Manuel Matola
O Presidente de Portugal Marcelo Rebelo de Sousa será recebido pelo homólogo brasileiro, Jair Bolsonaro, em Brasília, e encontrar-se-á com os antigos presidentes do Brasil Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, em São Paulo, onde participa fim de semana na cerimónia de reinauguração do Museu da Língua Portuguesa. O jornal É@GORA entrevistou Carlos Viana, cofundador da Casa do Brasil em Lisboa, instituição que esta quarta-feira lançou o “Manifesto Portugal denuncia Bolsonaro Genocida”, escrito a várias mãos por diferentes coletivos ligados à comunidade brasileira em Portugal e assinado por 50 personalidades portuguesas solidárias com a atual situação política e sanitária do Brasil.
Qual é a mensagem que a Casa do Brasil gostava que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa passasse ao Presidente Jair Bolsonaro em relação à comunidade imigrante em Portugal?
Porquê?
Porque o governo Bolsonaro sistematicamente destruiu os laços do Estado brasileiro com a sociedade brasileira. Vários fóruns, associações, entidades, enfim, toda a forma de representação da sociedade brasileira foi desprezada pelo governo Bolsonaro que deixou de apoiar e se predispor a dialogar. Isso também a nível da imigração: havia um organismo patrocinado pelo Ministério das Relações Exteriores que também foi desprezado pelo governo brasileiro. O povo brasileiro pode nada esperar do governo Bolsonaro e entre esse povo inclui-se milhões de emigrantes brasileiros pelo mundo. A Casa do Brasil, não sendo uma associação política, orgulha-se de estar com milhares ou centenas de sindicatos e todo o tipo de entidade que se viu no Brasil (dizer) nós estamos na oposição ao governo Bolsonaro (e) participando das manifestações. Portanto, espero que o Presidente Marcelo manifeste a solidariedade de Portugal a um Brasil democrático, onde haja eleições livres e não com ameaças de militares e do próprio Bolsonaro que reiteradamente ameaça até a própria realização das próximas eleições – ele quer que haja mudança para voto impresso quando o Brasil é pioneiro no voto eletrónico com grande qualidade e segurança. E, portanto, a presença de um país amigo, democrata junto a um país como o Brasil sempre pode ser momento positivo para a sociedade brasileira pelo exemplo que Portugal dá aqui na Europa.
A Casa do Brasil irá fazer chegar alguma mensagem formal ao Presidente Marcelo para poder transmitir às autoridades brasileiras?
Não, não está no nosso horizonte isso. Como disse, nós não temos qualquer diálogo com as autoridades brasileiras. Tivemos sempre, mas desde o impeachment da Presidente Dilma, desistimos de dialogar com o Estado brasileiro.
Sentem-se marginalizados, ou há outra palavra que descreve o vosso sentimento?
Os emigrantes brasileiros no mundo são marginalizados porque no fundo são considerados cidadãos sem qualquer importância. As políticas públicas que nós conquistamos – e Casa do Brasil esteve na cabeça de muitas conquistas durante o governo de Lula e Dilma – foram por água abaixo. Ainda há no Ministério das Relações Exteriores brasileiras diplomatas que dão importância e tentam manter uma relação com os brasileiros, o que não é mais do que a sua obrigação, porque são cidadãos de pleno direito e que fazem serviço para a nação brasileira em contraste com o disserviço que faz o Presidente Bolsonaro e o seu antigo ministro das Relações Exteriores que era um desastre completo. O atual é um diplomata mais técnico. Portanto, os emigrantes vão se desenrascando pelo mundo lá fora para sobreviver, integrando-se nas sociedades de acolhimento, o que é muito bom.
Há pouco falou das eleições e da pretensão do Presidente Bolsonaro mudar o sistema de votação. Qual é o grande impacto que isso pode ter para a emigração?
Tem impacto é para a democracia brasileira.
E relativamente à emigração que tem direito de voto?
Qual é a verdadeira situação dos imigrantes brasileiros em Portugal neste momento?
A imigração brasileira em Portugal é um sucesso, de um modo geral. A nível de imigrantes legalizados, são cerca de 170 mil atualmente. Eram 150 mil em janeiro de 2020. Existe um enorme grupo de pessoas que adquiriram a nacionalidade portuguesa, embora sejam imigrantes de origem como eu que há 32 anos adquiri a nacionalidade portuguesa. Portanto, não sou imigrante, mas sou imigrante porque, sociológicamente, os novos nacionais portugueses não deixam de estar no grupo dos imigrantes (risos). Em contrapartida, existe muita gente na compridíssima fila do SEF para dar seguimento aos seus processos. Somos 250 mil, ou seja, 2,5% da população portuguesa que de alguma forma estão ligados à origem brasileira. Agora, é uma comunidade muito heterogénea. Ainda assim, Bolsonaro foi vitorioso aqui na eleição de 2018.
Acha que as pessoas que votaram nele poderão mudar o seu sentido de voto face ao que diz?
Claramente. Eu diria que, pelo menos, uns 20% dos que votaram em Bolsonaro – ele teve 55, 56% – já mudaram o seu sentido de voto. Não tenho dúvidas disso.
Como é que a Casa do Brasil e a emigração no seu todo olham para a possibilidade de mudar essa situação da falta de contacto com as autoridades.
Durante o governo de Bolsonaro não vejo essa possibilidade. De ressaltar também que o Estado não nos procura ao contrário de antigamente, porque eu acho que o Estado é que deve procurar a sociedade. O Estado não está acima da sociedade. Quem fala de Estado fala da embaixada, consulado. A Casa do Brasil sempre teve boa colaboração com o consulado. Eles mandavam casos para a gente ajudar. Hoje, isso existe muito pouco. Ainda existe residualmente. Mas (atenção): a Casa do Brasil é uma associação da sociedade portuguesa. A nossa grande relação é com o Estado português quer a nível nacional, quer local. Portanto, nós não vivemos de olhos para trás, mas para frente. O que nos interessa é a boa integração dos imigrantes aqui. É a nossa grande missão.
Os problemas que a Casa do Brasil tem estado a receber e que eventualmente sejam necessários articular com a embaixada ou o consulado têm tido sucesso, dado que não há uma relação entre a emigração e o governo?
A Casa do Brasil existe basicamente para a questão da integração, quer de legalização, quer de integração no geral. Portanto, eu não estou lá sempre como outros dirigentes, mas sei que alguns problemas são carreados para o consulado. As pessoas reclamam muito dos serviços do consulado, sobretudo, das filas, dificuldades e atrasos dos serviços consulares. É uma reclamação constante. (MM)
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