Alexandra Silveira
Para além do vírus, que se comenta à boca pequena que veio de Portugal e que pode despoletar ondas de racismo, trabalhadores e empresários vivem dias difíceis.
Apreensão. Apreensão e coração nas mãos. Assim vive a família Fernandes, repartida entre Luanda e Lisboa. A Rute e o João que foram para Angola em 2010 e que resistiram à crise do petróleo, mantendo-se no país, agora, fechados em casa, vão aproveitar a quarentena para repensar o futuro.
“Vivemos tempos difíceis. Quase que parece um filme. Temos a Sofia de 8 anos em casa connosco desde que o vírus se espalhou. Agora fala-se nalguma discriminação pelo facto de sermos portugueses e de o vírus ter chegado a Angola via Portugal. Mas quero acreditar que são bocas soltas que não vão evoluir, de outra forma teremos mesmo de sair”, desabafa, com algum receio, a mãe de família que, juntamente com o marido, investiram num pequeno negócio de restauração em Luanda.
Desde que as escolas encerraram na passada terça-feira que o estabelecimento está fechado e, portanto, sem rendimentos.
“Dispensámos a babá da Sofia como medida de segurança e não tivemos outra alternativa senão ficar em casa com ela, pois aqui não há avós. Temos muitos amigos, mas esses também estão com dificuldades nesta altura que atinge tudo e todos”, acrescenta João.
Louvam a atitude de João Lourenço, “por ter antecipado uma situação que se pode tornar desastrosa para o país. O estado de emergência é imperativo aqui. Não haverá condições para tratar de todos se a pandemia se espalhar. Há que travá-la a tempo e horas”, refere João que todos os dias fala para Portugal via skype para saber de familiares e amigos.
Assim também o faz Carlos, português que vive sozinho em Talatona. Mulher e filho em Lisboa. A empregada e o motorista foram dispensados, “mas continuo a pagar-lhes e quero-os de volta assim que esta calamidade terminar. A minha vida piorou claramente. Estou a tentar gerir a empresa de casa, acrescentando todas as outras tarefas domésticas que não são fáceis. Ainda por cima a higienização é fundamental nesta fase”.
Carlos diz, com graça, que agora “fala com as paredes e de esfregona na mão. Depois tira o avental, veste o casaco e vira empresário”. Há que manter o bom-humor e veste o casaco porque o tempo está a ficar mais frio em terras angolanas. Vem aí o cacimbo e o receio das temperaturas mais baixas serem mais atrativas para o covid-19.
“Vamos ver quanto tempo é possível aguentarmo-nos nestas condições. Tenho noção de que se sair de Angola a minha empresa fecha e os meus 37 trabalhadores ficam com uma mão à frente e outra atrás. Todos os passos têm de ser pensados e não podemos perder tempo com ondas de racismo como a que corre pelas redes sociais”.
Carlos fala especificamente do caso da portuguesa que terá sido agredida e insultada no supermercado, dias depois do anúncio dos primeiros casos de covid-19 em Angola. Correu, por essa altura, uma lista dos nomes dos passageiros portugueses que embarcavam no voo, ato condenado pelo governo angolano.
Entretanto, João Lourenço decretou estado de emergência a partir do dia 27 de Março e por um período de 15 dias que pode ser prorrogado, ficando assim suspensos, segundo decreto, “os direitos de residência, circulação e migração para qualquer parte do território nacional”.
Em relação ao direito de circulação internacional, pode ler-se no mesmo documento: “Podem ser estabelecidos pelas autoridades públicas competentes, respeitando os acordos regionais e internacionais sobre a matéria, determinados controlos fronteiriços de pessoas e bens nos postos onde se julgar imprescindível para a eficácia do presente diploma legal, incluindo controlos sanitários nos portos e nos aeroportos, com a finalidade de se impedir a entrada no território nacional ou de se condicionar tal entrada à observância das condições necessárias para se reduzir significativamente o risco de propagação da pandemia, assim como a sobrecarga dos recursos afectos ao seu combate, nomeadamente através do confinamento compulsivo de pessoas”.
Fronteiras encerradas, o cerco aperta-se até nos casos excecionais. A todo o momento aguardam-se as medidas específicas de apoio à economia por parte do governo. A banca angolana já avançou com apoios concretos a nível de moratórias e doação para cobrir a aquisição de máscaras.
“Vamos garantir todos os serviços mínimos. Não haverá atrasos de maior nas transferências para o estrangeiro. Temos equipas reduzidas, mas eficazes”, revela fonte de uma instituição bancária, acalmando a inquietação daqueles que têm de enviar dinheiro para Portugal. O caso de Carlos, Rute e João. (AS)
Estamos vivendo momentos difíceis.Considero relevante que encaremos a pandemia como um problema de saúde pública.Condenável qualquer enxerto de raça .A pandemia não conhece fronteiras,grupos etnicos,classes sociais ou de outra natureza.O essencial são as medidas preventivas,atacarmos o problema e não pessoas.