Entrevista a Marcolino Moco sobre o voto da diáspora “numa nova era” política em Angola

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Foto retirada do Facebook ©

Victor Hugo Mendes*

O antigo primeiro-ministro de Angola Marcolino Moco diz que a diáspora angolana não deve novamente ser impedida de participar nas eleições, porque “numa nova era” do país é de se “esperar outra coisa” do Estado angolano em relação aos imigrantes: dar-lhes o direito de voto nas presidenciais de 2022, as mesmas a que empresária Isabel dos Santos admite candidatar-se.

Se mesmo “países que têm maiores dificuldades financeira não colocam esse problema como uma dificuldade, por que é que nós havemos de continuar assim?”, questiona Marcolino Moco, numa entrevista ao jornal É@GORA, na qual fala da atualidade angolana e do seu reposicionamento político, após anos de desavenças com o ex-Presidente José Eduardo dos Santos, a quem compara ao atual chefe de Estado, João Lourenço, num ponto: são pessoas “introvertidas”, pelo que nessa perspetiva, diz, ambos têm “o mesmo feitio”.
Acompanhe a entrevista:

Como acha que as pessoas o veem perante a nova fase do país?
Dentro da frontalidade com que me conheço, eu falo em nomes desde que não ofenda. Eu sou visto hoje, em parte, como um indivíduo inconformado que ontem criticava José Eduardo dos Santos. Apesar de eu me dar bem com o atual Presidente por gestos, por encontros – ainda há bem pouco tempo estive com ele -, há quem pense que eu não devia dizer nada contra algumas coisas com que eu não estou de acordo. Mas eu acho que não deve ser assim. Nós permanentemente devemo-nos pronunciar sobre aquilo que vemos. Particularmente como figuras públicas, não devemos temer de darmos as nossas opiniões positivas ou negativas em relação àqueles que detém o poder. Os problemas que temos hoje em relação ao passado são justamente porque no tempo do Presidente José Eduardo dos Santos se pensava que não se deve dizer nada contra um Presidente (da República).

Mas os que tentaram dizer sofreram consequências muito pesadas, não é o que se diz?
Eu pessoalmente sofri consequências, sofri isolamento. Ainda há bem pouco tempo disse alguém que se fosse naquele tempo eu nem estaria aqui, pois iria incomodar muito gente, porque as pessoas não entendiam que eu não falava por não gostar da pessoa, até porque depois havia aquelas ligações a fenómenos políticos que já havia passado há muito tempo e eu nunca mais as considerei (nomeadamente) manifestação contra Solano, em 1996. Isso para mim é uma coisa tão longínqua que eu há muito tempo não considerava, mas fiz as críticas em relação a uma atuação do Presidente José Eduardo dos Santos (JES) que hoje está à vista de todos que eu tinha razão, que é o enriquecimento ostensivo de uma minoria em detrimento do país.

O senhor fez os comentários que fez, muitas vezes, visionários, relativamente ao Presidente da República, na altura, JES, sofreu na pele as consequências por ter emitido a sua opinião. Hoje defende determinadas posições que o atual Presidente esteja eventualmente a tomar com relação aos atos do anterior Presidente. E é o senhor, tal como o PR João Lourenço que também viveu muitas consequências das suas palavras, que está a “defendê-lo”. Como é que isso é possível?
É que eu não estou a defender José Eduardo. Eu estou a defender a necessidade de termos atitudes que salvaguardem o bem do nosso país, porque José Eduardo cometeu as irregularidades que cometeu, mas passou o poder. Acho que é consequência das críticas que nós fizemos, da reação de vários setores da sociedade, sobretudo dos jovens. Vou referir, por exemplo, a ação positiva, mas muito dolorosa e dolorida dos chamados dos REVÚS (o grupo dos 15+2 ativistas), mas José Eduardo teve o mérito de passar o poder de forma pacífica. É evidente que há aspetos do fim do seu mandato que eu também critico e critiquei, que é a decisão de, por exemplo, nomear as chefias militares quando estava a caminho outro Presidente.

