A criadora de moda, Nérida Batista Fonseca, inaugurou em Lisboa a loja B&F (Batista & Fonseca), mas quer expandir a nível global o Pano de Pinte, um colorido tecido que é um dos patrimónios culturais guineense.
A abertura da loja, no dia em que foram veiculadas notícias de uma eventual crise político-militar, veio servir de contraponto, na medida em que mostra ao mundo que a Guiné-Bissau é muito mais do que a política e os seus atores políticos.
“Não posso ficar à espera da estabilidade na Guiné-Bissau para empreender. Tenho que enfrentar essas dificuldades e seguir em frente”, diz ao jornal É@GORA a empresária guineense que, nesta sexta-feira, abriu a sua primeira loja na capital portuguesa.
Acompanhe a entrevista conduzida por Sona Fati, autora do blog Notes de Beauté, no âmbito de uma parceria com o jornal É@GORA visando à promoção da moda produzida, especialmente, pela comunidade imigrante em Portugal.
O que motivou a abertura de uma loja cá em Portugal?
O que me motivou, em primeiro lugar, é poder expandir o pano de pinte, porque é muito importante para a nossa cultura. Estou a falar da Guiné-Bissau. É um dos mais valiosos patrimónios que temos em termos de cultura e achei que seria uma pena se ficasse limitado só a uma Guiné-Bissau. Depois de todo o trabalho que fiz durante os últimos sete anos, achei por bem começar por dar esse passo de divulgação e fazer com que as pessoas se sintam mais atraídas a utilizarem o pano de pinte.
E a divulgação que faz poderia ser na forma tradicional como ela aparece, porque o pano de pinte aparece numa espécie de faixas. Mas, a Nérida decidiu aplicá-la na moda. Por que teve essa escolha?
Eu tive essa escolha porque a utilização tradicional que fazemos já foi feita durante muitos anos. Eu tive a ideia de inovar para que seja mais utilizada ainda, porque eu vi no pano de pinte um grande potencial e achei que é um desperdício ser utilizado só da forma como estava sendo utilizado antes de eu começar esse trabalho.
Normalmente, as marcas veem para Portugal para fazerem desfiles, apresentam-se, dão-se a conhecer e vão embora. A marca Batista & Fonseca não: esteve na Feira Internacional de Lisboa uma vez só e, a segunda vez, abriu uma loja. Além do desejo de expansão da marca Batista & Fonseca, de onde vem essa coragem?
Vem do espírito do empreendedorismo que tenho, porque significa arriscar, assumir os riscos, ir em frente.
Esse risco é suportado por algum tipo de entidade da Guiné-Bissau?
Infelizmente, não. É suportado unicamente por mim, digamos, pela minha equipa.
Sem querer falar propriamente da política, sabemos o impasse que está na Guiné Bissau. O expandir a marca Batista & Fonseca começando por Portugal também é um sinal para mostrar ao mundo que Guiné-Bissau é muito mais do que a política e os seus atores políticos?
Exatamente. O país não pode ficar parado, os guineenses não podem ficar parados pelo simples motivo de haver desentendimento entre os políticos. A vida continua, todos nós somos chamados a dar a nossa contribuição para o bem-estar do nosso povo e do nosso país. Então, não podemos ficar sujeitos às discussões políticas. Eu sou empreendedora e tenho que saber lidar com isso. Não posso depender de quem está no poder ou de quem vai estar no poder. Então, o empreendedorismo tem de estar de pé, seja como for.
Tem que ser livre na sua tomada de decisão…
Tem, apesar de muitas vezes ser afetado pela instabilidade (aliás), isso faz parte. Temos que continuar a batalha (sobretudo) num país como nosso que vive constantemente em polémicas políticas e em problemas. Não podemos esperar até que isso se resolve para começarmos a dar passos. É com muita dificuldade que eu consegui chegar aqui, mas tinha que ser, devia fazer e fiz. Não posso ficar à espera da estabilidade na Guiné-Bissau para empreender. Tenho que enfrentar essas dificuldades e seguir em frente.
Além da Guiné-Bissau e Portugal, a marca Batista & Fonseca está em algum outro país?
