Escritor Ireneu Vaz lança romance sobre emigração em “livestream” devido à Covid-19

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Escritor e Engenheiro Irineu Vaz
    Manuel Matola

O escritor Ireneu Vaz vai lançar, este domingo, em “livestream”, o romance de ficção “Os Aristocratas”, uma trilogia cujo drama de fundo se baseia nas dinâmicas da emigração, um enredo que parte de realidades dispersas e discorre sobre uma série de temas que se interligam entre Luanda, Praia (Cidade Velha) e Dubai.

A obra retrata a vida da Lisy, a personagem principal da obra, que migra de Cabo Verde para Angola em busca de uma vida melhor e cai numa rede de exploração sexual cujas teias de influências se desenrolam num espaço triangular: Luanda, Cidade Velha e Dubai, um dos principais polos de atração turística nos Emirados Árabes Unidos.

“A história resume-se no seguinte: é uma miúda que escolheu uma vida fácil para ganhar dinheiro e organizar-se, e meteu-se numa alhada que começou a custar-lhe a vida, aliás, a sua vida começou a ter risco de morte. E para isso, um dos seus familiares, que goza de muitas influências acaba por intervir para lhe resgatar. E o drama do livro é todo esse processo de resgatar a rapariga do caminho que ela entrou”, contou Ireneu Vaz, em entrevista ao jornal É@GORA.

A ser apresentado por Sónia Silva, a partir de Nova Iorque, com o autor, Ireneu Vaz, em Cabo Verde, e o coordenador editorial, Luís Vicente, em Portugal, a obra será lançada “em real time para África e para o mundo inteiro”, afirmou o romancista.

Pelo menos, entre os escritores africanos radicados em Portugal, este será o primeiro lançamento de género de um livro que oficialmente já está disponível no mercado, depois de ter sido colocado à venda, hás dias, nas prateleiras online, devido à Covid-19.

Engenheiro civil de profissão, o escritor Ireneu Vaz, que nasceu na região de Bafatá, na Guiné-Bissau, carrega consigo duas nacionalidades: a cabo-verdiana e guineense, apesar de viver maior parte do tempo entre Lisboa e Cabo Verde, onde o romance começou a ser escrito em 2016.

“Já lá vão quatro anos”, lembra Ireneu Vaz sobre o início da produção do novo livro que “é um facto ficcionado baseado em histórias dispersas”, que foi interrompido para permitir a publicação do anterior.

“A história da personagem principal é válida tanto para uma pessoa que sai de Cabo Verde, São Tomé ou Moçambique”, aliás, “ela é extensível a qualquer outra geografia, porque o fundo é o mesmo: uma pessoa que não desespera na sua condição do seu país de origem e procura uma vida melhor” no estrangeiro, assinala.

Na verdade, esta é “uma história de emigração que nos desafia a viajar pelos dramas – que liga e separa, o sonho de uma vida melhor com a dura realidade que este mesmo sonho desperta”, segundo se pode ler na sinopse do livro.

Mas no desenrolar do drama narrado em 230 páginas, há “um segundo personagem do livro, senão principal (Rafael), que é quem a tenta resgatar” do problema em que a Lisy esteve envolvida “nesta dinâmica de procura de uma vida melhor” onde depois “cai numa malha da prostituição e, a partir daí, começa a acontecer-lhe uma série de histórias: desde criminalidade bancária, religiosa”.

“Ela acaba por ser um peão no meio disso tudo”, que é controlado pela “rede que está consolidada lá fora, está no mundo inteiro e, por sua vez, tem interesses em Cabo Verde porque tem outras atividades paralelas”, assegura o autor ao jornal É@GORA numa conversa telefónica a partir das ilhas cabo-verdianas.

E do lado daquele Arquipélago há aqui um contraponto que se faz com a Cidade Velha, “que é o interesse dessa mesma organização instalar-se em Cabo Verde e cria aqui uma série de debates sobre a maneira de viver em Cabo Verde, a maneira como se investe, o valor que se quer que prevaleça”, explica o escritor.

“Portanto”, acrescenta Irineu Vaz, “através de um drama pessoal, o livro acaba aos poucos ir levantando uma série de temáticas dos que estão sintetizados no primeiro parágrafo da sinopse: falo da reserva moral, da religião, do próprio interesse do património cultural nisso tudo”.

