O desporto é uma arma fundamental para combater o racismo, devido à “atitude solidária” prevalecente entre os atletas, mas “o Estado deve legislar” sobre a matéria para erradicar o fenómeno “e não deixar que o crime compense”, considera António Simões, antiga glória do Benfica.
A proposta do mundialmente conhecido jogador de futebol, que pertenceu à magnífica geração de 60 que conquistou uma Taça dos Campeões pelo Benfica e o 3º lugar no Mundial de 1966 pela Seleção Portuguesa, foi lançada num debate intitulado “Pensar o Racismo no Desporto”, que juntou, em Lisboa, atletas, dirigentes desportivos e líderes de organizações de apoio às populações imigrantes em Portugal.
“O desporto proporciona a oportunidade de sermos companheiros. No balneário aprende-se algo importante que pode ser transmitido”, a ideia de que “as nossas virtudes ganham sempre aos nossos defeitos”, disse o antigo jogador de futebol que aos 75 anos diz ter “legitimidade para falar” e dispensou ovações que recebeu ao longo das intervenções que fez para sugerir mudanças na sociedade portuguesa visando emendar aquilo que considerou “estar mal” quando o assunto é racismo.
“Lá em casa tenho uma parede só de medalhas. E quando quero olho para lá e levanto o meu ego que corresponde a dez anos” disse em protesto.
As práticas discriminatórias que ocorrem no desporto em Portugal e as formas de integração de grupos racializados foram a tónica dominante de uma discussão em que um dos alvos centrais foram os “media”, que, para a generalidade dos intervenientes, têm primado por uma abordagem enviesada sobre o fenómeno racismo.
“Há quem queira evidenciar esse racismo que não existe” no desporto de forma isolada, quando as práticas do racismo devem ser atribuídas aos mais setores da sociedade, considerou António Simões.
“O desporto tem uma atitude mais solidária do que a generalidade de outros setores da sociedade” no que respeita ao racismo, afirmou o ex-jogador, apontando, como exemplo de espírito de companheirismo numa equipa, um episódio que ocorreu na época em que ainda jogava para o Benfica.
Segundo António Simões, o Benfica teve um jogador de futebol descendente de são-tomenses – de nome Guilherme Espírito Santo – que representou o clube entre 1936 e 1949. Um dia quando a equipa foi a uma instância turística, o jogador foi barrado pela sua cor da pele, tendo sido remetido para dormir num anexo.
Mas “a equipa toda reagiu: se ele vai ao anexo então vamos todo”, contou António Simões para demonstrar o nível de solidariedade que existe no desporto.
“O desporto é dos setores onde há menos racismo”, mas é necessário “haver mudança de paradigma em relação ao racismo na sociedade portuguesa”, aliás, “é preciso mudar um bocado o sistema educativo para reduzir as questões raciais. Cada um tem que fazer a sua parte”, disse, por seu turno, o angolano Bernardo Manuel, diretor técnico de Atletismo do Sporting, que na década de 70 e 80 ajudou o Sporting a ganhar vários títulos regionais e nacionais de Corta Mato.
“É preciso trabalhar sobre o racismo também no jardim de infância”, sugeriu Anabela Rodrigues, mediadora cultural na Associação Solidariedade Imigrante e ativista do Grupo Teatro do Oprimido de Lisboa.
Apesar da associação do fenómeno aos problemas sociais, no geral, a quase totalidade dos intervenientes foi unânime em apontar uma modalidade onde a prática de segregação ainda é notária: a natação, um desporto onde, segundo Anabela Rodrigues, “ainda não se quebrou a barreira étnica”. (MM)