Entrevista Cristina Chabot sobre “Me Lady”, o projeto artístico que pretende resgatar a tradição do uso de postais

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Cristina Chabot, artista

Manuel Matola

A artista portuguesa Cristina Chabot vive no estado norte-americano de Geórgia, mas nasceu numa das mais vibrantes cidades africanas: Pointe-Noire, na República do Congo (Brazaville), país para o qual nunca mais voltou. Antes de se tornar numa verdadeira globetrotter, a cosmopolita arrancou com uma experiência migratória que se tece por décadas, iniciada aos sete anos de idade, altura em que pela primeira vez pisou Portugal. Hoje, Cristina Chabot pretende resgatar, a partir dos Estados Unidos, um hábito secular que desenvolveu durante a passagem por Holanda e que a acompanhou em toda a fase adulta: enviar e receber postais. E justifica: “Acho que hoje receber postais ou uma carta é muito mais importante para mim do que receber mensagens constantemente nas redes sociais. Eu quero dar a noção a todos desta geração. Têm de saber o que é ir à caixa do correio e tirar o postal que tem o nome da criança. Isso é muito importante”, diz Cristina Chabot em entrevista ao Jornal É@GORA, onde conta a história de como nasceu o projeto artístico “Me Lady”, a cara de uma menina que é tida como muito camaleónica por poder ser incorporada nas mais variadas peças. E mais: fala do livro que vai lançar em junho, em Portugal.

Como é que a Cristina sai de África para os Estados Unidos?
Eu nasci em África, Pointe-Noire [cidade da República do Congo] e os meus pais tinham o comércio em Dolisie. Estiveram no Congo durante vinte a tal anos, e, entretanto, nasci eu e o meu irmão. Como era mais velha e era rapariga, os meus pais decidiram que me iam colocar num colégio em Portugal. E assim o fizeram. Tinha sete anos quando fui para o Colégio Senhora do Alto, no Algarve. Fiquei lá dois anos e depois quando os meus pais regressaram definitivamente para Portugal e instalaram-se no Porto. Cresci no Porto. Mais tarde casei-me, fui viver para Lisboa e fiquei aí uns anos. Depois ainda fui viver para a Holanda durante três anos. Ainda regressei a Portugal e depois, finalmente, vim para os Estados Unidos. É uma viagem muito grande [risos].

Manteve a nacionalidade portuguesa?
Sempre nacionalidade portuguesa. Não me vejo a mudar o meu passaporte.

Qual é o grande marco deste processo de imigração que mais mexe consigo?
A transição de viver em Portugal e ir para os Estados Unidos é bastante grande. Para mim foi uma mudança muito grande. A cultura é completamente diferente aqui e, como tal, tive de me adaptar. Já cá estou há vinte e três anos, mas às vezes tenho de me adaptar e aceitar que a maneira de viver dos portugueses é completamente diferente daqui. Temos que ter outra maneira de viver e de estar.

O facto de ter nascido em África, ter passado por Portugal, Holanda e agora nos Estados Unidos, onde já vive há 23 anos, tem algum marco especial que fez a diferença?
Viver em África e ir para Portugal, Holanda e EUA é uma diferença muito grande em tudo. Não sei se tive um marco para além de me adaptar a diferentes culturas em idades diferentes.

Já regressou a África?
Por acaso nunca mais voltei lá, mas vejo fotografias. Ou seja, vejo como é que está Pointe-Noire e não reconheceria, de todo, porque sai de lá quando era muito miúda. Portanto seria tudo novo para mim.

De uma forma geral, a Cristina é uma mulher apaixonada pela arte. Quando é que começa esta paixão?
Começa em miúda e tudo o que seja feito pelas pessoas eu gosto muito e valorizo. É de valorizar quando as pessoas fazem a sua arte. [Por exemplo], a “Me Lady”, a arte que eu faço há alguns vinte anos. Mas dediquei-me com mais força quando a minha neta nasceu, há 12 anos. Ai é que comecei a olhar e a ver bem os desenhos que fazia. E como queria enviar postais diferentes à minha neta, resolvi começar a fazê-los. Eram simples. Fazia o desenho. A “Me Lady” é a cara de uma menina e é muito camaleónica, pode estar em vários cenários. Quando começo a pintar nunca sei com vai acabar. É sempre da minha imaginação.

Os postais são um artefacto usado há algum tempo e que agora é pouco usado dada a existência de outros instrumentos. O projeto “Me Lady” é uma forma de manter a tradição?
Quando era miúda eu recebi muitos postais porque quando eu sai de África para Portugal a minha mãe escrevia-me muitas vezes. Para mim era fantástico e eu adorava receber correio. Há uma ligação. Acho que hoje receber postais ou uma carta é muito mais importante para mim do que receber mensagens constantemente nas redes sociais. Eu quero dar a noção a todos desta geração. Têm de saber o que é ir à caixa do correio e tirar o postal que tem o nome da criança. Isso é muito importante”.

