Manuel Matola
O Secretariado Executivo da CPLP vai lançar na terça-feira uma campanha de recolha de livros em língua portuguesa para as bibliotecas públicas da Guiné Equatorial, o mais novo Estado-membro da organização de países lusófonos onde quase não se fala português.
A Guiné Equatorial foi aceite, em 2014, como membro de pleno direito da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. A organização condicionou essa adesão, por um lado, à abolição da pena de morte e, por outro, à criação de esforços para se difundir o ensino da língua portuguesa no país, nomeadamente acolhendo estudantes lusófonos.
“Apesar de a Guiné Equatorial ter decretado a língua francesa e, mais recentemente, a língua portuguesa como línguas oficiais, estas não são faladas no território. No entanto, na ilha de Ano Bom, ainda se usa o chamado Fá d’Ambô, ou seja, o Falar de Ano Bom, uma língua crioula de base portuguesa, que mantém uma semelhança grande com o dialeto de São Tomé e Príncipe”, refere o docente universitário Jorge Mangorrinha num artigo ao DN onde escreveu sobre aquele país africano, o único que tem o castelhano como língua oficial.
No artigo publicado no DN, Jorge Mangorrinha conta o histórico da presença portuguesa na Guiné Equatorial, onde ” a semente lusa ficou neste território, mesmo que falar a língua portuguesa seja ainda uma miragem”.
Segundo aquele professor universitário, “foram navegadores portugueses os primeiros europeus a explorar o golfo da Guiné, em 1471, no ano em que Fernão Pó assinalou a ilha de Bioco nos mapas europeus ao procurar uma rota para a Índia. Em 1493, o rei D. João II proclamou-se, juntamente com o resto dos seus títulos reais, como Senhor da Guiné e o primeiro Senhor de Corisco. Os portugueses colonizaram as ilhas de Fernão Pó, Ano Bom e Corisco, em 1494, e converteram-nas em postos para o tráfico de escravos. As ilhas permaneceram em mãos portuguesas até 1778, depois do Tratado de Santo Ildefonso (1777) e do Tratado de El Pardo (1778), em que foram cedidas a Espanha, conjuntamente com os direitos de livre-comércio, numa parte da costa do Golfo da Guiné limitada pelos rios Níger e Ogoué. Em troca, Portugal recebeu garantias de paz em diversas zonas de influência da América do Sul, como a retirada espanhola da Ilha de Santa Catarina e a demarcação de fronteiras no Brasil, mas renunciava à Colónia do Sacramento e aos direitos sobre as ilhas Marianas e Filipinas. Em 1909, as colónias espanholas de Elobey, Ano Bom, Corisco, Fernando Pó e Guiné Continental foram unidas sob uma administração única, formando a Guiné Espanhola, que seis décadas depois passaria a ser um Estado independente (1968)”.
Quase uma década após a sua adesão formal à CPLP, são poucos os cidadãos equatoguinenses que falam o português.
O ativista Joaquin Elo Ayeto tem uma leitura única para o fraco uso e domínio do português na atual Guiné Equatorial onde os idiomas mais falados são o Fang e o Pidgin, mas que não são línguas oficiais.
É por isso que, no ano passado, seis ativistas equatoguinense, um dos quais imigrante, decidiram organizar um encontro com jornalistas em Lisboa para denunciar as sistemáticas violações dos direitos humanos no âmbito de um seminário de capacitação sob lema “Direitos Humanos e Boa Governança na Guiné Equatorial: o lugar da Sociedade Civil”, desenvolvido no contexto do APROFORT, uma iniciativa da Transparência Internacional Portugal.
“Estamos a viver uma grande mentira”, resumiu Joaquin Elo Ayeto apontando como razões para a assunção dessa alegada falsidade coletiva a falta de condições básicas nas escolas, quer a nível sanitário – pois “de 100 por cento das escolas, 80 por cento não tem água” – quer a nível da aposta formativa nas línguas estrangeiras, incluindo o espanhol que é constitucionalmente idioma oficial e de trabalho.
E questiona ao novo Estado-membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e aos seus pares: “Se já falamos com dificuldade o espanhol e o francês, então como será o português”, que a Guiné Equatorial tem escrito na página oficial do Governo como o novo idioma, pretendendo com isso lançar um sinal de que está a responder a um dos requisitos impostos pela CPLP para integração daquele país na comunidade lusófona.
Questionado sobre qual devia ser o papel da diáspora da Guiné Equatorial para influenciar o rumo dos direitos humanos no país, a resposta é consensual: “boa parte da diáspora é política” ou apartou-se.
Aquando da entrada do país na CPLP, em 2014, a comunidade lusófona impôs como um dos requisitos a proteção dos direitos humanos ao regime de Malabo por considerar que o país ainda demonstra níveis muito baixos nesse campo.
Ativistas dos direitos humanos na Guiné-Equatorial exigem sanções internacionais contra o regime de Teodoro Obiang, que alegadamente “está a usar a pena de morte politicamente” para “branqueamento da imagem” do país da CPLP, onde hoje “está a reinar” um novo “tema normal”: a violação sexual contra a mulher que, para denunciar o caso, “tem que pagar à polícia”. (MM)