Manuel Matola
Na antecâmara do lançamento de “Máximas Para Corajosos”, o ator e escritor brasileiro Fábio Alexandrelli esteve à conversa com o Jornal É@GORA onde abordou um pouco do próximo livro “Máxima para Corajosos”, da situação política no Brasil e a reforma que o país precisa na área do ensino. A ideia central da obra “não é só que a pessoa goste do que lê. O importante é que não goste daquilo que lê para que mexa com aquilo que acredita que seja certo ou errado”, na verdade, é para “tirar o leitor da sua zona de conforto”, diz Fábio Alexandrelli, que atualmente é coapresentador do programa radiofónico “Além Fronteiras”, um espaço aberto de divulgação de pensamentos de figuras de Portugal e do Brasil para o mundo.
Em maio, o Fábio vai lançar “Máximas Para Corajosos”, um livro que traz reflexões da vida em formato de frases. O que é que quer passar com estas mensagens?
Este livro é para jovens de 18 anos e para senhores de 80 anos porque quando falamos em aforismas estamos a falar de síntese, de uma frase. Pega no conceito de ‘amor’, ‘paz’, ‘guerra’, ‘dinheiro’ e transforma isso numa frase. E muitas vezes esse processo de criação vem, de certa forma intuitiva, mas com muito trabalho reflexivo, muito pensamento, com muita leitura. Você pega numa obra de Fernando Pessoa e lê, cinco, seis, sete poemas e aquilo começa a fervilhar na cabeça. A provocar a reflexão. Começa a analisar os pontos. A tua interpretação e depois vem aquela frase maravilhosa. A pessoa pode ler o livro a partir do início, meio ou fim. A partir do cabedal cultural e da própria história e das vivências vai poder fazer a reflexão sobre o que está lendo. É um livro provocativo, com 258 aforismas e tentei passar conceitos que estão consolidados pela história da Humanidade e principalmente as suas crenças.
As frases são todas originais do Fábio?
Sim, já estão registadas na Biblioteca Nacional e são todas minhas. E com esta pandemia já produzi outro livro [risos]. Ficamos fechados então eu fui lendo, lendo, lendo [risos].
Aborda alguma temática em específico ou são temas dispares?
São dispares. De repente está a ler sobre um determinado contexto, por exemplo a morte. Há dois planos dentro do campo filosófico. Um é a subjetividade, ou seja, o Código Cartesiano, penso logo existo. A maioria das pessoas ficam dentro do Universo subjetivo. Quando as pessoas ficam dentro da própria cabeça podem cometer certos equívocos de pensamento e reflexão porque podem estar voltadas para aquilo que as pessoas gostam, que temem. Quando trabalha o conceito na filosofia pega no ‘amor’, mas qual ‘amor’? Qual a relação de amor? São relações de amizade, violentas ou voltadas para o ciúme? A filosofia vai desmontando um conceito para ver o que sobra em termos de reflexão. O livro ‘Máximas Para Corajosos’ são vários conceitos distribuídos. Eu não coloquei nomes nos aforismas, coloco datas por isso é que é um diário.
Qual é o período que cobre?
São mais ou menos 5/4 ano de produção intelectual, de leitura, pensamento, reflexão e escrita que vão originar essa máxima. Agora esse novo livro foi no âmbito da pandemia [risos].
O mundo tem ausência destas frases de alto impacto para melhorar a vida das pessoas?
Com certeza, porque estas frases são frases garimpadas, são diamantes polidos, então quando a pessoa lê aquela frase dá uma chacoalhada. A ideia central não é só que a pessoa goste do que lê, o importante é que não goste daquilo que lê para que mexa com aquilo que acredita que seja certo ou errado. Tirar da zona de conforto. Provocar a cabeça dela para que tenha uma nova perspetiva, uma nova visão e às vezes a partir daquilo que lê começa a ter uma nova reflexão. Isso é importante. De repente lê uma frase que pode trazer uma experiência pessoal que pode convergir e até ampliar a visão da frase. Até porque eu não quero ser o dono da verdade, longe de mim, porque isso não tem dono. Cada vida é uma vida, e cada experiência é uma experiência. O que é legal no livro é que ele não foi escrito no sentido para agradar, ele foi escrito para provocar. Para tirar as pessoas da zona de conforto. Acho que é isso que está faltando no Planeta, hoje em dia. Eu acompanho a política e há muito preconceito, violência e xenofobia. Isso é muito ruim. O Planeta é um só e nós colocamos fronteiras no Planeta, e aí entra uma série de coisas que tem produzido muitas infelicidades para tudo e para todos. Temos de pensar que Humanidade nós queremos. Que tipo de vida nós queremos. Aqui no Brasil, vamos continuar a destruir a Amazónia? Que Planeta vamos deixar para as futuras gerações? O livro vem ao encontro (disso e pretende) fazer algumas provocações nesse sentido.
