Manuel Matola
O governo português ainda está a preparar uma resposta para apresentar à Comissão Europeia que acusa Portugal de falha no Acordo de Schengen sobre livre circulação de cidadãos lusófonos no espaço comunitário, por não estar de acordo com as regras europeias que estabelecem um modelo uniforme de título de residência para os nacionais de países terceiros.
Mas as autoridades portuguesas rejeitam.
Nesta segunda-feira o governo português voltou a afirmar que os vistos CPLP são para continuar e confia no arquivamento de queixa.
O secretário de Estado dos Assuntos Europeus disse que o procedimento de infração da Comissão Europeia sobre os vistos CPLP não põe em causa os títulos já passados e que continuam a ser atribuídos, mostrando-se confiante no seu arquivamento.
Tiago Antunes falava perante os deputados da Comissão de Assuntos Europeus, numa audição solicitada pelo Chega, partido da extrema direita e anti-imigração.
A 28 de setembro, Portugal foi notificado pela Comissão Europeia de um procedimento de infração com fundamento nas disposições do Acordo de Mobilidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Bruxelas deu dois meses a Portugal para responder ao procedimento de infração que a organização comunitária abriu alegando que “o Acordo de Mobilidade da CPLP prevê uma autorização de residência que não está em conformidade com o modelo uniforme estabelecido no Regulamento (CE) n.º 1030/2002. Para além disso, tanto as autorizações de residência como os vistos de longa duração emitidos para fins de procura de emprego a nacionais dos Estados da CPLP não permitem aos seus titulares viajar no espaço Schengen”.
Tiago Antunes considera que existem “duas realidades distintas que convivem sem conflito entre si”: As autorizações de residência CPLP, que têm caráter territorial, neste caso o território português, e os vistos ao abrigo do Acordo de Schengen, que permitem a livre circulação entre os Estados-membros da União Europeia (UE).
O secretário de Estado disse que a resposta de Portugal está em fase final de redação e assenta no esclarecimento desta diferença entre os vistos CPLP e os vistos para livre circulação no espaço Schengen.
“Os cidadãos que entrem em Portugal com um visto CPLP e pretendam viajar para fora de Portugal terão de recorrer aos procedimentos em vigor para obter um visto Schengen”, disse.
O governante sublinhou que o procedimento “não põe em causa a validade dos vistos CPLP” e que “a situação destes cidadãos está salvaguardada”.
“A regulamentação aprovada em Portugal foi desenhada em rigoroso cumprimento da legislação no espaço Schengen”, disse, acrescentando que os dois modelos — vistos CPLP e vistos Schengen — visam “a complementaridade e não exclusão”.
Por esta razão, Tiago Antunes disse acreditar que a resposta de Portugal, que irá demonstrar a ausência de qualquer desconformidade, será suficiente para o arquivamento do procedimento, defendendo o objetivo da mobilidade entre os países da CPLP, tendo em conta a grave falta de mão de obra em Portugal.
A este propósito, lembrou estatísticas europeias que dão conta de que 74% das Pequenas e Médias Empresas (PME) no espaço europeu elegem a falta de mão de obra como a sua principal preocupação.
E sobre a questão colocada pelo Chega sobre a forma como Portugal poderá impedir que os cidadãos com vistos CPLP tentem circular para outros países europeus, disse que não são preocupantes as autorizações de residência no Espaço Schengen passadas a cidadãos não portugueses oriundos da CPLP: 3,5% em 2022.
O Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, também comentou as dúvidas levantadas agora pela Comissão Europeia.
“Portugal tem estado a explicar desde há muitos anos porque é que não há incompatibilidade entre o regime [de vistos] que é adotado em relação à CPLP e o regime europeu, comunitário. Já explicámos porque é que não há contraposição, não há um choque. Até agora isso foi aceite e acreditamos que vamos fazer valer o nosso ponto de vista”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, que considerou, neste contexto, “uma ironia do destino” que “durante tantos anos isso não tenha sido um problema e de repente vir a descobrir-se que há uma ilegalidade que não existia no passado”.
As dúvidas levantadas agora pela Comissão Europeia, referiu, têm por base denúncias de um cidadão individual sobre as quais Portugal já tinha prestado alguns esclarecimentos.
O advogado Adriano Malalane considera que a Comissão Europeia “está a ser cínica” ao acusar Portugal de falha no Acordo de Schengen sobre livre circulação quando “não há base legal” para se considerar haver violação de acordo das regras europeias que estabelecem um modelo uniforme de título de residência para os nacionais de países terceiros, até porque a “França já faz isso há muitos anos”: concede vistos aos cidadãos das suas ex-colónias para circularem livremente no território francês.
“França já faz isso há muitos anos. Os acordos da UE permitem o que Portugal está a fazer. É uma falsa questão a Europa vir condenar Portugal por ter feito esta abertura em relação às suas antigas colónias”, garantiu o especialista em Direito Migratório, em entrevista à rádio alemã DW ao falar sobre o diferendo que opõe Bruxelas e as autoridades portuguesas que voltaram a rejeitar quaisquer incompatibilidades com as normais europeias nessa matéria.(MM e Lusa)