Grace Évora propõe um conservatório de educação musical em Cabo Verde

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Grace Évora quer ver criado um conservatório de educação musical em Cabo Verde, assim como aplaude o empenho do governo cabo-verdiano em elevar a morna a Património Imaterial da Humanidade. O músico holandês, de origem cabo-verdiana, está a assinalar os 30 anos da sua carreira, cheia de “momentos de glória”. Afirma ser tempo de pensar o futuro, com um Grace Évora “mais maduro”, que, com o peso da idade, pensa dar mais primazia a estilos musicais tradicionais como a morna e a coladera.

Já conta com 50 anos de idade, Grace Évora – da geração de cabo-verdianos cujos pais deixaram a terra natal para emigrar em busca de uma vida melhor – assume-se como “um artista abençoado”, sobre quem pesa nos ombros uma carreira invejável. Todos os momentos do seu percurso como músico são marcantes. Tal é que prefere não destacar nenhum, «porque são muitos os momentos de relevo». Vive um sonho de cada vez desde que começou como baterista da emblemática e já extinta banda “Livity”.

“Sonhava ser baterista de um grupo famoso”, confessa. “E não sabia, entretanto, que tinha dom para cantar”.

Inibido a falar português, diante de alguns amigos, promotores de espetáculos e jornalistas, insiste: “eu simplesmente comecei a tocar bateria e do nada surgiu Grace Évora”. Religiosamente, afirma depois que, “graças a Deus, só estão a acontecer coisas boas”. Espera, com fé, que assim continue.

Para ele, “cada show é um sonho”. E, o mais importante ainda – acrescenta – é sentir os seus fãs, aqueles que gostam do seu trabalho e do seu caráter. “O mais importante é o que o meu público demonstra através de mensagens e presença nos meus shows”, diz com um certo orgulho.

Sobre o futuro, não faz futurologia. Entre sorrisos e aplausos, diz não antever quem ele será em 2069, em alusão ao título que adotou para o seu mais recente trabalho discográfico. “Espero chegar até lá”, diz com ironia, depois de recordar ter nascido em 1969. Apesar da incerteza quanto ao futuro, garante que, por enquanto, quer continuar com o seu estilo musical, mais inspirado em misturas, por exemplo do cadance e do zouk. Mas, também admite trabalhar no futuro, com mais foco na morna e na coladera.

Deste álbum ainda é incerto o volume II. “Está difícil”, lamenta em alusão ao comportamento do mercado, que “não favorece”. Mas, dá conta, vai lançar em breve um single do segundo volume e, talvez, daí surja um outro CD. Para isso, confirma, tem já feitas muitas canções.

A ideia inicial do “2069” era lançar um só álbum com 30 músicas para celebrar os 30 anos de carreira. Mas, os amigos aconselharam-no a não seguir esse caminho. “Por isso”, acrescenta, “tenho muitas músicas prontas e vou lançando aos poucos em singles”. Alguns dos temas serão também em vídeo.

Dificuldades incitam os jovens a emigrarem

Entre perguntas e respostas, Grace Évora é interrogado sobre eventuais adversidades que tenham marcado a sua carreira. Responde com sapiência que é “dos poucos [músicos] que continua de pé”, num momento marcado por dificuldades para quem vive da produção musical. O segredo – sustenta – é a aposta na qualidade, “sem correr atrás do que o outro está a fazer”.

Por falar de adversidades, concorda que «há muitas dificuldades» e conta que teve de bater a porta de amigos para conseguir lançar o novo trabalho. “Custa dinheiro fazer um disco com qualidade”, que agrade o público.

A propósito de vistos e dos entraves que os imigrantes enfrentam para circular na Europa, o músico considera-se livre de eventuais obstáculos por ter a nacionalidade holandesa. Mas, reconhece que tal é mais difícil para os jovens cabo-verdianos [ou de outros países africanos] que queiram vir para a Europa em busca de uma vida melhor.