Tendo dito que este livro também é escrito para os mais novos e mais velhos. Os jovens têm sido ‘acusados’ de que lêem pouco. Este livro em forma de frases não poderá os impelir a ficar só pelas frases em vez de procurarem livros com outro tipo de profundidade?
Eu acredito que não, porque quando forem ler a frase aquilo vai provocá-los interesse de irem buscar novos conteúdos sobre o que está escrito. Tenho quase a certeza absoluta: nós temos de datar isso tudo historicamente. Quando analisamos o século XIX, na Alemanha, temos os grandes filósofos e os grandes temas. Com o passar do tempo, com a evolução do capitalismo e com a evolução de toda a produção histórica e económica, isso vai mudando. Tanto que Walter Benjamin no século XX faz essa análise. O pós-modernismo fragmentou o mundo. Hoje em dia as pessoas têm telemóveis nas mãos, têm acesso a tudo o que é produzido no mundo inteiro. Esse livro vai ao encontro de uma provocação para que a pessoa vá buscar uma leitura a partir de “Máximas Para Corajosos”. É como se lesse uma frase de Aristóteles ou de Platão e falasse: “O que é que eles têm mais para dizer? Deixa-me ler mais”. Pelo menos comigo foi assim, há décadas atrás. Não só por questões trágicas e pessoais que passei, mas também no sentido de buscar o sentido para a existência. Todos buscam esse sentido. E quando encontra já vem acoplado com uma série de valores. Quando coloca a frase, frases síntese, máximas sobre determinados temas e conceitos, faz com que a pessoa vá procurar os filósofos. E nesta pandemia os conteúdos filosóficos estão sendo cada vez mais procurados. Um vírus invisível e estúpido colocou aviões, prédios, carros e produções dentro de casa. Parou tudo. O que é que nós temos de certeza sobre a existência? Essa falta de sentido na existência produziu pavor, medo e depressão. Tudo o que eu pensei e acreditava é uma farsa porque veio um vírus e derrubou tudo. O livro vem de encontro a essas análises e provoca uma nova postura da pessoa nesta realidade na procura de novos conteúdos e fazer desses conteúdos uma melhoria para a vida. Pegando num conceito do filósofo alemão Nietzsche: “Que seja uma vida mais potente”. E quando tem uma vida mais potente, tem uma vida mais ética, e quando tem uma vida mais ética tem um olhar para o outro. Por exemplo, é diferente do olhar de Donald Trump ou de Bolsonaro. Não é uma filosofia que agrega, é uma filosofia que cria muros. E nós não queremos muros. Não estou dizendo que derrubando os muros se vai libertar toda a gente para o crime e drogas. Não é isso. Temos de produzir pontes. Há muita gente do outro lado do muro que pode ser agregada. E porque não agregar?! Somos da mesma espécie. É nesse sentido que o livro traz essas reflexões, mas também tem humor e ironia.
A questão da pandemia ajuda-nos a redefinir o sentido da vida?
Sim! Não só ajuda em reflexões do sentido da existência como também provoca o sentido da existência que colocamos dentro de nós. Fruto da tradição, do que os pais disseram, da religião. O livro vem para criar essa reflexão: “Será verdade o que acredita?”, “Quem disse que é verdade?”, “Porque é que é verdade?”, “De onde vem essa verdade?”, “Estava lá naquele momento?”, “Quem garante que não é uma lenda contada de geração em geração?”
Como é que o Fábio justifica esta necessidade de reflexão profunda e o que se assiste, hoje em dia, em relação às fake news?
Eu faço essa análise por causa disso. Se você tem uma reflexão extensiva e profunda da realidade, quando recebe a fake new percebe claramente que é falsa. Porque tem uma aparência verdadeira e manipula os sentimentos e emoções sobre aquilo em que acredita. Ou seja, quando recebe a fake new está vendo algo que a pessoa que a produziu sabe que vai acreditar naquilo. A ideologia é a maior fake new. Como é que os nazis assumiram o poder na Alemanha? Com as fake news, a rádio e a ideologia. Como é que Mussolini assumiu o poder em Itália? Usando as fake news, a rádio e a mentira. É uma mentira em que as pessoas acreditam. Por exemplo, no Brasil vendeu-se a ideia que se o Jair Bolsonaro não fosse eleito o Brasil ia tornar-se comunista. Isso é absurdo, mas a pessoas com posses começaram a acreditar nisso. Esse é o grande problema que estamos vivendo. As redes sociais potencializaram uma imbecilidade para uma série de pessoas que estão atirando para todos os lados e não leram o que estão falando. Para eu fazer uma crítica sobre um determinado livro eu tenho de lê-lo. Mesmo não gostando. Eu não posso não ler o livro e criticá-lo dizendo que não presta.
