.
A mesma fonte diplomática sublinha que também têm estado em contacto com as universidades e outras instituições de ensino para se inteirar da situação dos inúmeros estudantes que estão em território português e até agora não há infetados com a Covid-19.
De portas fechadas, mas disponíveis
A Girassol Solidário – Associação de Apoio aos Doentes Evacuados de Cabo Verde, que gere três residências de acolhimento em Lisboa, continua no terreno, mas com uma atuação muito limitada no atendimento social que presta.
Em declarações ao jornal É@GORA, o presidente da Girassol Solidário, Peter Mendes sublinha: “as pessoas não estavam à espera desta situação que estamos a viver. As instituições que dão apoio a quem está em tratamento estão limitadas”.
No caso do órgão a que preside, que cuida de cerca de 20 adultos e crianças, só há atendimento telefónico já que o presencial teve de ser suspenso.
Peter Mendes sublinha que estão a evitar as deslocações aos espaços situados em Marvila e Calçada da Tapada, tirando casos pontuais em que mesmo assim não entram nas residências.
“Já avisamos os utentes e reforçámos a ideia que é importante ficarem em casa a não ser em situações de emergência e para tentarem reforçar o ‘stock’ alimentar”. E garante: “estaremos disponíveis para colaborar” naquilo que a associação poder fazer, mediante as limitações a que está obrigada.
“Fisicamente está fechada, mas estamos disponíveis para fazer aquilo que for possível”, garante Peter Mendes.
Os serviços como o apoio alimentar, o acompanhamento aos hospitais, ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou às finanças deixaram de ser prestados, nesta fase, pela Girassol Solidário até porque as próprias instituições estão fechadas ou a adiar marcações.
Perante a incógnita que se vive, o presidente da Girassol Solidário lembra que quem entretanto terminar um tratamento terá de ficar em Portugal a aguardar até que se volte à normalidade, sendo que ficará dentro da responsabilidade do Estado de Cabo Verde.
As pessoas que tinham agendamentos no SEF para o início de abril vão ter estas marcações adiadas, sendo que nesta fase, apenas estão a ser transmitidas informações por telefone.
“Tudo isto vai criar uma certa ansiedade e vai fazer com que as pessoas tenham de ficar mais tempo à espera”, lamenta Peter Mendes.
De acordo com a mesma fonte, “o importante tanto para os cidadãos como para as instituições é ter um papel pedagógico e reforçarem a ideia para que se perceba que isto não é uma brincadeira”.
O mesmo responsável remata dizendo que “ainda é tudo uma incógnita, mas vamos adaptando às circunstâncias”.
A ACV – Associação Caboverdeana de Lisboa está fechada desde a passada quinta-feira, sem data para reabrir e com atuação limitada. Com o presidente em Cabo Verde até 20 de abril, fonte da ACV refere que apenas se está a transmitir, por telefone, algumas informações com base nas mensagens da Direção-Geral da Saúde e a explicar quais as entidades a que se pode recorrer para tratar de documentos como o registo criminal, certidões de óbito, de nascimento e casamento. A ordem é direcionar tudo para a Embaixada de Cabo Verde, em Lisboa.
A mesma fonte admite que a notícia da vítima mortal em França veio aumentar a preocupação e incerteza já existente na comunidade cabo-verdiana, até porque não se sabe se houve contacto com outros familiares.
Mas congratula-se com o facto de, em território português, ainda não haver conhecimento de cabo-verdianos infetados, tal como já aconteceu na região da Lombardia, no norte da Itália.
Primeira morte em França provoca inquietação na comunidade

Em França a comunidade imigrante foi abalada com o falecimento, no passado domingo, de uma idosa de 85 anos vítima dos efeitos do vírus.
Em declarações ao jornal É@AGORA, o Cônsul-geral de Cabo Verde em Nice, Estêvão Tavares Vaz confirmou apenas a morte da senhora idosa devido a este vírus.
