Dia Internacional do Imigrante: Os “corpos resistentes” à brutalidade policial

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FOTO: ERRC ©

Manuel Matola

Hoje é Dia Internacional do Imigrante. A efeméride celebra-se sob o escuro manto de uma realidade há muito sonegada em Portugal: o racismo impregnado nas botas musculadas da brutalidade policial.

As contrariedades sobre a forma como são tratados esses “corpos resistentes” de Seth Holmes ecoaram numa semana em que os resultados provisórios dos Censos-2021 demonstram o aumento da importância dos imigrantes no tecido socioeconómico e cultural português.

Na última década, a população estrangeira aumentou 40,6% em Portugal, para 555.299 pessoas, representando agora 5,4% do total da população, um valor acima dos 3,7% de 2011, segundo os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística sobre as dinâmicas populacionais nos últimos dez anos.

Mas os imigrantes são também hoje um dos maiores contribuintes, pois representam nove por cento dos inscritos na Segurança Social onde em cada 100 estrangeiros em Portugal, 67 são contribuintes (+22 contribuintes que em cada 100 portugueses), o que influenciou de forma positiva para a sustentabilidade do sistema de segurança social quer em 2019, com um saldo de +884,4 milhões de euros, quer no ano passado, com +802 milhões de euros.

No entanto, a brutalidade policial também está patente nos números: “Uma vez por semana tenho um imigrante a queixar-se das autoridades”, diz Jaime Roriz, advogado especialista em questões de imigração, à CNN Portugal, o órgão que esta semana revelou o caso dos sete militares da GNR que agrediram imigrantes em Odemira, um dos quais obrigado a inalar gás pimenta.

Nos últimos dias, as críticas à atuação das forças policiais fizeram-se ouvir pelas habituais vozes de protestos.

“A 30 de novembro submeti pergunta ao MAI (Ministério da Administração Interna) sobre o uso de gás pimenta pelas forças de segurança”, escreveu a deputada Joacine Katar Moreira numa reação nas redes sociais onde assinala que a “violência, abuso e a brutalidade policial são antigas, sobretudo sobre as minorias”, pelo que “as leis devem mudar e os governos agir para meter um basta aos atentados contra o direitos humanos perpetrados pelas forças de segurança”.

E este sábado em que se assinala o Dia Internacional dos Migrantes, o ativista e dirigente do SOS Racismo, Mamadou Ba, lembra que “estas pessoas são alvo de ódios, perseguições e medos um pouco por todo o lado”, por isso, “hoje, infelizmente perante o profundo sentimento e as reiteradas práticas anti-imigrantes, o que há a celebrar são a resistência e a dignidade das pessoas migrantes que, apesar das violências todas, continuam a manter o seu poder da agência para lutar por uma vida melhor”.

Mas além dos gritos que são ouvidos nesta semana que finda há os que ganharam maior projeção mundial quando os Peritos das Nações Unidas sobre Pessoas de Ascendência Africana escalaram há dias Portugal e ficaram surpreendidos e chocados com os relatos sobre brutalidade policial, que envolviam afrofobia, discriminação racial sistémica, xenofobia, entre outras intolerâncias.

Em declarações ao jornal É@GORA, Miriam Eikudoko, do Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Afrodescendentes das Nações Unidas, disse que as “autoridades portuguesas reconheceram a existência do problema de racismo e da brutalidade policial em Portugal”.

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Um reconhecimento que, entretanto, demonstra que Portugal acordou para uma realidade que se manifesta cada vez na forma humilhante como as forças policias agem contra os imigrantes: no caso de Odemira, foi com “ódio claramente dirigido às nacionalidades que tinham e apenas por tal facto e por saberem que, por tal circunstância, eram alvos fáceis”, disse o Ministério Público num despacho de acusação aos sete agentes da GNR.

Nas imagens que a CNN e a TVI publicaram, um dos telemóveis pertencente a um guarda da GNR, de apenas 25 anos, havia sete vídeos onde se veem cenas de violência, ouvem-se insultos xenófobos, humilhações e incidentes de tortura física contra vários imigrantes que trabalham na região de Odemira, principalmente na agricultura. Na sua maioria são originários do Bangladesh, Paquistão e Nepal.

Isto tudo é denunciado num ano em que ainda assim houve avanços “na capacidade empreendedora dos imigrantes” para “não só alimentar o mercado de trabalho por conta de outrem, mas também “desenvolver os seus próprios negócios”, até porque “muitos dos quais trabalham por conta própria”, segundo disse esta sexta-feira a Diretora do Observatório das Migrações, Catarina Reis Oliveira, no Webinar “Comunicar Imigração: Desafios e Estratégias”, organizado pela sua instituição em parceria com o Instituto Nacional de Estatística (INE).

Num discurso de antecipação à efeméride, a Alta-Comissária para as Migrações, Sónia Pereira, destacou no evento de sexta-feira que a imigração “permitiu Portugal recuperar o saldo migratório positivo em 2020”, ano em que, por um lado, “se atingiu o valor inédito de 672 mil estrangeiros a residir em Portugal” e, por outro, fez de 2020 um ano “com maior número de cidadãos a ter nacionalidade portuguesa: são 104 mil novos cidadãos portugueses que passam a ter de forma permanente os mesmos direitos que qualquer português, o que é um reflexo das várias medida também no acesso à nacionalidade portuguesa”.

É por isso, neste Dia Internacional dos Migrantes, o SEF regozija-se frisando que “são vários os motivos que originam estes movimentos, mas a procura de uma vida melhor é, quase sempre, o objetivo principal”. Um propósito que, para Sónia Pereira, passa pela “integração na sociedade [que] tem como marco de referência a aquisição de nacionalidade”.

E num mundo embora assolado pela pandemia e cada vez mais em contradição, a mobilidade é imparável. “Em Portugal assistimos à chegada, desde agosto, de 765 cidadãos afegãos evacuados do seu país e que aqui têm a esperança de encontrar uma vida segura, digna e feliz. [Destes], 431 são adultos (218 mulheres e 213 homens) e 334 são crianças (155 raparigas e 179 rapazes)”, diz o SEF que “continua atento e disponível, no âmbito da sua missão, para receber e encaminhar todos os que se propõem a encontrar em Portugal a sua nova casa”.

Numa mensagem divulgada na página oficial da presidência da República, alusiva à data, o chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, destaca importância das Migrações e sentencia: “O dia que hoje se assinala, o Dia Internacional das Migrações, recorda-nos que existe uma única humanidade, da qual todos fazemos parte”. (MM)

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