Manuel Matola
As recentes eleições presidenciais na Associação Cabo-verdeana (ACV) em Lisboa ainda não têm um desfecho e o diferendo que opõe as duas listas concorrentes pode mesmo acabar em tribunal caso a comissão eleitoral decida anular o escrutínio, ou manter o polémico resultado de um voto de diferença obtido por Filomena Vicente no dia 24 de outubro.
A ACV é a maior comunidade imigrante lusófona africana em Portugal e, politicamente, a mais importante, pois, em período eleitoral, serve como organização charneira e rampa para os partidos políticos, quer os ideologicamente de Esquerda ou da Direita, irem captar votos juntos dos imigrantes com cidadania e afrodescendentes com direito de voto no território português.
Em declarações ao jornal É@GORA, o advogado Miguel Fortes, mandatário da lista F, que obteve 53 votos, contra os 54 da lista B, num universo de 133 votantes (22 nulos dos quais considerados nulos e quatro em branco), disse que, na sexta-feira passada, o seu candidato apresentou uma reclamação formal à Comissão Eleitoral, que tem até oito dias para se pronunciar.
De acordo com Miguel Fortes, o candidato Lesses Ulisses Cardoso, que preside a lista F, espera que aquele órgão delibere no sentido de anulação do escrutínio porque alegadamente ficou marcado por “várias ilegalidades”.
Entretanto, num breve contacto esta segunda-feira com Filomena Vicente, a candidata da Lista B disse ao jornal É@GORA que espera o contrário: que se respeite o resultado saído das eleições de há uma semana que lhe deu vitória. Contudo, prometeu uma reação oficial e detalhada para mais tarde, após o pronunciamento da Comissão Eleitoral.
“Até a presidente da Comissão Eleitoral falar nada mais podemos dizer. Nós estamos à espera da resposta” daquele órgão que dirime os conflitos eleitorais, disse Filomena Vicente.
Numa longa conversa com o jornal É@GORA no domingo, Miguel Fortes assegurou que a lista F está disposta a levar o caso ao tribunal, caso não se respeitem a vontade dos eleitores e os estatutos da Associação Cabo-verdeana, que em meio século de existência “pela primeira vez” organiza umas eleições contestadas por um dos candidatos.
“Esperamos que a comissão eleitoral declare nulas para que se repitam as eleições”, uma forma de também “apaziguar a ACV” porque os membros que integram uma das duas listas concorrentes contestam o resultado de escolha de novos órgãos sociais da Associação Cabo-verdeana, disse Miguel Fortes.
“Um voto não decide uma eleição”, considerou o jurista, que, no entanto, garantiu que a lista F vai “acatar o que for decidido pela Comissão Eleitoral”, mas lembrou que para já aguarda também a deliberação da impugnação submetida à Assembleia Geral.
Anteriormente, a lista F impugnou a lista B junto da Assembleia-Geral por discordar da sua composição.
Se necessário, “vamos ao tribunal”, disse o advogado Miguel Fortes que deu conta das várias irregularidades ocorridas desde o início do processo.
De acordo com os estatutos da Associação Cabo-Verdeana, a eleição dos corpos gerentes realiza-se no mês de janeiro, mas várias razões, incluindo a situação pandémica, ditaram os sucessivos adiamentos até à definição de uma data: 24 de outubro.
Segundo Miguel Fortes, após o arranque formal do processo foram feitos muitos arranjos ao que está definido nos estatutos da própria organização, nomeadamente a indicação de um dos sócios “neutros” presentes no dia de votação para dirigir o processo, isso devido à indisponibilidade do Presidente da Mesa da Assembleia Geral, e dos substitutos legítimos, que não estão em Portugal ou estiveram impossibilitados de participar por razões várias.
Segundo os estatutos, o escrutínio é dirigido “pela respetiva Mesa, sendo esta composta por um Presidente, um Vice-presidente, um Secretário e um Suplente. Na falta do Presidente e do Vice-presidente, será a Mesa dirigida pelo sócio mais antigo, presente na reunião. No caso do sócio indigitado se escusar cabe à Assembleia Geral escolher um dos sócios presentes”. Foi o que aconteceu.
Outra contestação apresentada prende-se com a disposição das fotos nos boletins de voto, o que poderá ter induzido alguns eleitores em erro. Ao invés de a imagem dos candidatos ter ao lado um único quadrado para se colocar a cruz, desta vez a imagem aparecia de forma pouco habitual: ambos candidatos tinham os seus retratos ao lado de dois quadrados com as seguintes indicações: Nome e foto do candidato e os quadrados com respostas “sim” ou “não”.
Às eleições para os órgãos sociais da Associação Cabo-verdeana relativamente ao biénio 2020-2022 concorreram a lista B, de Filomena Vicente, e a lista F, de Lesses Ulisses Cardoso, que, entretanto, acusam a primeira de violar os estatutos da associação.
A candidatura de Lesses Ulisses Cardoso considera que a lista de Filomena Vicenta está impor a “multiculturalidade na associação”, ao integrar para além dos seis cabo-verdeanos, quatro portugueses, um tunisino, um alemão, moçambicano, guineense, angolano para fazerem parte dos órgãos sociais ao arrepio dos estatutos.
No Artigo 19º que define as condições do exercício dos cargos sociais, os estatutos preveem que “os órgãos sociais eleitos devem ter como titulares um mínimo de dois terços de sócios cabo-verdianos”.
A esse propósito, Filomena Vicente assegurou ao jornal É@GORA que a sua lista “não viola” os estatutos.
“Estamos dentro das normas dos estatutos”, garantiu.
Mais: o mandatário da lista F disse que dos seis cabo-verdeanos que integram a candidatura de Filomena Vicente, há uma que eventualmente não conseguiu provar a sua filiação à Associação Cabo-Verdeana, pelo que é acusada de ser de origem angolana – a candidata à vice-presidente da lista B, cujo número de inscrição apresentado no ato de eleição coincidiu com o de uma cabo-verdeana desempregada, que é membro número 1380, segundo uma foto exibida ao jornal É@GORA por Miguel Fortes.
Reagindo, Filomena Vicente remeteu essa reclamação e o devido esclarecimento à secretaria da Associação Cabo-Verdeana, afirmando: “Se alguém fez um mau trabalho não fomos nós. Há haver um erro terá sido da parte da Associação”.
Um dia antes das eleições naquela organização cinquentenária, portanto, “no dia 23 de outubro, impugnamos a lista B por não respeitar os estatutos da ACV”, no que respeita a essa e outras situações anómalas detetadas, contou Miguel Fortes, que afirma estar-se perante um “processo viciado, propositadamente” para dar vitória à candidata Filomena Vicente.
“O arranjo” feito com ajuda da “secretária” da atual direção cessante “foi determinante para se chegar aqui”, afirmou Miguel Fortes, sentenciando:
“Levando em conta a impugnação, a reclamação que fizemos e não havendo ata de vencedor, nem edital, o processo foi inconclusivo”, concluiu. (X)