O que acha que terá precipitado essas ações de JES até de fazer nomeações na véspera da sua presidência?
Falta de confiança. Eu costumo dizer, porque sou do MPLA, que um dos grandes problemas do MPLA é a falta de abertura e de transparência interna, sobretudo, interna. O MPLA é um movimento que cresceu sempre desde os primórdios como uma organização em que só uma pessoa deve aparecer. E para as pessoas puderem manter lugares e “status” tinham que ficar caladas. Então, todas as pessoas que se pronunciavam, como é o meu caso, dentro, primeiro, e, depois, fora; todas as pessoas que apresentavam opiniões próprias eram sempre mal vistas. Isso fez com que não houvesse também abertura entre José Eduardo e João Lourenço nessa última etapa de passagem de testemunho. Então, houve essa desconfiança que se quis resolver, inicialmente, do lado de José Eduardo, nomeando pessoas da sua confiança pensando que ele estava assegurado continuando no partido resolveria o problema. Infelizmente para ele, não aconteceu aquilo que ele esperava, uma reação, digamos, submissa do seu sucessor.

Tem conversado com o Presidente José Eduardo dos Santos, pelo menos ao telefone?
Eu não falo com o Presidente José Eduardo desde 1998, porque o camarada Presidente José Eduardo dos Santos é uma pessoa muito fechada, muito virada para dentro, sempre me passou mensagens através de outras pessoas e eu tinha que adivinhar quando estive sempre aberto para ter uma conversa com ele.

O senhor disse que tem conversado com o PR João Lourenço. Eu pergunto: sente que o PR João Lourenço ouve os seus conselhos, ou de que forma é que reage ao que ouve quando o que diz não lhe é dirigido diretamente?
O Presidente João Lourenço também tem, em parte, o mesmo feitio: uma pessoa muito introvertida. Mas acho que sendo uma pessoa de uma outra geração e tendo se apercebido que esse lado muito introvertido não ajuda muito tem tido uma atitude difere para comigo. Então, não direi que temos conversado muito, até porque ele é Presidente da República, tem tantas tarefas, mas temos tido poucas conversas, no entanto, que considero muito úteis.

O que transmitiu nessas conversas, por exemplo?
Aquilo que eu digo aqui fora: Presidente, você é o Presidente da República. Presidente, o Presidente José Eduardo dos Santos passou-lhe o poder, agora você é o responsável. Presidente, no tempo de José Eduardo dos Santos eram Eduardistas e não Eduardistas; Eduardistas de um lado, Moquistas, Lopistas, do outro lado. Acabe com isso, Presidente João Lourenço! Vamos ser todos do MPLA com ideias diferentes e vamos ser todos angolanos, do MPLA, da UNITA, da CASA-CE, da FNLA…, agora há outros partidos mais novos. Mas como angolanos, temos que nos ouvir todos e nem precisamos de imitar toda aquela pureza da democracia ocidental, porque nós – é verdade que estamos ligados ao Ocidente, falamos línguas ocidentais, os nossos Estados adotaram mecanismos e conceitos ocidentais, mas somos africanos – somos países que estão a ser construídos agora, somos muito recentes (enquanto Nações). Por exemplo, eu não gosto daquela ideia de pessoas que dizem que há angolanos genuínos e não genuínos, angolanos de origem de Cabo Verde, são-tomenses ou mulatos. Essa ideia é de pessoas que não refletiram muito bem, porque Angola é isso tudo e Angola é uma coisa recente. Angola não pertence só aos supostos africanos mais escuros, ou mais tradicionais. Angola é exatamente tudo isso. Portanto, nós não temos tido muito tempo para conversar, mas é isso que tenho tentado passar ao Presidente e penso que tem valido a pena, mas eu também tenho que entender que ele ouve muito mais outras pessoas, sofre de várias influências. Mas há uma coisa que ele poderá levar vantagens sobre José Eduardo dos Santos: é a relativa abertura da Comunicação Social e o fim da impunidade no lado da Justiça, que é uma área que eu domino, porque sou jurista, embora aí eu tenha muitas preocupações, porque eu não sou um jurista formalista, sou um jurista pragmático. Eu acho que o Direito tem que ser sempre interpretado no sentido em que ele vai resolver os nossos problemas.

