
Manuel Matola
Na véspera do seu trigésimo aniversário, a ativista social Neusa Sousa iniciou uma profunda reflexão sobre o verdadeiro sentido de autorrealização, procurando desmistificar os tabus à volta de uma questão que muitas jovens nessa faixa etária normalmente fazem ao se depararem com o dilema relacionado ao sucesso pessoal aos 30 anos. Quando tentava definir um tema para a 6ª Edição do Chá de Beleza Afro, eis que surge a pergunta intemporal cuja resposta é nada consensual: “Mas, afinal, o que é o sucesso?”. A seguir, a empreendedora ditou uma sentença: “Vive o teu Sucesso”. No próximo dia 04 de junho, o Fórum Lisboa juntará quase 600 pessoas de gerações diferentes para debater o lema. A principal oradora no evento será a deputada socialista Romualda Fernandes que falará sobre o sucesso discreto. “É que de entre as três anteriores deputadas negras eleitas na legislatura de 2019, ela foi a menos falada”, justifica Neusa Sousa, lembrando, entretanto, que do trio, a jurista luso-guineense foi a única parlamentar que conseguiu ser reeleita. “E, sim”, haverá muito mais intervenientes no encontro que será dividido entre palestras dinâmicas adaptadas ao tema, testemunhos reais e momentos culturais. O jornal É@GORA entrevistou a fundadora do Chá de Beleza Afro, plataforma de networking, promoção e empoderamento das mulheres africanas e afrodescendentes em várias esferas da sociedade portuguesa. Acompanhe:
Este é o sexto evento do Chá de Beleza Afro. Quais são as grandes novidades para a edição de 2022?
Este ano pretendemos tornar o Chá de Beleza no maior evento de empreendedorismo de afros em Portugal e prevemos ter presente aproximadamente 600 pessoas.
Isso significa mudança de local de realização?
Sim. Será no Fórum Lisboa [Antes era no espaço Espelho D`Agua].
E o novo espaço tem capacidade para quantas pessoas atendendo a situação pandémica?
Setecentas pessoas. Na última edição tivemos 200 pessoas. O nosso plano para este ano é triplicar este número.
Estamos a falar de participação de pessoas de todo o país e eventualmente também as de fora?
Sim. De todo Portugal. Também teremos presença de pessoas da Inglaterra, França, Luxemburgo, Suíça.
O que isso vai representar em termos de estrutura e do programa do próprio evento? Haverá alargamento do tempo? Qual é o impacto direto desta alteração?
Vamos acrescentar um e outro apontamento de forma a surpreender as pessoas que já foram ao evento Chá de Beleza e as que nunca lá foram.
Quantos convidados especiais, oradores e intervenientes estarão presentes? Fazendo uma comparação com o evento anterior, o que representa em termos de número?
Vamos diminuir o número de oradores porque no ano passado percebemos que a quantidade não é qualidade, então vamos tentar dar mais tempo de forma a que os convidados possam interagir com a plateia. Essa foi uma das críticas que tivemos, pelo que queremos dar maior crédito aos oradores no sentido de exporem as suas ideias e as pessoas poderem tirar dúvidas.
O que justifica o tema atual, que é…?
“Vive o teu sucesso”. A escolha do tema atual deriva do facto de muito se falar de autoaceitação e autoconhecimento e cada vez mais termos informações que nos levam a questionar quem realmente somos e que caminhos queremos seguir. Muitas vezes com expetativas demasiadamente altas em relação ao sucesso ou não sucesso derivados de diversos fatores económicos e não económicos, como a formação académica e muito mais. E o facto deste ano eu completar 30 anos, tive vários questionamentos. [De resto, nesta idade], as mulheres principalmente têm muitas dúvidas sobre os resultados alcançados aos 30 e questionam, por exemplo, o porquê de não ter um valor na conta bancária, não ter chegado ao patamar que tinha estipulado aos 18 ou 19 anos. As exigências são demasiadas. Mas aos 30 isso nem sempre é equiparado à realidade. Então, o facto de eu sentir que muitas coisas que almejei ter quando chegasse aos 30 não as tenho neste momento – apesar de ter conquistado outras coisas que não tinha almejado -, fez-me achar que este seria um tema ideal. Tenho à minha volta muitas mulheres que têm abdicado das suas áreas de formação ocupando-se noutras porque não conseguiram aquilo que queriam efetivamente, e com a pressão social dos pais, dos “Media” e toda a conjuntura atual, chegando a essa idade – a casa dos 30 – começam a questionar mais aquilo que elas são e procuram mudar o rumo. Então é essa reflexão que quero trazer – mais porque o tema está em voga. Como também tenho à volta mulheres como eu que questionam quem são, o que têm e se realmente são ou não mulheres de sucesso, e até que ponto estes questionamentos se tornam frustrações, que acabam por trazer consequências sejam elas boas ou más, [daí que se optou pela escolha do tema].
E quem vai refletir à volta destes temas todos? Já se pode avançar com os nomes dos oradores?