“A mais jovem, conforme informação dos familiares, vinha sofrendo de complicações respiratórias na sequência de uma intervenção cirúrgica a que foi sujeita no ano passado. Mas não chegou a fazer teste ao Covid-19, pelo que não se pode, com propriedade, indicar o vírus como causa da morte”, disse.
Questionado sobre se este caso aumentou o número de contactos junto do Consulado, o diplomata garantiu que não tem recebido pedidos de apoio desta comunidade imigrante devido ao coronavírus, tirando alguns pedidos de informação em relação ao encerramento das fronteiras.
Isto porque houve pessoas que foram de férias e apanhadas já no cenário de cancelamento de voos.
Sobre o repatriamento de cidadãos que queiram regressar para Cabo Verde ou para França, Estêvão Tavares Vaz refere que, neste momento, não há nenhum plano. Apenas haverá voos se, eventualmente, alguns países europeus decidirem recolher os seus cidadãos retidos naquele país africano.
Nesta fase, o atendimento presencial no Consulado, assim como na Embaixada em Paris, está suspenso. Mas o Cônsul assegura: “estamos disponíveis para atender por telefone, ainda que não tenha havido pedidos urgentes”.
A mesma fonte sublinha que, nesta fase, é difícil saber quantos cabo-verdianos poderão estar infetados com o coronavírus e lembra que o receio face à epidemia é igual para todos os que habitam em França, qualquer que seja a nacionalidade.
Perante o cenário de incerteza que se vive, Estêvão Tavares Vaz relembra aos cidadãos cabo-verdianos que possam estar com problemas e com “o término da estadia devem comunicar com os serviços de fronteiras para não caírem numa situação de irregularidade”, já que não havendo voos têm uma justificação para prolongar a estadia.
O diplomata reitera ainda a necessidade de “reforçar as recomendações das autoridades de saúde em relação ao confinamento e às precauções a adotar face à Covid-19”.
Ver o copo meio cheio
O presidente da associação “Nostalgia Di Cabo Verde”, Wilson da Graça, admitiu que este órgão “ainda está a organizar e a agendar uma reunião com a Federação das Associações Cabo-verdianas em França para se desenhar um plano de como se poderá ajudar as pessoas”.
Face à obrigatoriedade de confinamento em casa, o presidente da associação, sedeada em Paris, realça que “é uma situação nova para todos, as notícias ainda são escassas”, o que justifica a ausência de um plano no imediato. Ainda assim, Wilson da Graça garante que esse plano vai ser desenhado e com urgência.
Apesar dos receios face à epidemia, “temos de começar a pensar já no depois da pandemia e sair mais fortes desta situação”, sublinha a mesma fonte.
Segundo Wilson da Graça é hora de, mesmo estando em casa e a prestar apoio aos familiares, “avançar com os projetos e preparar planos para por em prática no futuro. É preciso ver o copo meio cheio”.
E, por último, a mesma fonte deixa uma palavra de “muita força aos conterrâneos em Cabo Verde e a todos os que estão na diáspora”.
O Presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, que já enviou os sentimentos de pesar aos familiares das duas imigrantes, divulgou numa nota que referindo que tem mantido contactos telefónicos com os Presidentes de Portugal e do Senegal, onde residem grandes comunidades de cabo-verdianos.
Na mesma nota salienta que enviou uma mensagem ao Presidente da República italiana, país que também acolhe um número significativo de cidadãos cabo-verdianos e que tem sofrido de forma devastadora com a propagação do coronavírus.
O último boletim com a situação epidemiológica em Portugal, da DGS contabiliza 43 mortos e 2.995 infetados por coronavírus. Em França o número de pessoas infetadas ascende a mais de 22 mil, enquanto as vítimas mortais a lamentar são já 1.100. África já registou mais de 60 mortes e quase 2.500 casos de infeções em 47 países e territórios.
No arquipélago cabo-verdiano contabiliza-se quatro casos. A nível mundial os números continuam assustadores, existindo já mais de 400 mil casos de infeção desde o início da epidemia. Cerca de 19 mil pessoas já morreram infetadas por Covid-19. (DL)