Manuel Matola
A 4ª edição do Etimba Festival angariou quase 50% do 11 mil euros necessários para a construção da biblioteca comunitária no Vilarejo-Lobito-Benguela, em Angola, cujas obras vão arrancar já este mês de julho devendo terminar em novembro. O jornal É@GORA conversou com Daniel Mendes, diretor executivo do festival, que produziu conteúdos que passam a estar disponíveis nas plataformas streaming. O projeto, que junta músicos angolanos também na diáspora, prevê, em breve, incluir artistas de toda a lusofonia.
Que avaliação faz da 4ª edição do Etimba Festival?
O projeto foi positivo porque conseguimos ter aí artistas que abraçaram a causa e entrega. São nomes como Yuri da Cunha, Patrícia Faria, a própria Irina Vasconcelos, a mentora do projeto. Agora estamos a criar condições para lançar a pedra para a construção da biblioteca. Já conseguimos contactar a empresa que vai fazer o trabalho. Estamos a conseguir com marcas como a Unitel que abraçou a causa com força. Gostaríamos de ter mais empresas a abraçar a causa, aliás, nós não vamos parar porque o nosso objetivo é erguermos a biblioteca, entregarmos o empreendimento às crianças do vilarejo para elas saberem que vale ter formação, poderem brincar (lendo livros) porque, por vezes, não têm onde brincar e não sabem o que fazer e, assim, acabam por ter um espaço para aprenderem mais um pouco.
Quando é que arrancam as obras de construção da biblioteca?
As obras vão começar já agora em julho. Tivemos apresentação do último programa este sábado na Rtp-África e, a seguir, começamos com o lançamento da primeira pedra e, a partir daí, dar seguimento aos trabalhos de construção. O objetivo é termos a obra finalizada até novembro. Portanto, vamos continuar a angariar mais apoios, partilhando o IBAN de Angola e de cá (Portugal) para os que puderem ajudar, porque a obra é um bocado cara e precisamos de esforço de todos.
Em termos percentuais e numéricos, o que isso representa, ou seja, o que se conseguiu angariar do valor total para a construção da obra?
Daquilo que conseguimos angariar, nós estamos com 50 por cento do valor da obra, avaliada em 11 mil euros.
E o apetrechamento da biblioteca?
Estamos a ir por fases. A primeira fase é conseguir o dinheiro para construção, depois passarmos à fase seguinte. Se nesta altura conseguirmos apoios para livros e de tudo o que podermos colocar lá é tudo bem-vindo.
E esses valores pretendem ser também para a compra destes livros, ou as pessoas podem também doar os livros?
Há alguma forma de fazer chegar?
Nós neste momento estamos a lutar para conseguirmos adquirir financeiramente o valor para fazer a obra, mas queremos ir já criando condições para as pessoas poderem doar aquilo que nós iremos colocar na biblioteca. Só não fizemos até agora porque ainda não temos espaço onde poderão ser colocados os livros. A biblioteca vai ser construída para conseguirmos tê-la até novembro.
É possível discriminar os valores até aqui arrecadados em termos de origem? Qual é o ponto do mundo que mais contribuiu: são imigrantes em Portugal, nos EUA ou outros espaços territoriais?
Conseguimos mais a partir de Angola. Neste momento é onde temos maior participação, apesar da crise. Acho que o povo angolano e as pessoas que estão lá têm o espírito de solidariedade também porque estão lá e conhecem a realidade. Uma coisa é dizeres alguém que está a ver e sabe como as coisas funcionam, outra coisa é imaginar e não conseguir ter a noção das necessidades. Então é fácil conseguir tocar na pessoa que conhece a realidade. As que estão em Angola conhecem. Aqueles que podem e têm melhores condições do que as outras acabam por ter esse espírito de solidariedade de poder ajudar.
Sei que o projeto Etimba tem estado apostado a fazer a parte internacional. Quer desenvolver um bocado?
É aí que começamos com Portugal. Deu para dar uma outra dinâmica do próprio Etimba do que foram as três edições passadas, que foram feitas só em Benguela. Na edição deste ano conseguimos fazer em dois palcos: em Luanda e Lisboa, o que foi positivo e temos mais condições para criar possibilidades para quando terminar essa situação de confinamento e a crise pandémica, no próximo ano, fazermos de uma maneira mais presencial e mais dinâmica do que foi este ano.
