Entrevista a Titos Pelembe sobre exposição artística que cruza paisagem arquitetónica do Porto à da Ilha de Moçambique

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Titos Pelembe imigrou para Portugal em 2017. Foto: Tito Sena ©
Manuel Matola

O artista plástico moçambicano Titos Pelembe inaugurou este fim de semana uma exposição sobre a arquitetura do centro histórico da cidade do Porto, bem como a sua diversidade sociocultural em estreita ligação com o rio Douro.

A criação intitulada “Porto de Memórias” é fruto de uma investigação que pretende documentar através da produção artística as semelhanças existentes entre as fachadas da zona da Ribeira, naquela cidade portuguesa, com alguma paisagem arquitetónica, urbana e paisagística da Ilha de Moçambique.

“Por exemplo, na zona da Ribeira, as fachadas são muito coloridas. Tal como numa parte da Ilha de Moçambique, algumas fachadas têm fachadas coloridas com cores muito ocres, cremes e amarelo. Estou a pegar nesses elementos arquitetónicos para criar obras de arte através disso. O intuito é tentar documentar esse material através da produção artística”, diz o docente moçambicano de 31 anos, que após vencer 20 prémios de Arte em Moçambique, há três anos decidiu imigrar para Portugal “com intuito de procurar alargar um pouco mais as fronteiras”.

O jornal É@GORA entrevistou-o a propósito da exposição que vai estar patente até ao próximo dia 25 de março. Acompanhe:

Que exposição é essa e como surgiu?
A ideia desta exposição surgiu através de uma disciplina que tive no primeiro semestre na Faculdade chamada Desenho e Levantamento de Lugar. A partir desta disciplina investiguei a zona histórica do Porto, porque quando cheguei cá pela primeira vez, em 2016, como turista – agora estou cá a residir por causa do mestrado -, encontrei muita semelhança com alguma paisagem arquitetónica existente na Ilha de Moçambique, em particular. Isso chamou-me muita atenção, porque já nessa altura eu estava a trabalhar sobre alguma produção artística virada para o traço arquitetónico da Ilha de Moçambique.

Repouso Óleo s/tela. Foto: OLYMPUS DIGITAL CAMERA ©

Mas o que estava a trabalhar especificamente?
No fundo o que fiz e essa exposição é a continuação desse processo que estou a pegar, por exemplo, foi analisar a forma das grades típicas, ou seja, os elementos arquitetónicos que compõem a paisagem urbana, o tipo de gradeamento, candeeiros, nas portas, nas fachadas. Por exemplo, na zona da Ribeira, as fachadas são muito coloridas. Tal como numa parte da Ilha de Moçambique, algumas fachadas têm fachadas coloridas com cores muito ocres, cremes e amarelo. Estou a pegar nesses elementos arquitetónicos para criar obras de arte através disso. O intuito é tentar documentar esse material através da produção artística, porque tanto cá em Portugal como na Ilha de Moçambique com a questão de gentrificação da Ilha e também das reabilitações urbanas que vão acontecendo ao longo do tempo vai-se perdendo estes elementos arquitetónicos que fazem parte da cultura material de um certo espaço.

Está a falar disso em relação à Ilha de Moçambique. E no Porto também se nota essa perda?
Aqui no Porto nem tanto porque existe uma preocupação da Câmara Municipal, mas como há uma tendência de deixar as fachadas e, se calhar, destruir tudo o que está no interior do edifício, há uma parte que geralmente se vai perdendo, porque nem sempre a reposição obedece os critérios iniciais do que lá havia. Mais do que isso, há um terceiro elemento que consigo encontrar nesses elementos arquitetónicos todos que é: consigo encontrar alguma influência da arte abstrata e, por sua vez, essa influência da arte abstrata remete-me à arte africana, a questão das máscaras. Consigo notar muito isso nas portas, em vários tipos de gradeamento que tem motivos bastante diversificados, desde motivos geométricos até motivos florestais.

Está a sugerir que há influência daquilo que é a arte africana, nomeadamente, moçambicana nessas tipologias?
Para já não posso assumir que haja influência da arte africana porque não sei qual foi a gênese da criação deste tipo de elemento arquitetónico, sobretudo, em termos de linhagem. Mas muitos desses elementos que estou a referir, que são as grades e todo o sistema de gradeamento, é feito ou é composto de formas maioritariamente geométrica. E a forma geométrica permite-nos ter figuras abstratas, figuras essas que possam ser interpretadas de várias formas dependendo dos códigos de visão de cada um. E é nessa interpretação que eu consigo ver alguns elementos caraterísticos com elementos da arte africana, sobretudo, com as máscaras.

Mas a cadeira que levou a que começasse este trabalho já terminou?
É uma cadeira semestral, já terminou e, pronto, só foi este ano que consegui materializar a exposição, porque durante todo o ano passado foi o ano de estudo, de levantamento em termos de imagens, da história da própria cidade para além daquilo que é visível.