Onde é que estão as principais reticências da sua parte em relação à Justiça angolana por enquanto?
É essa ideia de que depois de termos no mínimo 15 anos de paralisação da Justiça em relação à questão patrimonial, em relação ao desvio do erário público. É isso que me interessa como político, que não está no ativo, mas não deixo de ser membro da elite política angolana. Será que nós vamos resolver esse problema grande dos tribunais em que durante cerca de 15 anos ou um pouco mais – há pessoas que falam de 44 anos, mas nessa entrevista não vamos poder abordar tudo, mas eu estou disponível para discutir com as pessoas se é verdade que a Justiça ficou paralisada durante 44 anos. Não. Teve uma inserção ideológica diferente em várias fases, mas dentro daquilo que chamamos de democratização de Angola depois das primeiras eleições, a paralisação da Justiça, em que a Justiça foi colocada numa situação em que tinha que defender as pessoas que enriqueciam do erário público, isso aconteceu especialmente de 2002 até 2017 quando se começou efetivamente a combater a corrupção mas de uma maneira desproporcionada. Acho que há uma desproporção.

Há quem fale em Justiça seletiva…
Justamente, por se colocar a questão do combate à corrupção como um programa principal do governo é que se tem essa perceção que é muito difícil de desmentir. Há vários exemplos: há um ministro – Augusto Tomás (dos Transportes) – que é exonerado e logo imediatamente preso. Não se considera que depois de demitido ele é deputado. Entretanto, outros ministros que foram demitidos que têm supostamente problemas com Justiça, dentro de um problema também seletiva, para mim – estou a falar de Higino Carneiro; do antigo ministro da Comunicação Social, Manuel Rebelais, que, no entanto, já foram considerados deputados e até hoje ainda não passaram pelas cadeias. Isso é seletivo, ou não? Depois, em relação ao Tomás, o seu crime, se é que é crime cometido só por ele e por mais ninguém que andou pelos governos, admitia caução, mas não deixaram ele pagar caução. Depois, quando exatamente ia terminar o período de prisão preventiva, no dia em que ele ia usufruir dessa garantia, foi a julgamento. E no julgamento temos uma situação que não sei como classificá-la em que não há efetivamente uma ligação entre os devi-feitos por uma instituição que era apenas tutelada, mas que tinha a sua própria autonomia, e o erário do próprio ministro. Há quem diga que o problema é que ele não quis cooperar, mas no tribunal nós não vimos isso. Portanto, estamos no tempo de seletividade.

Há mudanças que se estão a registar, como o senhor acabou de frisar, é de opinião – sendo que algumas correntes também defendem isso – que se devam fazer determinadas alterações à Constituição do país?
Essa Constituição (atual) eu fui dos mais críticos dela (quanto) à forma e os princípios que ela defende. Aliás, eles chamam de Constituição atípica. Esse atípico não é qualquer coisa aceitável. É atípico, como deveria chamar-se e seria mais correto, arrogante. Particularmente, a metodologia utilizada para sua aprovação foi de uma arrogância tremenda. E de uma manipulação e imposição. (Na altura), havia dirigentes do MPLA que diziam que a Constituição seria aprovada nos termos da Constituição anterior que não alterava o sistema de eleições – com eleições presidenciais e legislativas à parte -, mas passado uma semana, o Presidente José Eduardo – por acaso foi aqui em Portugal – disse que não era bem assim, houve um e outro dirigente do MPLA que ainda insistiu que o Presidente não foi bem entendido, mas passado algum tempo toda a gente virou e tivemos aprovação de uma Constituição cheia de incoerência.
O que eu digo é que o problema da Constituição – digo isso com propriedade de um jurista que não estuda só o Direito formal, que estuda a própria Filosofia do Direito – é que a Constituição não é só aquilo que está escrito. E em África, particularmente, a Constituição nem é aquilo que está escrito. Eu bati-me contra a elaboração daquela Constituição porque sabia que aquilo era para consagrar práticas erradas do passado em que tínhamos uma Constituição boa, a Lei Constitucional de 1992, mas as práticas eram completamente diferentes e foram consagradas na Constituição de 2010. Agora temos que lutar por uma Constituição melhor. E vamos às corridas? Não. Dentro do meu raciocínio e de muitos cientistas juristas, como a Constituição afinal não é só aquilo que está escrito, mas um conjunto de práticas, que muitas vezes nem sequer tem a ver com o que está escrito, vamo-nos preocupar é com as práticas. E João Lourenço começou com muito boas práticas: abriu a Comunicação Social, num estalar dedos deu liberdade, por exemplo, à Rádio Ecclesia que no tempo de José Eduardo achavam aquilo muito complicado, acabou a prisão do funcionamento dos tribunais, isso é que é importante. Não é preciso que se mude a Constituição para se começar com boas atitudes.