“E”, acrescenta: “também tenho, nos primeiros capítulos, uma introdução breve: personagens que falam da (Batalha de) Cuito Cuanavale, a guerra que se travou em 1988/89 em Angola com a invasão dos sul-africanos. Isso também trouxe muitos estigmas a nível de formação do próprio conceito do patriotismo angolano”, prossegue o autor.

No fundo, “há todo uma introdução sobre o que é a Angola, na sua história recente, e o que é aquela Angola que passou para esse modelo mais económico: a transição daquilo que foi uma Angola mais comunista, pelo menos do seu dia a dia, para uma Angola mais liberal que é o que está hoje”.

Segundo o escritor, a obra “é um exercício de resenha daquilo que é Luanda dos anos 2007 até 2015 envolvendo pessoas singulares, uma conjuntura urbana, a problemática das novas religiões (mais as seitas), que se encontram em cada canto”.

“De certa maneira, fiz uma série de sátiras de como as igrejas têm massacrado a própria população de uma maneira muito subtil. Então há aqui um bocado de crítica de como as igrejas têm atuado, a própria dinâmica da construção da sociedade, da sua perspectiva mais urbana. À data de hoje, o livro remonta à realidades que se vivia de há sete ou oito anos para cá. E é um bocado esse exercício de memória”, afirma.

A trilogia, sob chancela da Nimba Edições, de Luís Vicente, editor que está a trabalhar quase em exclusivo com autores que produzem a literatura africana lusófona em Portugal, é a primeira que aborda “o drama social” relacionado com “a temática da emigração”.

Nas próximas duas obras, Irineu Vaz admite alterar o relato do drama social se viveu neste primeiro romance, mas “as realidades” destas personagens “continuarão sobre esse mesmo fundo”.

“É uma realidade que se viveu mas que obviamente foi um drama social”, pelo que ficará registada, diz o escritor, que no entanto, chama atenção para o enredo do livro que “não é em si uma crítica”.

“Não é um livro que se lê para dizer que há um culpado ou inocente. A ideia é descrever uma realidade de uma maneira isenta. Não há aqui juízos de moral do que estes que fazem deviam ter feito isso ou aquilo. Não há um julgamento nem moral nem jurídico. É ler uma realidade”, ate porque a Lisy “é uma pessoa que toma a decisão de seguir um caminho e (pela frente) vai lidando com uma série de problemas” pelos quais passa “contra esse mesmo caminho que ela escolheu”, conclui.

Biografia

O escritor Ireneu Vaz tem um percurso académico profissional e familiar que, nos últimos 20 anos, o levou a partilhar a vida entre Guiné-Bissau, Cabo-Verde, França, Portugal, Espanha, Angola, Dinamarca, Moçambique e Dubai, a capital dos Emirados Árabes Unidos.

Mestre em Engenheira civil pela Universidade de Cercy-Pontoise, na capital francesa, Paris, Ireneu Vaz é especialista em Economia de Construção e Gestão de Contratos de Construção Civil e Obras Públicas. Exerce atividade profissional como consultor e gestor de projetos de engenharia e arquitetura no continente africano e europeu.

Destes encontros, experiências e desencontros com gentes de várias culturas, crenças e valores, em 2016, Ireneu Vaz publicou o livro “Ânima-Uma Viagem de Alma Inteira”, uma coleção de textos, poesias, reflexões e meditações que resumem os 20 anos de escrita, um instrumento que usa como ponto de recuo e de equilíbrio para se retirar da parte prática da vida.

No âmbito da venda do livro referente aos direitos do autor, o escritor lançou a campanha “Ânima entre Nós”, que resultou na angariação de 854 euros e que foram entregues no Hospital Regional de Bafatá para compra de materiais médicos de diagnósticos e de prevenção de enfermidades infantis.

Na altura justificou a decisão: “Sou defensor de uma cidadania pro-activa, assente nos valores republicanos, tendo por focus a constante elevação da cultura e o desenvolvimento integrado das sociedades”.

Apesar de ser apaixonado pelas ciências, Ireneu Vaz tem uma inclinação pelas artes e pela literatura. É comentador de assuntos políticos especialmente sobre a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, organização que considera não deter de “interesses partilhados”, o que faz com que seja uma “comunidade inócua, estéril e improdutiva com sérias tendências para o anti-evolucionismo”. (MM)
 

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