Francisca Van-Dunem: “Sempre procurei fazer o melhor possível no limite das minhas competências”

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Francisca Van Dunem, ministra da Justiça- FOTO: Lusa ©

Manuel Matola

A ex-ministra da Justiça, e da Administração Interna de Portugal, Francisca Van-Dunem, foi homenageada pelo Chá de Beleza Afro, numa cerimónia onde a juíza jubilada defendeu uma ação concertada visando à criação de oportunidades para as pessoas racializadas ocuparem cargos públicos em Portugal.

“Não se trata de um dia termos tido uma ministra da Justiça que era negra. Trata-se de alterar as coisas para toda uma comunidade. E é essa transformação que nós só podemos fazer em conjunto”, disse Francisca Van-Dunem após ter sido considerada a Mulher Referência na comunidade negra em Portugal pela maior plataforma de networking que há seis anos trabalha na promoção e empoderamento das mulheres africanas e afrodescendentes em várias esferas da sociedade portuguesa: o Chá de Beleza Afro, liderada pela ativista Neusa Sousa.

A homenagem de Chá de Beleza Afro a Francisca Van-Dunem, feita num jantar realizado na noite de quarta-feira no Espaço Espelho d’Água, em Lisboa, contou com a presença da deputada socialista Romualda Fernandes e da historiadora Joacine Katar Moreira, cuja eleição ao Parlamento em 2019 assinalou o marco histórico ao quebrar-se a tradicional falta de representatividade étnico-racial naquele órgão legislativo desde que Portugal se tornou um Estado de Direito democrático, em 1974.

Destacando a necessidade de “alterar as coisas para toda uma comunidade” africana e afrodescendente em Portugal, Francisca Van-Dunem afirmou que essa transformação nunca é individual isso porque, apesar de “o percurso de cada um ser solitário e individual”, o sucesso “não é um resultado individual”, é coletivo.

Por isso, quanto a essa transformação em prol dos afrodescendentes e não só, disse: “Eu não posso fazê-la. A Joacine [Katar Moreira] tem muito mais força do que eu, mas provavelmente não pode fazer sozinha. A Romualda Fernandes é outra [que não poderá fazer sozinha]. E todas vocês. Cada uma de vocês tem um potencial incrível”, disse a juíza conselheira reformada do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ao dirigir-se a uma plateia que concordava com o seu discurso ovacionando-a.

“Mas não tenham ilusões”, prosseguiu Francisca Van-Dunem: “só juntas, coordenadas e articuladas é que conseguimos fazer um percurso que nos dê força, competência e visibilidade” como a que teve a então deputada Joacine Katar Moreira, “uma mulher de extraordinária inteligência, grande coragem e um incrível sentido de humor”, bem como Romualda Fernandes, a parlamentar “que é uma grande referência para as mulheres negras deste país” onde há anos trabalha “também [n]uma atividade mais geral a nível da promoção dos direitos dos imigrantes”.

Ex-Deputada Joacine Katar Moreira ©
“É uma inviabilização organizada”, considerou Joacine Katar Moreira, intervindo após declarações de Francisca Van-Dunem.

“Não é porque não existe qualidades, competências, pessoas com uma energia ótima. Às vezes é necessário nós arrumarmos a nossa casa. E se nós arrumarmos o espaço por onde andamos nós nos fortalecemos e não andamos com aquela sensação de que estamos sós”, defendeu Joacine Katar Moreira.

“Tudo o que a Joacine disse, eu assino por baixo”, afirmou a deputada do PS Romualda Fernandes, que lembrou “o orgulho” sentido no dia em que Francisca Van-Dunem foi anunciada como titular da pasta da Justiça pelo governo do Partido Socialista.

Deputada luso-guineense Romualda Fernandes
Foram vários “telefonemas de jornalistas a questionar o que representa ter uma mulher negra como ministra, [ao que] eu disse: conhece a competência da senhora, conhece o currículo dela, acompanhou o percurso dela. A novidade onde é que está? Apenas no facto de ser negra, porque nenhum dos ministros chegava às vezes aos calcanhares da nossa ministra”, disse Romualda Fernandes.

Lembrando as origens familiares em Angola, país “em que a solidariedade do grande grupo da grande família sempre foi uma tónica nas relações quer intrafamiliares, quer no âmbito de uma família mais alargada, [ou] mais social”, Francisca Van-Dunem insistiu na necessidade de fazer trabalho em conjunto visando à promoção e empoderamento das mulheres africanas e afrodescendentes em várias esferas da sociedade portuguesa.

Para a ex-ministra, “só coletivamente é que podemos avançar. E é esta ideia que a Neusa [Sousa] aqui traz e tem” do projeto Chá de Beleza Afro, um evento que no passado dia 04 de junho procurou juntar no Fórum Lisboa quase 600 pessoas de gerações diferentes para debater o tema “Vive o teu Sucesso”.

A principal oradora no evento em que Francisca Van-Dunem não participou presencialmente – pelo que não pôde ser agraciada com o galardão – foi a deputada socialista Romualda Fernandes que falou sobre o sucesso discreto.

“É que de entre as três anteriores deputadas de origem guineense eleitas na legislatura de 2019, ela foi a menos falada”, justificou anteriormente Neusa Sousa em entrevista ao jornal É@GORA, lembrando, entretanto, que enquanto a deputada bloquista Beatriz Gomes Dias e Joacine Katar Moreira não renovaram o mandato, a jurista Romualda Fernandes foi a única parlamentar do trio que conseguiu ser reeleita.

Estabelecendo um paralelismo entre atores políticos e os da sociedade civil, a ex-ministra da Justiça portuguesa frisou que a mentora do Chá de Beleza Afro “não exerce um cargo político mas a influência dela no quotidiano vai muito além da política porque ela é capaz de fazer a diferença na vida de muitas mulheres”.

Voltando a centrar o discurso em torno da sua passagem pelo governo do PS, Francisca Van Dunem assegurou: “Sempre procurei fazer o melhor possível no limite das minhas competências. Mas aí percebi que é uma responsabilidade partilhada que no fundo representava a vossa imagem e que não só: da minha família que eu adoro. E tinha de facto que dar o melhor de mim, todos os dias, todas as horas, todos os minutos”.

E acrescentou: “Foi um percurso que fiz e que me senti profundamente acompanhada por todas vós. Obviamente acompanhada a nível do governo, dos meus colegas do governo e, em particular, pelo primeiro-ministro que sempre me deu um grande apoio nos bons, mas, sobretudo, nos maus momentos, porque é nos maus momentos que se percebe aqueles que estão connosco, que nos dirigem uma palavra, que percebem que nós precisamos naquela altura exata de que alguém que nos diga: olha, eu estou aqui. Eu compreendo, estou consigo e eu reconheço a sua verdade”.

Francisca Van Dunem liderou o Ministério da Justiça desde Novembro de 2015, mas passou a acumular a pasta com a tutela do Ministério da Administração Interna a 04 de Dezembro de 2021 após a exoneração de Eduardo Cabrita do executivo. A então ministra foi até ao fim do mandato da anterior legislatura.

Neste período de tempo, “uma das coisas que mais me marcaram nesse governo foi a solidariedade do primeiro-ministro António Costa nos momentos em que eu tive maiores dificuldades”, reafirmou. (MM)

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