A diáspora angolana, infelizmente, não conseguiu votar depois de 1992. Acredita verdadeiramente que, com todas essas mudanças que o MPLA está a efetuar e as vontades que o Presidente tem estado a demonstrar, em 2022 a diáspora angolana poderá finalmente votar?
Eu não posso esperar outra coisa, quer dizer, se estamos numa nova era e, digamos, com saídas substantivas que nós vimos sob a liderança de João Lourenço, eu não estou a ver em 2022 novamente impedir a diáspora de participar nas eleições num aspeto em que estamos completamente isolados como angolanos. (Se mesmo) países que têm maiores dificuldades financeira não colocam esse problema como uma dificuldade, por que é que nós havemos de continuar assim?

O que se lhe oferece dizer relativamente à saída de Samakuva de cena e entrada de Adalberto Costa Júnior e como é que vislumbra as eleições em 2022 com dois novos líderes, quer na UNITA, quer no MPLA?
Penso que demos, na globalidade, passos muito importantes, tanto de um lado como do outro, porque há substituição de geração. Na UNITA talvez não tanto de geração, mas efetivou-se o desiderato da alternância, que foi muito bom. Há coisas que vocês jovens evitam (debater) a questão rácica – mais claro, menos claro -, mas na nossa geração o problema de mais claro, menos claro tem muito peso. por isso essa assunção de Adalberto como presidente da UNITA, um partido que foi sempre visto como um partido mais escuro, mais do sul – Adalberto é sulano também (risos), mas muita gente não acredita (que seria dirigido por) uma pessoa clara, mulata. Isso significa que nós os velhos estamos a ficar já ultrapassados, a vida está a andar. Portanto, há uma dinâmica. Essa juventude que nasceu na verdadeira angolanidade, porque nós – não é no sentido negativo, mas na objetividade – os nascidos nos anos 50 e princípios dos anos 60 ainda nascemos muito divididos. Mas isso não é negativo, é a realidade. Eu por exemplo, sou umbundo, (Jonas) Savimbi era umbundo, Holden (Roberto) era bacongo, Agostinho Neto era crioulo-quimbundo. Até o grande erro foi não se ter reconhecido isso para montarmos uma estrutura de Estado que tivesse isso em conta. Então, montamos aquele Estado como se houvesse só uma etnia, como se aqueles partidos fossem partidos de classe, quando eram étnicos-regionais e a ideia era ir para as eleições (com o intuito de) quem ganha manda e acabou. Resultado: ninguém quis as eleições, (o assunto) foi resolvido à porrada e hoje o país tem uma liderança unilateral. Naturalmente, com essas mudanças com um João Lourenço – embora mais com cultura quimbundo ou litoral –, é uma mudança significativa. E hoje um Adalberto mestiço ficar à frente de uma UNITA é reflexo de uma Angola que está a ser construída, significa que, apesar de todos esses problemas que estamos a falar, alguma cosia está a avançar. Estamos a construir, afinal, a verdadeira angolanidade que é mais vossa, dos jovens. (X)

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Entrevista feita pela radiovictor.com numa parceria com o Jornal É@GORA

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