Manuel Matola
As imigrantes Teodora Martins e Daniela Vaz D´Almeida são rostos de duas distinta campanhas de “crowdfunding” – uma decorre a partir de Cuba, outra da Bulgária – que estão a agitar as redes sociais, especialmente, por espelhar um dos dilemas que mais aflige a diáspora estudantil são-tomense: a falta de dinheiro para pagar propinas. O tema já mereceu reação do próprio primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe, Jorge Bom Jesus, em Lisboa.
Teodora é uma jornalista e documentarista. Daniela é finalista do curso de Medicina na Bulgária. A primeira tornou-se, este ano, a estudante pioneira oriunda de São Tomé e Príncipe a conseguir frequentar o curso de cinema na Escola Internacional de Cinema y Televisão de San Antonio de los Baños, em Cuba (EICTV), uma das mais prestigiadas instituições de ensino no mundo, depois da que está localizada na Alemanha e a do Canadá.
Daniela deverá ser, em breve, a primeira são-tomense a formar-se em Cirurgia numa universidade búlgara.
Ambas estão a pagar a escola com dinheiros próprios, mas a falta de condições para continuar a custear as despesas dos cursos levou-as a fazer peditórios nas redes sociais, pois correm o risco de, até ao final deste ano, verem cerceado o sonho de se formar longe de casa.
A estória de vida de Teodora Martins cruza-se com o próprio enredo que a cineasta escreveu no seu trabalho de fim de curso de licenciatura em jornalismo que fez na Universidade Eduardo Mondlane (UEM) em Moçambique e que resultou num documentário televisivo intitulado “Marcas do Desterro”. O filme retrata parte da história que faz a ponte entre o passado colonial e o presente, através de estórias de vida de gente com voz, cuja visibilidade permite perceber o impacto da atual situação dos moçambicanos deportados para São Tomé e Príncipe, entre 1947 e 1961.

Quando há quase uma década Teodora Martins beneficiou-se de uma bolsa de estudos para fazer a licenciatura em jornalismo na Escola de Comunicação e Artes na UEM, na capital moçambicana, Maputo, uma vizinha de origem de cabo-verdiana, que reside em São Tomé e Príncipe, teve conhecimento da viagem e fez-lhe um pedido sincero que esperava fazer a alguém desde a mocidade.
“Ela pediu-me para que a ajudasse a encontrar um filho que teve com um moçambicano que trabalhou numa das roças em São Tomé e Príncipe durante o período colonial”, afirmou ao jornal É@GORA Teodora Martins, que até então esperava que no regresso ao país ao fim de quatro anos de curso fosse apenas jornalista.
Teodora Martins conta que ainda na época colonial, a vizinha cabo-verdiana conheceu um jovem natural de Moçambique, que depois da independência das ex-colónias portuguesas, nos meados da década de 70, abandonou as roças de São Tomé e Príncipe e regressou ao país de origem, deixando, no entanto, uma garantia à mulher: a de que ia se organizar e, de seguida, convidaria a sua amada para partilharem o resto das suas vidas na então Lourenço Marques.
A mulher – na altura grávida de três meses de uma menina que mais tarde veio a ser freira – aceitou a proposta. Mas essa foi apenas uma das duas propostas lançadas pelo então parceiro. A outra foi a de o moçambicano levar consigo para o que é hoje Maputo o filho que ambos que nasceu roças. O rapaz tinha na altura dois anos de idade. Mas a promessa de regresso nunca se cumpriu. A mulher teve que cuidar sozinha da filha que veio a nascer quando o pai e o irmão já estavam em Moçambique. Mais: ainda teve que aguentar com outros filhos de relações que teve anteriormente e que o moçambicano, que nunca mais voltou, garantiu que assumiria a paternidade.
Mas os dados que Teodora Martins teve acesso durante a conversa com a mulher cabo-verdiana antes de partir para Moçambique serviram para localizar o filho que ficou separado da mãe quase cinco décadas.
Quando o encontrei “ele tinha 49 anos e o pai 70 e tal anos”, disse, Teodora Martins, que volvidos quatro de licenciatura decidiu transformar a história no seu trabalho de fim de curso.
“Através deste fato, foi possível chegar à história dos deportados, que ainda estão vivos, e seus descendentes, resgatando parte deste passado para melhor compreender as grandes injustiças que primeiro o Estado colonial português, depois o Estado moçambicano e ainda o Estado português democrático protagonizaram contra essas pessoas, até hoje quase que completamente negligenciadas por parte das autoridades públicas”, escreveu mais tarde Teodora Martins no resumo da monografia que teve 18 valores, a melhor nota até aqui registada no curso de jornalismo na UEM para projeto baseado na cadeira de Telejornalismo.
“Em São Tomé e Príncipe estes casos são comuns. Esse não é único”, garante Teodora Martins numa entrevista telefónica ao jornal É@GORA, a partir da capital cubana, Havana, sobre o documentário, cuja realização contou com dois momentos emblemáticos: o primeiro, em que dá a conhecer os contornos da localização do filho que ainda vive em Maputo com o pai, e, o segundo, o reencontro entre mãe e o filho, em São Tomé e Príncipe, quase cinco décadas depois da separação.
