Rodrigo Lourenço e Manuel Matola
A luso-caboverdiana Andredina Cardoso, candidata socialista à Assembleia Municipal em Sesimbra, o único Concelho certificado com o Sistema de Gestão da Qualidade em Portugal, considera que o modelo de bairro social “não é a melhor solução de integração” e questiona a razão de as câmaras municipais continuarem a apostar nessa estratégia de inclusão.
“Como é que passado tanto tempo, com tudo aquilo que a habitação pública já demonstrou que não é a melhor solução de integração continua-se ainda a pensar e a apostar na habitação pública? Não faz sentido”, diz Andredina Cardoso em entrevista ao jornal É@GORA que atravessa o rio Tejo em direção à Margem Sul – em Sesimbra – depois de em artigos anteriores destacar a campanha eleitoral às autarquias no espaço geográfico e político que se situava na região de Lisboa, mais precisamente na Amadora, concelho que alberga maioritariamente imigrantes.
Na parte do sul do Tejo, a Autarquia de Sesimbra não possui um número tão elevado de habitações precárias, em comparação com os vizinhos Seixal, Barreiro e Setúbal.
Em declarações ao jornal É@GORA, Andredina Cardoso afirma que o modelo de bairro social é um exemplo esgotado, até porque “as pessoas têm tendência para se aproximar daquilo que são os seus pares. Uma pessoa vai viver para determinada localidade e a tendência é sempre aproximar-se daquilo que é a vida dos seus pares”, diz.
Prosseguindo, compara: “Se nós já vimos que os bairros sociais (hoje conhecidos como habitação pública) são um sistema que na forma como foram concebidos não beneficia a integração, o equilíbrio dentro da própria sociedade, como é que nós ainda estamos a pensar em construir nova habitação pública em vez de encontrarmos soluções [nomeadamente a] de colocar as pessoas de maior fragilidade em outros locais e integradas de facto através de renda assistida e aquisição a custos controlados promovendo uma maior harmonização?”.
Com formação na área da Saúde, a Higienista Oral aponta a ausência de estruturas adequadas para que hoje eventualmente se note a falta de controlo, apoio e acompanhamento destas habitações.
“Os bairros sociais começaram a ser construídos há décadas. Eu penso que não se estaria à espera de hoje nós termos os bairros sociais que temos. A intenção até podia ser boa, mas normalmente o que acontece é que os bairros não são acompanhados e não foram acompanhados por todas as outras estruturas que eram necessárias para ajudar essas pessoas a apanhar o tal elevador social”, frisa.
E numa alusão aos exemplos de boas práticas visando à união das pessoas, a candidata do PS lembra a multiculturalidade que esteve na base do crescimento da Quinta do Conde, uma freguesia do município de Sesimbra (pertencente ao círculo eleitoral de Setúbal), que tem hoje quase 30 mil habitantes, um terço dos quais jovens abaixo dos 30 anos.
“Temos pessoas do Alentejo, do Norte, de tudo quanto é lugar de Portugal, também das ex-colónias, da comunidade brasileira e já tivemos mais comunidades do Leste. Eu diria que o município de Sesimbra e a freguesia da Quinta do Conde lidam muito bem com a diversidade. Tanto a nível da diversidade, olhando para Portugal, como para quem vem de fora de Portugal. Existe uma convivência pacífica e uma abertura para estas questões”, assegura, lançando um alerta emergente para as filosofias que surgem em contraciclo com o modo de pensar até aqui apresentado.
“Este assunto é algo que nos preocupa bastante sendo nós uma freguesia e um concelho que têm diversas nacionalidades e que sempre conviveu de forma pacífica com elas”, diz numa altura em que se assiste a uma narrativa anti-imigração por parte de forças políticas da extrema-direita.
Mas para que esse exercício de diversidade se mantenha, a candidata socialista defende a importância de se dar visibilidade ao trabalho da própria Assembleia Municipal e destacar o papel que ela tem para elucidar a população do que é uma Assembleia Municipal. Para tal, deve-se primar pela literacia política.
“Uma das coisas que nós defendemos sempre e queremos mudar também tem a ver com a necessidade de elucidarmos a população do que é uma Assembleia Municipal”, diz reconhecendo este ponto como um aspeto negativo junto da comunidade da região.
“As pessoas podem ir às assembleias municipais, podem colocar questões diretamente ao executivo. Isso é algo que acontece de facto muito pouco”, no entanto, assegura, “a Assembleia é bastante dinâmica se comparada com algumas do país”.
Dessa meia dúzia de comissões, a candidata do PS integra a Comissão Sociocultural na Assembleia Municipal de Sesimbra, onde ocupa o grupo relativo à saúde, educação e cultura.
“Estamos divididos para que nós possamos também conseguir fazer um trabalho mais efetivo. Eu faço parte da saúde, educação e parte social. Cada comissão debruça-se sobre um aspeto em concreto daquilo que é a atividade camarária e os diferentes assuntos que fazem parte daquilo que é o trabalho da Câmara”.
E mesmo numa altura em que a situação pandémica continua a assolar, este ano aquela comissão especializada fez uma auscultação “às várias entidades” de saúde no concelho de Sesimbra.
