Cyntia de Paula: Casa do Brasil lança projeto sobre migração regular para Portugal

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Cyntia de Paula, presidente da Casa do Brasil

Manuel Matola

A Casa do Brasil acaba de lançar um novo projeto denominado “Brasil-Portugal: por uma migração com direitos”, que pretende orientar as pessoas que ainda estão no Brasil a primarem por uma migração regular, de modo a evitar que os que optam por viver no território português caíam em golpes ou tenham dissabores à chegada. A ideia é fazer com que os brasileiros possam vir “de forma informada e consciente”, sobretudo agora que Portugal volta a abrir-se aos estrangeiros, disse em entrevista ao jornal É@GORA Cyntia de Paula, presidente Casa do Brasil em Lisboa, instituição que trabalha na área de garantias dos direitos da maior comunidade imigrante em Portugal.

Qual é o principal desafio da Casa do Brasil neste momento?

Neste momento é interessante, de facto, pensarmos que os brasileiros são a maior comunidade estrangeira em Portugal e à semelhança de outras comunidades migrantes enfrentamos problemas reais como o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). De facto, muitas pessoas estão à espera de ter autorização de residência. Paralelamente a isso há muitas outras questões que a nossa comunidade vive, nomeadamente, dificuldades de emprego qualificados, de salários justos além de outros problemas que a comunidade portuguesa também enfrenta como a da habitação e muitos outros. Obviamente que quando falamos de pessoas migrantes muitos destes problemas podem ser piores, sobretudo, porque somam-se a outras discriminações estruturais do sistema que faz com que a nossa luta seja ainda maior.

Há uma abertura da parte de Portugal para entrada de migrantes e estrangeiros no geral. A Casa do Brasil tem estado a receber mais pessoas que queiram entrar cá ou as que pretendem regressar? Qual é a situação desta eventual pretensão de brasileiros entrarem para Portugal?

Temos recebido muitas pessoas que chegaram mesmo pouco antes da pandemia e agora com a abertura de pessoas que veem como migrantes. Também vamos ter agora um novo projeto que se chama “Brasil-Portugal: por uma migração com direitos” que pretende orientar as pessoas que ainda estão no Brasil a primarem por uma migração regular, ou seja, para que as pessoas possam vir de forma informada, consciente, justamente porque estamos preocupados com essas novas chegadas, pois acreditamos que a comunidade é a maior e vai continuar a ser. É (uma iniciativa) muito importante porque ele contribui de uma forma positiva para Portugal e para outras comunidades de forma extraordinária em várias áreas.

Quando é que arranca o projeto?

Arrancou dia 01 de setembro e vai ter várias ações. Por exemplo, sessões informativas coletivas para quem ainda está no Brasil, vamos ter uma campanha nas redes sociais com informações sobre, por exemplo, o que é a segurança social, o que são as finanças, o tipo de vistos que as pessoas podem pedir quando ainda estão no Brasil e também questões de cultura geral de informações sobre Portugal. Por exemplo, a situação da habitação ou outras questões e vamos ter um canal que se vai chamar Conexão Migrante. A ideia é batermos papo com especialistas e trazer em formato de vídeo vários temas de interesse de quem pretende migrar para que faça de forma informada e da melhor forma possível para que haja uma maior integração e uma imigração regular.

O que já foi feito desde o dia 01 de setembro a esta parte?

Já fizemos algumas coisas: definimos o formato do canal. No mês de outubro já sai o primeiro episódio. Agora estamos na fase de construção de imagens e para o mês que vem vamos ter uma sessão de lançamento oficial do projeto. Isso tudo porque justamente sabemos que a imigração brasileira vai aumentar e ela é muito importante para Portugal, assim como as outras.

Há alguma previsão do número de chegadas ou é algo enigmático?

Não é possível prever.

Mas no âmbito da relação que a Casa do Brasil tem, de forma (in)direta com a OIM, qual é a informação que tem sobre o projeto de retorno voluntário?