Vamos ter a deputada Romualda Fernandes que vai tocar muito na questão do sucesso discreto. É que de entre as três anteriores deputadas negras eleitas na legislatura de 2019 foi a menos falada. No entanto, foi ela quem conseguiu [ser reeleita para XV Legislatura ao] manter-se no cargo tão disputado por várias mulheres, sobretudo, negras. Achamos que ela poderia ser a pessoa ideal para falar sobre isso: dizer o que é sucesso para ela, mesmo com o facto de não ser tão falada. Se isso se equipara ao [seu conceito] de (não) sucesso. Temos a confirmação da Ana Sofia Martins que vai falar sobre a sua ascensão desde 2014 enquanto atriz, o foco dos “Media” e agora que já passou a espécie do Afro. Também vamos ter Roselyn Silva, que foi uma das primeiras estilistas africanas a fazer sucesso cá em Portugal, onde hoje em dia o mercado alargou. [Ela dirá] como é que se depara com o facto de [hoje já] não ser centro das atenções; como gere a sua imagem para continuar a ser uma das grandes referências de moda.
E de fora de portas estará alguém?
Não. Todas as pessoas que convidamos residem em Portugal, porque nós ainda não temos verbas que nos permita trazer pessoas de fora do país.
Associada a essas três há mais pessoas?
Sim. Há, por exemplo, uma cabeleireira que se tornou numa das referências no que toca ao mundo dos cabelos afro e hoje é empresária no ramo de salão de beleza: a Nádia Garcia que dará o seu testemunho [pois] veio a Portugal como doente de cancro e [atualmente] tem maior sucesso já com três salões de beleza em Portugal. Também teremos Izamara Matos que é fundadora da marca BijuOnline. No ano passado ela largou o emprego enquanto jurista para se dedicar à sua marca de bijuterias. E teremos outros oradores da área de Psicologia, na área Imobiliária. Todas são lusófonas, uma das quais brasileira.
Relativamente à questão dos custos, que aflorou anteriormente, o que está a ser discutido ao nível dos organizadores do evento e aquilo que é a experiência que pode ser partilhada sobre a possibilidade ou não de se conseguir financiamentos para eventos para comunidades como a africana e aos mais jovens?
Primeiro é a falta de acesso a esse tipo de investimentos. Apesar de estar num meio em que até posso ter esses acessos [atualmente, não os tenho], talvez por culpa minha por não ter tempo suficiente para pesquisar profundamente e depois ter tempo para fazer candidaturas que são bastantes burocráticas e exigem muito de nós – em termos de tempo e dedicação. Mas eu não tenho tanto tempo de procurar e depois candidatar-me. Depois tem a questão de as candidaturas serem restritas. Nós não somos uma associação. Somos um grupo de pessoas singulares que se juntou para uma causa. Os financiadores procuram muito as associações ainda que exista uma série delas que não fazem nada. Para as pessoas terem acesso ao financiamento têm que legalizar o projeto e tem que existir a longo de anos. Há essa obrigatoriedade de se ter uma associação que é para conseguir ter financiamento. Por isso, tenho sofrido consequências porque não consigo ter financiamentos nem patrocinadores porque não somos uma associação. Mas pelo facto de estarmos na Década de Afrodescendentes que vai terminar no ano 2024 considero que o que fazemos é muito mais do que fazem as associações que tocam essas questões de afrodescendentes, racismo e mulheres negras, porque nós impactamos a vida das mulheres. Mas a burocracia em Portugal nos impede a ter acesso ao financiamento. [De resto] sentimos haver uma falta de interesse da parte de algumas entidades – que até nos conhecem -, que ao invés de dar dinheiro poderiam doar coisas em género, como por exemplo, banners para eventos, oferecer o catering, [ajudar a cobrir]os gastos associados a quaisquer organização de eventos, mas não temos esses acessos. Já tentei também entrar em contacto com a Secretaria de Estado para Cidadania e Igualdade, que lida com questões de género, mulheres periféricas e não periféricas. Se fizessem o trabalho de casa e se quisessem poderiam ter entrado em contacto connosco. Penso que já ouviram falar [do Chá de Beleza Afro]. Inclusive já mandei email para a instituição e ainda não tive resposta. Também tentei contactar outros organismo que trabalham com as questões de género em Portugal, mas parece que não se preocupam com as mulheres negras ou racializadas. Este é um trabalho que nós fazemos mesmo que não não sejamos uma instituição formalizada. Fazemos muito trabalho de campo que muitas instituições legalizadas não o fazem.
E essa legalização é uma hipótese a pensar, ou preferem continuar nesse registo?
É uma hipótese a pensar, mas só não tivemos tempo para tal. Precisamos de uma equipa com disponibilidade. Isso envolve custos. Apesar de o Chá de Beleza ser um evento que se paga, todo o valor que arrecadamos é basicamente para cobrir os gastos que temos tido, uma vez que não temos financiamento. Mas, sim, está para breve, quiçá, até a próxima edição, se tudo correr bem, possamos estar legalizados e estarmos à altura de conseguirmos financiamento. (MM)