O trabalho de pesquisa que durou mais de dois anos e o sucesso do filme não só criou gosto da realizadora pela área do cinema, como também resultou no convite por parte da Escola de Comunicação e Artes na UEM para que a jornalista integrasse o corpo docente daquela instituição, onde passou a lecionar a cadeira de Telejornalismo, atividade que exerceu durante alguns anos até partir para Cuba.
Em Maputo, “consegui uma bolsa para fazer o mestrado em Direitos Humanos, Democracia e Boa Governação na Universidade Técnica de Moçambique (UDM)”, conta a cineasta, que, entretanto, há um ano decidiu voltar à sua área de formação de base e ganhar novas competências profissionais na EICTV, em Cuba, onde presentemente é a única estudante africana a fazer o curso de especialização com a duração de três anos.
Dificuldades
Contudo, desde o início do mês de agosto Teodora Martins enfrenta problemas financeiros, pelo que teve que lançar uma campanha de “crowdfunding” para conseguir pagar o segundo ano de formação na EICTV.
São agora cinco mil euros que faltam àquela que é a única são-tomense realizadora de projetos de documentários com formação superior na área para continuar a estudar na importante escola de cinema em Cuba, que cobra 15 mil euros pelos três anos de curso, na verdade, um valor mais baixo e que é aplicado especialmente para os estudantes africanos.
“Atualmente temos somente 29% do total arrecadado e restam-nos 39 dias para alcançar a meta. O ideal seria conseguir que quantias consideráveis fossem doadas nos próximos dias”, refere a docente sobre a campanha que está a desenvolver “online” com ajuda de amigos.
Mas nas redes sociais há uma outra campanha que partiu da Bulgária e que foi usada para ilustrar a difícil situação da diáspora estudantil são-tomense espalhada pelo mundo inteiro, num recente encontro de Jorge Bom Jesus, primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe, com a comunidade daquele Arquipélago residente em Portugal.
O caso de Daniela Vaz D´Almeida, a estudante que começou a ver o seu sonho de ser médica desfazer-se, a partir do dia em que lhe chegou um aviso inesperado do banco dando conta de que já não mais iria conceder crédito a estudantes, incluindo à própria são-tomense que aguardava pelos restantes oito mil euros para conseguir pagar o último ano do curso de Medicina naquele país do sudeste europeu.

“No ano passado, em outubro, o banco anunciou que já não pode dar empréstimos e que não pagaria o último ano. A minha propina é de oito mil euros por ano. Fiquei desesperada e bastante frustrada sem saber como encontrar esta quantia”, disse Daniela Vaz D´Almeida, em declarações à Rádio Somos Todos Primos (RSTP).
Garantias do PM são-tomense à diáspora
O jornalista são-tomense Josimar Afonso, residente em Portugal, foi quem divulgou amplamente o caso da Daniela Vaz D´Almeida nas redes sociais e expôs o assunto diretamente ao primeiro-ministro de São-Tomé e Príncipe, no recente encontro que o chefe de governo do Arquipélago manteve em Lisboa com a comunidade residente em Portugal.
Na sua intervenção na reunião, Josimar Afonso responsabilizou alguns colaboradores de Jorge Bom Jesus por alegadamente fornecerem informação “de forma seletiva” ao chefe de governo são-tomense, que nunca respondeu a diversos apelos feitos pelos promotores da campanha em prol da Daniela Vaz D´Almeida.
“Como é que as informações chegam até si de forma seletiva?”, questionou Josimar Afonso ao primeiro-ministro.
Em declarações ao jornal É@GORA, o jornalista justificou a sua participação na campanha de angariação de fundo visando apoiar a estudante são-tomense com a necessidade de todos terem que demonstrar algum “gesto de solidariedade” em situações de género.
“No fundo nós, a RSTP, abraçamos a causa imbuído no espírito de solidariedade para com uma filha da terra e irmã. Além disso, a história da Daniela é super inspiradora e demonstra que ela é uma batalhadora que tudo tem feito para realizar o seu sonho”, afirmou Josimar Afonso.
Reagindo ao apelo lançado na reunião com a comunidade são-tomense na diáspora e líderes associativos em Portugal, Jorge Bom Jesus garantiu que iria colocar o caso da dificuldades financeira dos estudantes na diáspora ao Conselho de Ministro, mas lembrou que, em São Tomé e Príncipe, “o Estado normalmente concebe políticas vendo o coletivo” populacional.
“O Estado normalmente concebe políticas vendo o coletivo. Esses casos pontuais tentaremos dar a nossa atenção. Vou mobilizar o governo, colocarei o problema no Conselho de Ministros para que possamos encontrar um fundo. Possivelmente não será a totalidade perante os ingentes problemas que temos, mas o governo dará também a sua quota parte. Eu assumo aqui já essa responsabilidade”, assegurou o primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe. (MM)