Fenómeno Bolsonaro
A filosofia ganha, aqui, uma nova centralidade depois do que aconteceu?
Ganha! A filosofia tenta trabalhar com o incerto. A filosofia é amiga da sabedoria. Hoje em dia está num mundo cada vez mais violento, onde se usam mais drogas, onde a juventude está se perdendo. Onde está a sabedoria disso? Se eu pego num carro em alta velocidade alcoolizado ou drogado e provoco um acidente para mim, para a sociedade, posso colocar em risco a minha vida, a do outro e da minha família. Não é sabedoria, é estupidez e burrice. A filosofia traz esses elementos de reflexão para que você tenha uma vida mais adequada em relação ao outro, aos valores que te cercam e que produz. Isso é fundamental. A filosofia, para mim, é o grande saber. Quando nós falamos em ciência, o que é a ciência? Por exemplo, a ciência vai pegar na covid-19 pôr no laboratório e vai olhar para ele. A ciência é específica, a filosofia é abrangente. Olha para o todo e para as partes. A filosofia analisa todo o contexto para, a partir daí, fazer uma reflexão e apontar uma direção. O que é que eu quero do mundo? Que as pessoas tenho um teto digno para morarem, um emprego com um salário decente para que se possam alimentar, ter roupa adequada e que sejam tratados como humanos em qualquer sociedade no Planeta. Infelizmente é isso que não estamos vendo porque o capitalismo tem uma exploração muito forte sob o trabalho do outro.
Há pouco falou do exemplo do Bolsonaro e olhamos para uma consequência que o Brasil está a viver por causa das opções políticas e enquanto líder do país. Os imigrantes em Portugal votaram em massa em Bolsonaro. Como é que se explica que este grupo social hoje esteja à nora desta situação? Há necessidade do Brasil e de toda a dinâmica que existe ao nível da filosofia olhar para este grupo de forma especial?
Primeiro precisamos de analisar a história. O partido anterior, o Partido dos Trabalhadores, criou uma série de condições para a governabilidade espúrias, ou seja, envolveu-se com outros partidos que fizeram da máquina pública corrupção. De manhã, de tarde e à noite em todos os jornais da televisão eram corrupções atrás de corrupções. Quando falo em corrupção não falo em milhões, falo em bilhões desviados. Isso criou uma aversão ao partido no poder e começou a trazer o Bolsonaro à tona. Infelizmente tivemos 400 anos de escravidão no Brasil, temos 521 anos enquanto país. Isso criou uma visão no Brasil de uma classe média que se diz não preconceituosa, mas nas suas ações e comportamentos e infelizmente uma parte dela acaba sendo. As pessoas com baixa escolaridade e poucas economias começaram a ter poder de acesso. E isso começou a criar um problema na classe média do Brasil que se achava muito especial, mas no fim das contas acaba por ter preconceito em relação ao outro. Tudo isso foi criando um caldo cultural e veio o fenómeno Bolsonaro. E eu escrevi vários textos a dizer: “ele não está preparado para governar o Brasil, esse homem vai ser um prejuízo para o país”. Tanto é que a realidade está aí e está mostrando. Ele veio com a ideia de que o país iria virar comunista, que o exército iria assumir o poder e colocar ordem. A História está cheia de exemplos onde o exército tomou conta. A violência não resolve nada, não funciona. Mas muita gente já percebeu que ele não é a resposta para os problemas do Brasil, muito pelo contrário.
É necessário um debate ao nível da comunidade imigrante para se poder evitar cenários futuros?
Eu tenho um projeto pedagógico que se chama LAR (Liberdade, Autonomia e Responsabilidade para o Ensino Fundamental). Hoje no Brasil temos milhões de pessoas que estão passando fome. Estamos a fazer campanhas de angariação de alimentos para essas pessoas. Voltamos há 100 anos, não avançamos. Uma grande parte da população brasileira está na miséria. Isso é muito triste! Ou pegamos no ensino fundamental onde estão as crianças dos 6 aos 13 anos e fazemos uma revolução no método pedagógico com todas as condições, com bons professores remunerados e qualificados, que as crianças tenham todos os temas a serem trabalhados, que as crianças leiam para se tornarem pessoas livres de mente aberta e não preconceituosas. Senão vamos estar sempre a ver este cenário de violência, preconceito e demagogos populistas como o Bolsonaro no Brasil. Temos de trabalhar na base, e a base são as crianças. Senão fizermos isso vamos estar a repetir sempre os mesmos erros. (MM)