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Manuel Matola
A deputada do Bloco de Esquerda, Beatriz Gomes Dias, e duas responsáveis por associações pró-imigrantes consideram que os estrangeiros com processos pendentes no SEF devem continuar a ter a situação regularizada em Portugal no pós Covid-19.
“É super importante fazermos pressão política para que esta situação fosse estendida no tempo (após 30 de junho) e permitissem regularizar a situação de todas aquelas pessoas imigrantes que estão em Portugal”, disse Beatriz Gomes Dias.
A deputada falava num debate transmitido em direto na página oficial do Bloco de Esquerda, que juntou na noite de terça-feira a ativista da Solidariedade Imigrante, Anabela Rodrigues, e a presidente da Casa do Brasil de Lisboa, Cyntia de Paula.
Enquanto moderadora do programa bissemanal intitulado “Ao encontro”, com duração de uma hora, Beatriz Dias lembrou que o despacho do Conselho de Ministros é claro quanto a vigência do diploma que vem garantir novos direitos a todos os cidadãos estrangeiros com processos pendentes no SEF: a medida “é temporária e excecional”.
“Quer dizer, é como se o tempo tivesse parado”, enquanto “essas pessoas não têm a emissão do seu título de residência, mesmo naqueles processos que estavam mais avançados. Depois, quando o período de emergência terminar, então os processos são retomados e as pessoas recebem o seu título de residência” do Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF), disse a deputada.
Uma situação que, na verdade, “assusta” Anabela Rodrigues da Solidariedade Imigrante, uma associação que congrega 98 nacionalidades, porque, para já, os imigrantes sem documentos válidos, que passaram a ter o estatuto de pendência processual alterado devido à Covid-19, só têm o tal direito de acesso os serviços públicos assegurado provisoriamente.
“Nós ainda não estamos no patamar da igualdade” e a data “30 de junho `assusta-nos`. Mas estamos preparados para a luta. Não pode ser até 30 de junho”, insistiu Anabela Rodrigues, que, de seguida, propôs: o SEF “deve, pelo menos, utilizar este tempo para despachar os processos que estão lá pendentes” que é para já no dia 01 de julho o imigrante que se deslocar à polícia migratória não se deparar com problemas, nomeadamente, não ver a sua situação resolvida, ou na data ter que ser exigido “mais documentos”.
“Isso não deveria ser até 30 de junho. É uma medida que devia ser prolongada. Os imigrantes deviam estar no mesmo patamar de direitos que o cidadão português”, defendeu Anabela Rodrigues, num debate centrado na questão da Imigração e direitos em tempo de pandemia.
A ativista pro-imigração assinalou que “o despacho não diz o que irá acontecer depois de 30 de junho” e “para quem estava à espera há seis meses (de um atendimento), percebe-se que a pandemia depois vai ser um pandemónio mais tarde”.
Já a presidente da Casa do Brasil em Lisboa descreveu a medida como de difícil compreensão, porquanto não se pode “considerar as pessoas sujeitos de direito num período e depois retirar esses direitos adquiridos noutro período”.
Para Cyntia de Paula “é óbvio” que a medida “foi necessária” até porque “não haveria outra forma de ter sido feita, tendo em conta que grande parte das pessoas que estavam à espera de regularização junto do SEF já contribuíam para a Segurança Social”.
Aliás, “teria sido algo discriminatório e desigual se não tivesse sido criada uma medida dessa forma”.
Mas, “obviamente”, o despacho Despacho do Ministro da Administração Interna (Despacho n.º 3863-B/2020 de 27 de março) que regula temporariamente os imigrantes “não é uma medida que cobre todas as questões”.
“E aqui nós temos várias preocupações, sobretudo, das pessoas que não conseguiram dar entrada nos seus processos”, disse Cyntia de Paula, para quem esta era uma oportunidade para o governo ir “mais além” e proceder à regularização, “de facto, de um grande número de migrantes”.
“Outra questão que acho que perdemos a oportunidade de irmos mais além era a emissão de título de residência pelo menos para as pessoas de trabalho independente e subordinado que já tinham os seus processos pré-aprovados no sistema do SEF e que apenas estavam à espera da marcação – muitas até já tinham – para novamente apresentarem os documentos e assim serem emitidos títulos de residência”, disse a responsável da Casa do Brasil em Lisboa.
De resto, “no nosso ponto de vista poderia ter sido regularizado de facto um grande número de migrantes e não nessa regularização que é temporal”, no entanto, “parabenizamos a medida”, disse Cyntia de Paula.
“É uma medida que pretende combater um pouco da desigualdade, mas ela não é suficiente, porque exclui. E enquanto tivermos medidas que não incluem todas as pessoas nós continuaremos a questionar”, disse.
Impacto socioeconómico
Além de o decreto do Conselho de Ministros deixar muita gente de fora, sobretudo, os imigrantes que ainda não tinham iniciado o seu processo de regularização no SEF, as intervenientes na conversa chamaram atenção para a necessidade de auxílio “dos que estão em situação de trabalho informal”.
No debate em que o trio discutiu o impacto económico e social da Covid-19 na população imigrante em Portugal, a deputada do Bloco de Esquerda assegurou que “muitos dos imigrantes se encontram numa situação de grande vulnerabilidade”, especialmente, depois da eclosão do coronavírus que provoca a doença Covid-19.
Mas foi a presidente da Casa do Brasil em Lisboa, instituição que responde pela maior comunidade imigrante em Portugal, quem deu os primeiros exemplos ilustrativos dos efeitos do encerramento dos serviços na população estrangeira residente no território português.
Além de dificuldades de acesso aos apoios sociais da parte dos que não conseguiram reunir documentos, também há “pessoas completamente sem rendimentos porque os restaurantes fecharam”, denunciou a responsável.
“Este grupo que nós identificamos como necessário de serem incluídos nos discursos políticos e nas medidas são as muitas pessoas que estão na restauração, trabalho doméstico ou mesmo na construção civil, setores que histórica e tendencialmente incluem pessoas migrantes”, disse Cyntia de Paula referindo-se aos brasileiros que contactaram a sua instituição a pedir ajuda.
Anabela Rodrigues lembrou, entretanto, que além de empregadas de limpezas, alguns dos quais “perderam emprego” na sequência da atual crise, há no universo de imigrantes que trabalha na agricultura “homens e mulheres” que já eram vítimas de violações dos direitos laborais e que agora enfrentem um novo dilema pela natureza do trabalho.
As condições em que trabalham “não permitem” o isolamento social que foi imposto pelo governo, exemplificou a ativista da Solidariedade Imigrante.
Apesar de a suspensão do estado de limbo em que se encontravam os imigrantes ter sido bastante mediatizada, os efeitos da crise resultante da atual situação poderá relançar no pós Covid-19 um novo debate com implicações sobre os imigrantes: o crescimento da extrema-direita.
E para fazer face a eventual onda xenófoba, Cyntia de Paula considera “fundamental” reconstruir-se o discurso de imigração, um exercício que para Anabela Rodrigues passa, também, por lembrar que “há pessoas invisíveis” que atualmente estão “neste processo de ajuda” de combate a Covid-19, fazendo limpeza nos hospitais e que mesmo assim “a extrema-direita não vê“: homens e mulheres imigrantes.
Mas tanto para esse quanto outros problemas relacionados com a imigração, “a resposta tem que ser multidimensional”, defendeu, entretanto, a deputada Beatriz Gomes Dias. (MM)