Eneida Marta defende uma reforma profunda do ensino na Guiné-Bissau por ser a área mais caótica depois do setor da saúde. A cantora guineense, radicada há mais de 30 anos em Portugal, é de opinião que “tudo está por fazer”, incluindo a necessidade de formação dos professores pela responsabilidade que tem na preparação dos alunos. Ela é uma das vozes que fez brilhar o concerto solidário “Música por Npili” a favor da construção de uma escola para raparigas em Biombo.
Foi uma noite de solidariedade a que se registou esta última noite no espaço cultural B.Leza, em Lisboa. Músicos guineenses de várias gerações juntaram-se num concerto cujo objetivo visava angariar fundos para a construção de uma escola para raparigas da região de Biombo, na Guiné-Bissau, país da África Ocidental que sofre de inúmeras carências, não só no domínio do ensino.
A iniciativa, que decorreu esta quarta-feira, congregou nomes sonantes da cultura guineense como Eneida Marta e Remna Schwarz, filho do ícone poeta e músico José Carlos Schwarz, mas também Eric Daro e Charline Vaz, que fazem parte da nova geração. Eneida Marta, escolhida para possível embaixadora deste projeto, participa pela segunda vez numa iniciativa do género. Diz que “é uma honra abraçar causas tão nobres” como esta.
“Cada um de nós deve fazer a sua parte”, apela a ex-Embaixadora da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que critica a mentalidade retrógrada que algumas pessoas ainda preservam no que toca aos direitos das crianças.
“Esta é uma responsabilidade de todos nós, não só do Governo”, avisa Eneida Marta, que apela toda a sociedade civil a envolver-se “para que haja uma mudança de mentalidade o mais urgente possível”.
Os músicos podem contribuir para isso, “para a consciencialização das mentes”. Eneida Marta, muito dedicada a ajudar aqueles que mais precisam, dá uma larga gargalhada quando a perguntámos se o seu novo trabalho discográfico “Ibra”, a sair em setembro próximo, está nesta linha. “Também está”, responde a artista muito envolvida em projetos sociais na Guiné-Bissau.
Nesta teia, a artista pede uma profunda reforma do sistema de ensino na Guiné-Bissau, o que implicará necessariamente a qualificação dos professores.
“Muitas vezes deparas com professores que nem português sabem falar; como é que é possível ensinar a uma criança seja lá o que for” – lamenta.
«Dizer que só vamos quando a Guiné-Bissau estiver um paraíso, que ninguém conte com isso»

Estes desafios implicam grandes recursos que o país não tem. Neste sentido, aplaude o reatamento do programa “Terra Ranka”, lançado no anterior governo de Domingos Simões Pereira, cuja execução implica a mobilização de financiamento junto de organismos internacionais e de parceiros externos da Guiné-Bissau.
Nos últimos anos, Eneida Marta tem ido muitas vezes ao seu país natal por estar envolvida noutra ação social na área da saúde. “Quando fico mais tempo na Guiné é porque estou a ajudar os doentes a serem evacuados, a conseguirem a Junta Médica”, explica. “É aquilo que realmente me completa como pessoa”.
Diz ser uma pessoa que não foge à luta e que enfrenta as dificuldades. Face a isso, e contra o conformismo de alguns, exorta os guineenses a não se divorciarem da Guiné-Bissau.
“Temos que batalhar, temos que dar a cara, temos que fazer acontecer”, ressalva. “Os que se encontram na diáspora deviam regressar e lutar juntos”, acrescenta, “porque o país é nosso e a responsabilidade é de todos nós”. E deixa um recado: “dizer que só vamos quando a Guiné-Bissau estiver um paraíso, que ninguém conte com isso”.
«Estou muito otimista em relação ao futuro»

Charline Vaz, a mais jovem revelação na música guineense, também se sente honrada por fazer parte da iniciativa “Música por Npili”, a pensar no futuro das raparigas que não têm ou tiveram a mesma oportunidade que ela por pertencer a uma família com condições para zelar pela sua educação.
Remna Schwarz sente-se feliz por ter subido ao palco com grandes talentos da Guiné-Bissau por um objetivo que demonstra a preocupação e o interesse de todos contribuírem como podem por uma vida melhor dos guineenses.
“Temos ainda muito a fazer neste sentido”, afirma, reconhecendo que “existe matéria-prima”. Ou seja, existe vontade e capacidade para se melhorar a qualidade do ensino e da educação no país. O músico guineense considera que a formação das mulheres é uma exigência nacional, porque “elas são o pilar de uma casa, de uma família”.
Nesta linha de pensamento, Remna reconhece que a base de uma sociedade ou de uma nação está na educação. “Estou muito otimista em relação ao futuro», afirma, admitindo que, entre os sérios problemas sociais que a Guiné-Bissau enfrenta, esta iniciativa encabeçada por Karina Gomes pode ser uma gota de água que se multiplicará com a ajuda de cada guineense.
“O mais importante é o impacto deste evento. O mais importante é saber que cada um de nós pode dar o seu contributo como pode, na sua área. Isso pode motivar e influenciar outras pessoas a terem outras iniciativas para apoiar”, diz o jovem músico em declarações ao Jornal É@GORA pouco antes do concerto.
“Temos que construir esta parede pedra a pedra para erguermos o nosso país”, remata com otimismo, quando faltavam poucas horas para o evento no B.Leza que atraiu muito público, na sua maioria da comunidade guineense radicada em Portugal. (X)