Sei que vocês levaram a cabo um evento de “Diplomacia cultural como ponte entre povos”. É para complementar o festival ou é uma perspetiva nova?
A ideia é uma perspetiva nova que visa dar uma nova dinâmica ao festival que acaba por estar interligado. Aquilo que nós queremos é que as pessoas conheçam o festival em si e que o nome Etimba Fest possa estar no ouvido das pessoas e estas consigam acompanhar através das redes sociais onde vamos colocar todos os concertos que aconteceram cá para que as pessoas possam acompanhar e reviver. Isso acaba por ser a parte cultural que casa com a outra.
Nos próximos eventos, admitem a hipótese de incluírem músicos de outras paragens, que não sejam só de Angola?
Sim. Desta vez não tivemos tantos, mas o nosso objetivo é mesmo esse, por isso nós queremos dar um outro voo em relação a esse festival e queremos fazer melhor do que deste ano. Queremos trazer outros nomes até porque o objetivo inicial é ter um intercâmbio dos artistas da lusofonia, pelo que acredito que no próximo ano o cartaz será mesmo da lusofonia não algo pensado só para Angola mas, sim, para toda a lusofonia.
Qual foi o grande ganho que tiveram em termos de aprendizagem deste festival neste novo formato?
Para nós foi tudo novo. Aliás, todas as coisas que estão a acontecer agora são novas e nós temos que nos adaptar a essa nova realidade. E a nova realidade ensinou-nos que podemos fazer as coisas acontecerem desde que tenhamos vontade. As atuações feitas em Angola foram gravadas em estúdio e é triste porque tivemos, por exemplo, o Gattuso, que foi o momento do Kuduro e que teve que fazer sem público, sem ouvir gritos. No entanto, conseguiram com os dançarinos e convidados que ele teve momentos alegres e dinâmicos, mas se tivesse público teria sido completamente diferente. Também tivemos a Patrícia Faria e a Banda Maravilha que tiveram apresentação lindíssima, mas nós estamos habituados a ver a Patrícia fazer levantar cadeira e público. Naquele momento não vi isso. E aqui em Lisboa já foi um bocado mais soft. Tivemos as atuações do Yuri da Cunha, que se adaptou também à realidade. A sua atuação não foi a habitual. Ele teve que fazer um repertório a saber que a sala tinha a capacidade para menos de 100 pessoas, portanto, era uma sala pequena, adaptada para isso e ele fez um repertório muito mais soft e não aquele repertório de sembas e kizombas, o que deu para perceber que podemos fazer coisas acontecer. Isso foi uma lição que nos ajuda a podermos preparar para que caso seja necessário continuarmos nessa situação podemos ter uma ideia do que fazer para os próximos eventos em relação a isso.
Os eventos futuros estarão sempre ligados a uma causa, como está a acontecer com obra de solidariedade, a biblioteca?
Sim, o Etimba vai ter sempre um ato de solidariedade. Para esta edição, o objetivo é a biblioteca até conseguirmos construí-la e apetrechar, só aí estaremos descansados e no dia da inauguração nos sentiremos felizes e realizados. Para o próximo festival vamos trabalhar de modo a vermos qual outra situação social a que os músicos vão abraçar para podermos associar ao Etimba e todos juntos podermos apoiar uma causa.
E pensam trabalhar apenas com músicos ou pessoas de outras áreas artísticas?
Pensamos trabalhar com toda gente ligada à arte, portanto, estamos a falar de atores. Nos próximos dias vai passar na plataforma Musickool.net a parte da pedagogia, vai ter filme de Sílvio Nascimento e o monólogo de Miguel Costa, que é muito bom. As pessoas vão poder acompanhar. Temos também momentos de stand up comedy com Goz’Aqui, da arte cénica. Portanto, temos a parte musical e do resto das várias vertentes na arte.
É caso para dizer que a diáspora angolana conseguiu adaptar-se à Covid-19?
Sim. Não havia como não conseguir nos adaptar. (MM)