Sonoridades e vivências I
Desenho e aguarelas s/cartão. Foto: OLYMPUS DIGITAL CAMERA ©

O que foi que se conseguiu levantar e qual foi a quantidade em termos materiais. É possível explicar?
Em termos materiais tenho um “sketchbook”, que é um caderno de notas, onde fiz uma recolha fotográfica no terreno do tipo de gradeamento que me interessava e a partir dele consegui extrair várias formas que deram origem, por exemplo, às obras de esculturas e de desenho. Também consegui perceber um pouco mais, além do surgimento e crescimento dessa zona ao longo da cidade, a questão desta zona estar ligada ao Rio Douro. E consegui perceber ao longo do tempo as várias as fases que esta zona foi passando com o desenvolvimento da cidade. Durante alguns anos foi uma zona que ficou muito marginalizada e atualmente por causa do turismo é uma zona que tende a desenvolver e há muito coisa a ser recuperada.

Com relação à exposição em si, o que é que deu em termos numéricos do material que foi produzido e aquilo que está exposto?
É uma exposição composta por 18 obras, de entre elas temos oito obras de cerâmica e as restantes 10 obras em termos numéricos são obras que variam entre quatro obras de desenho a tinta de China e seis obras de pintura a tinta de óleo. Portanto, é uma exposição multidisciplinar que reúne três técnicas que é o desenho (técnica mista sobre cartão), a pintura, que é óleo sobre tela, e depois a cerâmica.

Com essa multidisciplinaridade no trabalho, como é que Titos Pelembe se define em termos artísticos?
Esta mistura de diferentes técnicas, no fundo, visa tentar encontrar a melhor solução do assunto que tento trazer à tona, onde tenho, por exemplo, a questão da cerâmica que permite modelar objetos em 3D diferentemente da pintura que não é uma coisa em 3D. Portanto, o recorrer de diferentes materiais e técnicas permitem-me ter uma abordagem um pouco mais rica em termos de experimentação porque é uma exposição que, no meu entender, é resultante de uma experiência quanto artista, mas também quanto estudante.

É a primeira exposição cá na Europa desde que chegou?
Exposição individual sim, é a primeira. Mas, em 2016, tive duas exposições na Holanda – uma coletiva e um “workshop”, com artistas holandeses porque faço parte de uma bienal internacional de arte que ocorre na Ilha de Moçambique, na qual eu sou embaixador por parte moçambicana. Então, tenho tido contato muito frequente com alguns membros do festival que residem na Holanda. No âmbito desta cooperação tenho lá ido sempre que possível. Nem sempre consigo lá ir, mas através dessa cooperação, as obras têm sido lá comercializadas noutros fóruns.
Cá em Portugal, a minha primeira exposição foi em 2017 numa Galeria chamada Porto Oriental. Foi uma exposição pequena alusiva ao Natal de 2017. Em 2018, tive a minha primeira coletiva na Bienal de Gaia e ainda em 2019 participei numa coletiva de artistas moçambicanos residentes em Portugal no Palácio de Ajuda, em Lisboa, aquando da visita do Presidente Nyusi.

Série: Entre cores, formas e fragrementos II
Foto: OLYMPUS DIGITAL CAMERA ©

Tirando essas exposições, há outras que queira apontar, quer em Moçambique ou noutros países?
Em outros países tenho a minha obra internacionalizada através de participações em exposições coletivas em que são os outros que estão lá e também, a partir das várias coleções e aquisições particulares, tenho obras nos Estados Unidos, na Suécia, Noruega. Tenho obras, se calhar, em todos ou na maioria dos países do continente europeu e não só. Além disso, fui galardoado em diversos concursos em Moçambique. Conto com mais de 20 prémios e mais de uma centena de exposições. Digamos que em Moçambique tenho uma representação muito consistente e estou a tentar a partir de Portugal ver de que forma posso conseguir chegar a outros cantos não só da Europa como de outros continentes. E também referir que essa minha vinda cá a Portugal foi uma iniciativa própria com intuito de procurar alargar um pouco mais as fronteiras.

Recriação da memória urbana I
Desenho e aguarelas s/cartão. Foto: OLYMPUS DIGITAL CAMERA ©

E nessa exposição que inaugurou na sexta-feira, quem esteve presente da parte de Moçambique e Portugal, e qual foi a mensagem passada?
O consulado moçambicano esteve envolvido, representado pelo senhor Adolfo Inguane, em representação do cônsul geral de Portugal na zona norte. Também houve participação da parte da Câmara Municipal do Porto, que é a entidade que acolheu a iniciativa a qual apoiou a partir de oferta de espaço e divulgação do próprio evento.

Qual é a leitura que faz relativamente aos desafios que os artistas moçambicanos enfrentam cá enquanto imigrantes?
Sinto por parte dos artistas muita força em querer trabalhar, mostrar-se ao mundo, aos novos espaços, mas, por outro lado, grandes dificuldades por parte das nossas instituições consulares que não estão muito bem preparadas para dar a devida assistência aos artistas.

Que tipo de assistência era necessária?
Um dos tipos de assistência que os postos consulares deviam tentar encontrar a partir das várias parcerias institucionais era tentar encontrar espaços municipais e não só nos quais os artistas moçambicanos no seu todo de forma coletiva possam desenvolver algumas ações artísticas e por essa via fazerem-se conhecer ao mercado e ao mundo, porque quando há um envolvimento muito acentuado das instituições consulares como representações diplomáticas faz com que a exposição tenha outro tipo de visibilidade. E também faz com que o artista esteja focado na produção artística e não na produção burocrática da própria exposição, porque os artistas aqui acabam por fazer dois trabalhos: são eles que tomam as iniciativas para contactar as instituições aqui existentes e também têm o trabalho de ter que produzir enquanto artistas.

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