Ainda não, Bem, sim e não, porque estamos inscritos na Câmara de Comércio da Finlândia, mas ainda não estamos no mercado finlandês verdadeiramente dito, porque ainda não fizemos nenhuma atividade comercial nessa zona. Mas o certo é que estamos com esperança de ainda este ano chegarmos ao mercado finlandês.

Os primeiros passos já foram dados nesse sentido?
Sim. O primeiro passo é a inscrição na Câmara do Comércio da Finlândia. Ter sido aceite lá é um grande passo para nós. Para quem sai de uma realidade como a nossa na Guiné-Bissau, estar inscrito nessa Câmara do Comércio significa muita coisa. O passo a seguir que tínhamos programado era o de estarmos presentes em Lisboa, porque nos vai servir de ponte para o resto do mundo.
Em termos de formação e inspiração para os que estão na Guiné-Bissau, a empresa tem algum núcleo de formação para auxiliar, nomeadamente, jovens para também terem iniciativas e enveredarem pelo empreendedorismo?
Na verdade, nós optamos por fazer ações sociais. Neste âmbito criamos um ambiente de capacitação de jovens para partilha de experiências e também pequenas formações para os orientar a se tornarem independentes financeiramente, uma forma de apoio aos jovens para adquirirem essa mentalidade de como se desenrascar mesmo estando no país onde estão.
A Nérida vai ficar por Portugal, ou vai estar a viajar entre Portugal e Guiné-Bissau?
Vou estar a viajar entre Portugal e Guiné-Bissau, pois tenho uma empresa lá. Só venho cá por causa da loja.
Em Portugal tem se visto outros estilistas a utilizarem pano de pinte nas suas coleções. A Guiné-Bissau corre o risco de ver o seu património nacional ser tomado por outras culturas sem que seja capaz de o proteger, uma vez que não está inscrito como Património da Humanidade, à semelhança, por exemplo, da Morna em termos de cultura? Há alguma ação nesse sentido? O que pensa sobre isso?
Para ser sincera, este é um dos medos que eu tenho porque se isso acontecesse deitaria abaixo todo o esforço que eu fiz durante os últimos sete anos na divulgação do pano de pinte, na sua valorização e seria uma perda enorme não só para mim, mas para todo o país porque o pano de pinte tem um valor cultural imensurável para o nosso país. Então, seria realmente uma grande pena. Mas eu tenho fortes esperanças que isso nunca vai acontecer porque tenho informações de que o atual governo está a trabalhar nesse sentido. Não tem sido feito até agora, mas tenho fortes esperanças que num futuro breve o nosso pano de pinte será aproveitado e isso vai permitir-nos ficar protegidos de qualquer ameaça de ele ser tomado.
Além da Nérida, existem outros estilistas da Guiné-Bissau que usam o pano de pinte no contexto de moda?
Existem. Muitos utilizam, se calhar não na mesma dimensão. Aurora Fashion utiliza, o Alfa Canté utiliza pano de pinte, mas a minha produção é feita, talvez em 96 por cento, à base de pano de pinte.
De roupa a acessórios para casa, mobílias, pois vi aí almofadas decorativas, portanto, é muito abrangente…
Sim, é muito abrangente. Por exemplo, nas roupas, ultimamente, utilizo muito tecido para poder alargar e fazer muito mais modelos à base do pano de pinte, porque a sua natureza não permite muita flexibilidade na criação de roupas. Então, para diversificar o estilo de vestuário, tive que optar por usar diferentes tipos de tecidos, mas a minha produção, como disse, é feita em 96 por cento à base do pano de pinte.
Projetos futuros, com a loja sedeada em Portugal. O que tem em mente?
O passo mais importante já está dado: a abertura da loja. Agora é consolidar a nossa presença em Portugal, dar o máximo para divulgar o que fazemos através de desfiles, exposições. Temos em mente participar não só em eventos organizados (por terceiros), pois nós mesmos vamos começar a organizar eventos ligados à cultura para trazer cada vez mais a cultura da Guiné-Bissau à diáspora.
Então, Batista & Fonseca em Lisboa promete que o nome da Guiné-Bissau terá um outro brilho?
Sim, prometo, sim. É esse o maior objetivo. (X)