Pode ser que estejam a seguir a tendência dos fluxos antes da pandemia.

Ou seja, já não muitos pedidos de retorno?

Foto retirada do Facebook da Casa do Brasil de Lisboa ©
Não. A nós tem sido feito muito mais pedidos de chegada e do pessoal que chegou antes e que agora voltou a trabalhar e que está a tratar da sua situação como um todo, e novas pessoas que estão a chegar e querem informações para chegar, mais do que pedidos de retorno para o Brasil.

É possível refletir em termos numéricos sobre o impacto da pandemia sobre os imigrantes brasileiros e sobre aquilo que foi a intervenção da Casa do Brasil?

Nós trabalhamos na área de garantias dos direitos e nós não damos apoios de géneros alimentares, ou coisa assim. O impacto da pandemia, obviamente, deixou claro várias coisas que já falamos tantas vezes: as pessoas migrantes estão nos piores trabalhos, assim como muitos portugueses, dependendo da classe social. A questão da habitação, sobretudo, ficou muito clara: as pessoas estavam a pagar rendas absurdas e de repente da noite para o dia, com situações de contrato de trabalho precário, ficaram sem rendimentos nenhuns e muita gente passou muito mal. Tivemos muitas pessoas que ficaram desalojadas e aí tivemos que contactar serviços existentes, dado que nós não temos esses serviços. O nosso trabalho foi muito no sentido de entrar em contacto com instituições que estavam a oferecer os serviços e fazer esse encaminhamento. Depois, tivemos um trabalho muito forte na questão da vacinação (nomeadamente o de) ajudar as pessoas a se inscreverem e serem vacinadas. Isso foi muito importante. Também de dialogar com o governo para que os processos fossem céleres e as pessoas que não tinham o número de utente, por exemplo, fossem vacinadas.

“Defendo a necessidade de as pessoas migrantes terem direitos políticos assegurados”

A Cyntia de Paula concorreu pela primeira vez para as eleições autárquicas-2021 pelo Bloco de Esquerda. Isso é em resposta àquilo que sempre defendeu: a necessidade de participação política dos imigrantes?

Com certeza.

Qual é o efeito daquilo que foram as suas promessas na campanha e quais são os planos para os próximos tempos?

Eu encaro como positivo ter participado sobretudo porque eu defendo a necessidade de as pessoas migrantes – na verdade, todas as pessoas que vivam numa sociedade e comunidade – terem os direitos políticos assegurados. Esta é uma luta muito importante. Eu, individualmente, foi a primeira vez que participei. Acho que para mim foi muito importante porque pude levar também as questões que eu já trabalho no ativismo e na minha luta enquanto ativista pelas pessoas migrantes para um programa autárquico. Eu acho que isso é muito importante. Levar esse olhar, essa multiplicidade de olhares, de pessoas de mais de diversas áreas para se pensar como é que se pode fazer política e como se pode construir as respostas para uma cidade. Avalio como muito positiva. Foi uma experiência muito importante e temos que continuar a incentivar outras pessoas migrantes a participarem das listas (partidárias) sejam em qual eleição for. Também continuamos a batalhar com os partidos políticos para que estejam abertos a essas pessoas porque uma sociedade saudável devem todos e todas participar. Eu defendo isso e acho que foi muito importante.

E as suas promessas irão fazer-se refletir naquilo que é o plano geral do BE na Assembleia Municipal?

Eu não posso falar pelo partido. Falo por mim, mas acredito que sim. Acho que foi um programa muito participado. Todas as pessoas que fizeram parte da lista ou não construíram, de facto, de uma forma coletiva. Por isso, não tenho dúvidas nenhumas de que tudo aquilo que levamos – não sou eu, incluindo as outras pessoas – será com certeza uma luta a ser travada pela Beatriz Gomes Dias, enquanto vereadora, que vai representar os nossos olhares. Não tenho dúvidas disso (até porque foi) o que me fez acreditar em participar nessa lista. (MM)

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