“É necessário extinguirmos empresas de trabalho temporário” – líder sindical de trabalhadores Call Center

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Danilo Moreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Call Center (STCC)

Manuel Matola

O luso-cabo-verdiano Danilo Moreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Call Center (STCC), é operador numa linha de atendimento a clientes há quase duas décadas, mas continua a receber o ordenado mínimo. Hoje: 705 euros/mês. Foi contratado por via de uma empresa de trabalho temporário, como muitas que funcionam em regime de outsourcing. É através desta que vários “trabalhadores basicamente ficam com ordenado mínimo ad aeternum e não há progressão salarial”, diz Danilo Moreira em entrevista ao jornal É@GORA dias depois de o primeiro-ministro, António Costa, ter reconhecido que “persistem níveis intoleráveis de pobreza laboral” em Portugal. Futuramente, o sindicalista pretende abraçar vários desafios visando lutar contra a precaridade laboral pelo que adianta: “Uma das soluções era acabar com as empresas de trabalho temporário” que também empregam diversos imigrantes. Confira.

Qual é a grande preocupação e quais os desafios dos sindicatos em relação aos imigrantes?

A questão dos imigrantes muitas vezes começa logo na documentação: para trabalhar é preciso documento e para arranjar documento é preciso estar a trabalhar. E começa logo aí numa fragilidade que se perpetua na comunidade imigrante ainda mais do que os restantes cidadãos. Os sucessivos governos não estão preocupados em regulamentar essa situação porque eles querem que continuem várias formas de precaridade laboral e uma delas tem a ver com a economia circular e o trabalho não declarado e o trabalho não declarado e faz com que essas pessoas mais fragilizadas acabem muitas vezes por abdicar da reivindicação dos seus direitos.

O que pode apontar em termos de realidade daquilo que aconteceu desde a eclosão da pandemia a essa parte?

Os imigrantes tal como outras pessoas mais fragilizadas foram das que mais sofreram com a questão da pandemia. Por exemplo, pessoas que estavam a desempenhar cargos de outra natureza não tiveram acesso ao teletrabalho, ao isolamento ao passo que estes trabalhadores continuaram a laborar durante o tempo do confinamento inclusive sem condições de higiene e segurança. Na altura até havia escassez de detergentes, máscaras, ficando mais expostos ao (vírus) desconhecido. Por outro lado, houve os que ficaram sem emprego – muitas vezes podia ser trabalho declarado porque não havia forma de o fazer devido à questão da legalização – pelo que acabaram por nem descontar impostos e por conseguinte nem ter proteção social. Certamente estas pessoas tiveram algum apoio de organizações, ainda assim era uma coisa perfeitamente escusável mas foram os mais afetados.

Neste momento temos o Partido Socialista (PS) com uma maioria absoluta no Parlamento. Qual é a responsabilidade dos socialistas e o que se pode esperar deste partido para a imigração. Aliás, o primeiro-ministro, António Costa, reconheceu há dias a existência de precaridade laboral em Portugal…

Pessoalmente não espero muito deste governo [parlamentar]. Acho que para as coisas mudar tem a ver com saída à rua. As organizações, os coletivos e a sociedade juntar-se e fazerem pressão. Aqui há alguns anos o nosso sindicato foi único que esteve envolvido na campanha por uma outra lei da nacionalidade – na época da Geringonça do qual o PS fazia parte – em que foram feitos alguns avanços, ainda assim há coisas que estão pendentes. Por outro lado, há a questão de estudos étnicos raciais que têm sido adiados sistematicamente para não se fazer nada. Na Geringonça o PS era o que tinha mais peso e não foi por aí que as coisas ficaram resolvidas. De facto, eu não tenho muita esperança tanto é que é preciso que os coletivos, os sindicatos e as pessoas se mobilizem porque se dependermos deste tipo de governos que têm estado no poder cá em Portugal pouco ou nada vai acontecer. É com mobilização e reivindicações de forma consistente que vamos conseguir avançar.

Já nasceste em Portugal, certo? Não estás na condição de apátrida como alguns afrodescendentes?

Eu vivo em Portugal desde os quatro meses de idade, em 1976. Na altura o processo de legalização era diferente. Quando houve alteração [da Lei da Nacionalidade em 1981] muitas pessoas que já acabaram por nascer cá ficaram excluídas o que inclusive acaba por fazer com que alguns não consigam estudar, ter acesso a outro tipos de empregos e com preocupações mais imediatas de tentar sobreviver.

E qual é o papel dos sindicatos perante pessoas que provavelmente venham contactar por estarem nessa condição?