“A saúde é sempre um problema premente, é uma área que tem muitas outras variantes com as suas limitações. Fizemos uma auscultação às várias entidades de saúde no concelho de Sesimbra. Escutamos todas as unidades de saúde familiares, e as outras estruturas de saúde incluindo as comissões de utentes e fizemos uma reunião com a diretora do agrupamento de centros de saúde. Isto no sentido de perceber de forma mais concreta o que é se passa em cada uma das unidades de saúde”, aponta em jeito de balanço do fim do primeiro mandato.
Candidatos afrodescendentes
De há uns anos para cá tem havido um crescimento no que diz respeito a candidatos afrodescendentes nas eleições portuguesas. Os rostos mais conhecidos são as três deputadas de origem guineenses: Joacine Katar Moreira, Beatriz Gomes Dias e Romualda Fernandes, uma integração que tende a ser cada vez mais frequente nas listas partidárias.
Instada a comentar, Andredina Cardoso afirma: “Penso que é um processo normal”, isso “no sentido em que estas questões são sempre uma caminhada. Em Portugal, as taxas de abstenção são elevadíssimas. Na minha opinião não há uma grande aposta na literacia política. As pessoas aproximam-se pouco da política. Olham para a política como uma grande mancha cinzenta, e não sabem muito bem o que se passa lá dentro e isso afasta-as, até porque não percebem muito bem todas as dinâmicas que a envolvem e a repercussão que isso tem no seu dia-a-dia”.
E destaca a forma destes grupos contraporem a sua ação política: “Cada vez mais, a luta social a nível das comunidades das diásporas, por norma, fazem-se muito através do movimento associativo. Mas isso não é suficiente, até porque o movimento associativo das diásporas em Portugal tem muitas fragilidades”.
E partindo para um momento de exposição das dificuldades que este tipo de ativismo social enfrenta, com base no associativismo, a candidata da lista do PS lança um outro olhar profundo ao problema: é que tudo começa quando as leis equiparam as associações com empresas, diz.
“Uma associação para funcionar convenientemente tem de ter um corpo de trabalho estável. […] As leis que regem o funcionamento de uma associação são extremamente exigentes, são semelhantes ao funcionamento de uma empresa o que exige uma capacidade técnica muito grande. E muitas das vezes as associações não estão dotadas dessa capacidade técnica”, denuncia.
E mais: a falta de capacidade técnica resulta da elevada quantidade de burocracia e que, consequentemente, ‘obriga’ ao sistema de voluntariado dos membros destas instituições, o que “acaba por ser uma fragilidade porque estes têm de funcionar numa base profissional, mas como voluntários”, considera.
Segundo a socialista, “estas duas situações acabam por não ser suficientes para consolidar uma estrutura forte que permita ir buscar o financiamento onde eles são necessários e colocá-los em prática no terreno”, e nisso “as pessoas também passam muitas horas a cuidar do equilíbrio da própria vida”.
Ainda com o assunto da migração no centro das atenções, Andredina Cardoso sublinha a importância de introduzir e colocar a imigração dentro das presidências das câmaras.
Ou seja, “o que acontece é que muitas vezes a diáspora não está envolvida nessas estruturas. Daí que é necessário aproximar cada vez mais a diáspora e os afrodescendentes. […] Há uma necessidade de colocar cada vez mais essas pessoas, porque são essas que de facto conhecem os problemas do dia-a-dia, que têm o contacto e que conseguem muitas vezes transmitir aquilo que passa despercebido”, defende.
Em oposição a essa ausência, Andredina Cardoso aponta, no entanto, o facto de haver pessoas da diáspora “cada vez mais qualificadas” a aproximar-se da política e nisso haver mais movimentação de pessoas em direção a estes lugares de decisão.
“As pessoas estão cada vez mais qualificadas, cada vez mais percebem de que forma podem interferir positivamente dentro destas questões e, naturalmente, vão se aproximando por convite das próprias culturas sentindo essa necessidade de irem buscar estas pessoas […] Da mesma forma que neste tipo de estruturas nós temos pessoas mais jovens, pessoas mais idosas, mulheres e homens, acho que cada um deles representa no fundo uma franja da sociedade”, por isso “é muito importante que todas as pessoas estejam representadas. Penso que este é um caminho que vai ser cada vez mais consistente”, diz.
Deixando a representatividade política e entrando nos problemas enfrentados pelos migrantes, a recandidata lembra que apesar de haver diferenças entre diáspora e os migrantes as adversidades são as mesmas.
“Cada comunidade tem as suas especificidades, mas na realidade aquilo que acontece é que os problemas que atravessam os migrantes e a diáspora acabam por ser comuns. Tal como os problemas que atravessam uma determinada área geográfica são comuns a imigrantes e não migrantes. Aqui o que acontece é que depois há especificidades quando se quando se trata da população migrante. Se calhar as pessoas que são de diáspora podem ter problemas acrescidos que as outras que são portuguesas não têm. Como por exemplo, a questão da documentação”, aponta. (RL e MM)