É mais pessoal?
Sim, e eu valorizo isso. Quando a neta de uma amiga minha envia-me uma carta lá dentro vem sempre uma fotografia dela a ir à caixa do correio.

O projeto “Me Lady” está a ser desenvolvido de forma pessoal ou há mais pessoas envolvidas? E qual é o propósito e o horizonte deste projeto?
A “Me Lady” começou a ser pessoal, mas agora quero dar-lhe mais asas. Quero que estes se espalhem por todo o lado. São desenhos diferentes e é uma arte diferente porque pinto a lápis de cor. Quero partilhar essa arte e colocar esses desenhos à venda em peças diferentes. Por exemplo em lenços, vestidos, toalhas, etiquetas de identificação da bagagem, almofadas. É aí que quero ir.

Durante o período da pandemia, houve uma migração para o digital em quase tudo. De que forma a Cristina conseguiu adaptar-se a esta nova situação?
Muito bem. Aqui nos Estados Unidos há confinamento, mas não é rígido. Com as devidas precauções e já voltou à vida normal. Estou sempre a colocar os meus trabalhos na internet, e senti que as pessoas estão mais nos meios de comunicação online, mas pessoalmente tive muita abertura. Ao contrário de Portugal, aqui nunca houve um confinamento em que as pessoas tinham de estar em casa.

Dado que está a falar da possibilidade de envolver mais pessoas, o seu projeto passaria por dar formação online? Como é que pensa desenvolver a “Me Lady”?
Quando tiver parcerias e alguém que queira divulgar a “Me Lady”, e neste momento estou à procura. Tenho parceria com uma companhia que me imprime os desenhos em produtos que eu escolho. As pessoas podem comprar online quando e onde quiserem, e não penso ter uma loja física. Hoje em dia as pessoas compram bastante online. Quanto mais parcerias online que queiram vender os meus desenhos, melhor.

A Cristina tem mais de 200 obras. Em média, quanto tempo leva para produzir uma obra?
Depende se é mais minucioso e elaborado ou não. Eu diria entre uma e duas semanas, no máximo. Isso se me dedicar à pintura todos os dias, porque faço outras coisas. Mas um desenho leva-me bastante tempo.

Pelo que sei, essas “outras coisas” passam pela escrita de livros?
[risos] É um livro que quero oferecer à minha neta, e já o tinha há 12 anos. Organizei o livro, pintei-o e dei como presente de Natal. E porque não ao fim destes anos, não divulgar?! Então vou publicar em Portugal no próximo mês, mas ainda não sabemos a data do lançamento. Quero divulgar agora para que todas as crianças de língua portuguesa possam ter a oportunidade de ler. É um livro mágico.

E qual é a história que conta neste livro?
É uma história de Natal e chama-se “Na Véspera de Natal”. O resto logo se vê, quando se abrir o livro [risos].

Sai mais cedo em relação ao tema que aborda?
Sim, absolutamente. A ideia é começar a sair agora para as pessoas se prepararem para este Natal.

A pintura é inspirada na sua neta, e fala desta obra que também é virada para as crianças. Olhando para aquilo que está a acontecer hoje, com alguns especialistas a apontarem para a utilização excessiva das tecnologias e menos livros físicos e desenhos, qual é a perspetiva da Cristina sobre esta discussão?
Eu gosto muito de livros. Tenho o curso de educadora de infância e sempre achei que os pais, especialmente agora, têm de ‘forçar’ a criança a ler. É muito fácil de fazer isso e de criar esse hábito quando os miúdos são pequenos. Adoram os livros porque quando são pequenos não estão habituados à internet, verdade? Pode logo ser habituados a ter um livro na mesa de cabeceira e a ler. Foi assim que ensinei os meus filhos e os meus netos.

Este é um problema que também se nota nos Estados Unidos?
Os miúdos lêem muito mais. Há um grande incentivo para a leitura. Quando o meu filho estava no jardim de infância e na pré-primária, eu voluntariava-me para ler para as crianças. Era algo que me deliciava. Numa determinada hora os miúdos estavam na biblioteca, juntavam-se à minha volta e eu lia o livro.

No dia 5 de maio celebrou-se o ‘Dia da Língua Portuguesa’ e o livro vai ser publicado emportuguês. Esta língua está a conseguir implantar-se nos Estados Unidos?
Infelizmente, não. Aqui na Georgia eles têm o espanhol como opção. O meu filho aprendeu espanhol quando estava na primária e na secundária.

A comunidade portuguesa nos EUA é significativa como também tem estado a ocupar cargos relevantes na sociedade americana. Esta dinâmica dos portugueses não tem um papel importante para colocar o português como uma língua falada nos EUA?
Claro que tem! Mas eu não conheço nenhum português que more perto de mim porque eu vivo numa cidade pequena e por isso acredito que é nos restaurantes, estabelecimentos de artigos portugueses [que mais se fala]e isso ajuda a transmitir a língua.

O que é que estará a falhar para que o português não possa estar a ser dinamizado junto das comunidades?
Não é o que está a correr mal, há muitos espanhóis… (MM)

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