Acaba por ser um pouco complicado porque muitas vezes as próprias pessoas com a situação da fragilidade documental acabam por nem sequer procurar os sindicatos. Até mesmo para se fazer uma denúncia, às vezes, acaba por ser complicado. De qualquer das formas há estratégias sindicais que já utilizamos, seja através de denúncias ou fazer pressão e mesmo até tentar ter inspeções. Há formas sindicais que ajudam a resolver algumas coisas e temos conseguido alguns resultados, embora no nosso setor em particular a parte de imigrantes seja uma parte residual. Ainda assim acontece, mas é um pouco difícil porque os próprios trabalhadores muitas vezes sentem receio de fazer alguma denúncia. Mas é uma tarefa que devia ser feita.

Uma das questões que tem sido levantada é a necessidade de haver melhores ordenados. Houve recentemente um reajustamento. Numa das suas intervenções passadas na televisão, o Danilo dava conta de que está num call center há muito tempo mas continua a auferir o salário mínimo. O que está a acontecer para não haver este ajuste, acima de tudo o crescimento dentro das instituições?

A questão é que cá em Portugal há uma série de empresas de trabalho temporário e outsourcing em que os trabalhadores basicamente ficam com ordenado mínimo ad aeternum e não há progressão salarial. Mesmo nas empresas onde há contratação coletiva esses trabalhadores por norma estão excluídos desta contratação coletiva.

“Tem que haver democracia sindical”

É seu caso?
É o meu caso e o de muitos trabalhadores. De qualquer das formas aqui também há uma negligência do Estado, porque Portugal é o terceiro país da União Europeia com mais trabalhadores temporários e o próprio que diz lutar contra a precariedade é ele quem aloca até aos serviços do Estado o trabalho temporário. É necessário extinguir essas empresas que só estão aqui para evitar contratações diretas e fazer com que este tipo de situações perpetuem ad aeternum. Mas o próprio Estado é conivente com esta situação.

Há dias o primeiro-ministro reconheceu a existência de precaridade laboral: [“Mas não podemos ignorar que vivemos numa sociedade onde, apesar do salário mínimo nacional ter aumentado 40% e estar hoje, claramente, acima do limiar de pobreza, persistem níveis intoleráveis de pobreza laboral, cerca de 10% de quem declara rendimentos do trabalho está abaixo do limiar de pobreza”, afirmou António Costa, no Porto, na abertura do Congresso Nacional da Rede Europeia Anti-pobreza]. O que este discurso indicia?

Não baste haver o reconhecimento da precariedade em Portugal. Primeiro temos que acabar com estas empresas de trabalho temporário e o falso outsourcing. Depois, tem que se melhorar a parte da legislação, dar mais poderes aos sindicatos através da negociação coletiva porque é insuficiente dar mais reforços à autoridade para as condições de trabalho quando a própria lei faz com que os serviços fiquem sobrecarregados. E mais: a própria atuação do ACT [Autoridade Para as Condições de Trabalho] e do Ministério do Trabalho tem que deixar de ser muitas vezes uma ação de conciliação e em casos flagrantes haver coimas para dissuadir as empresas que estão a prevaricar porque elas sentem que há uma espécie de impunidade de que o crime compensa até porque quando são detetadas irregularidades são apenas alertados para resolver numa, duas ou três semanas quando deviam ser autuadas por estarem em casos de incumprimento da lei. Casos muitos simples. Há coisas que são explicitamente ilegais mas que tanto ACT como o Ministério do Trabalho são muitos condescendentes. Em suma, uma das soluções era acabar com as empresas de trabalho temporário, depois a questão de contratação coletiva, caducidade que não faz sentido haver esta situação e, depois, adotar métodos de fiscalização não de aviso mas mais de autuar quando os casos se justifiquem.

Quais são as grandes prioridades dos sindicatos para este ano?

Uma delas é consciencializar os trabalhadores de que há vários problemas e que é importante haver união dos trabalhadores e organizados com sindicatos que igualmente tem que fazer lutas intersectoriais no sentido de também fazerem trabalho conjunto para tentar mobilizarem mais pessoas e serem mais democráticos no sentido de escutarem os trabalhadores, as suas pautas e consoante isso atuarem para ser uma coisa mais consistente. Os trabalhadores têm que se sentir escutados. Tem que haver democracia sindical. Muitas vezes o que se passa no mundo sindical é que há estruturas que são hierárquicas – não estou a falar do nosso – e que os trabalhadores não se veem nas pautas e nem se sente escutados. (MM)

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