A falta de recursos e de alternativas em países como Cabo Verde leva os cidadãos a aspirarem emigrar. “A emigração para muitos é a saída”. Lembra a sua aldeia piscatória, Salamanca (São Vicente), onde as pessoas têm muitas dificuldades para viver.

“Com 15 anos, os jovens já não vão à escola porque os pais não conseguem suportar as despesas com a sua educação”, contextualiza.

Por outro lado, louva o acordo intergovernamental que já lhe permite viajar para Angola e Moçambique, dois dos países lusófonos que mais visita como músico, sem ter que enfrentar longas horas de espera nos respetivos aeroportos.

Grace Évora lamenta, por outro lado, os entraves ainda vigentes para entrada em Portugal, país da Comunidade Lusófona que tem que cumprir as regras europeias ao abrigo dos Acordos de Schengen, o qual impõe restrições à livre circulação e permanência em território europeu de cidadãos de países terceiros ou estrangeiros.

A vontade de sair dos países africanos é grande e, de certo modo, aceita a necessidade que Portugal tem de controlar as suas fronteiras e as entradas.”«É complicado abrir a fronteira a todos”, afirma.

Uma carreira de mérito que dignifica a diáspora

Grace Évora

Nascido a 2 de fevereiro de 1969, este artista do arquipélago de Cabo Verde, natural da ilha de São Vicente, está radicado na Holanda, onde também vive uma importante comunidade cabo-verdiana. Ainda na sua infância Grace e os seus pais emigraram temporariamente para Paris e só mais tarde acabaram por fixar residência permanente em Roterdão.

O músico, que agora faz carreira a solo, tem vários discos gravados. Fez muitas digressões pelas comunidades cabo-verdianas espalhadas por todo o mundo, tendo participado também em diversos projetos e produções musicais.

Desde pequeno manifestou um grande interesse pela música como cantor e baterista. Fez parte de um grupo de jovens músicos cabo-verdianos que dava primazia ao estilo musical reggae, oriundo das Antilhas. Em 1987, Grace conseguiu abrir as portas do seu sucesso quando foi convidado para ser baterista do grupo “Livity”.

A sorte bateu-lhe a porta quando a banda lhe permitiu gravar como cantor a faixa intitulada “Bia” no segundo álbum deste grupo. Desde então tocou com os “Rabelados”, “Koladance”, “Cabo-Verde Show” e “Splash”.

Do seu percurso, destaque ainda para a Medalha de Mérito da Cultura Cabo-verdiana que lhe foi atribuído pelo governo de Cabo-Verde em maio de 2018. Em 2013, Grace Évora foi o grande vencedor da terceira edição do Cabo Verde Music Awards (CVMA), ao conquistar os troféus de Melhor Produção Musical, Melhor Álbum Electrónico e Melhor Banda ao Vivo.

Nesse CVMA, Grace Évora recebeu o prémio da Melhor Voz Masculina. Faz assim uma carreira de mérito, que dignifica a diáspora cabo-verdiana espalhada pelo mundo.

Abordado pelos jornalistas, o músico aplaude o esforço do governo cabo-verdiano ao apresentar, em 2018, a candidatura da morna a Património Imaterial da Humanidade e a iniciativa de criação de centros culturais de Cabo Verde no estrangeiro, o primeiro dos quais já funciona em Portugal. Grace Évora revela-se mais ambicioso e manifesta também o desejo de ver criada no seu país um conservatório musical que possa formar e educar as futuras gerações, incluindo os músicos.

O cantor falou à imprensa dia antes do concorrido concerto que deu, este sábado, na Quinta da Valenciana, na margem sul de Lisboa, inserido no projeto “Palco da Farra Africana” da autoria de Carlos Pedro. “Grace Évora”, que assinala 30 anos de carreira musical, “está cada vez mais maduro”. Segundo o jornalista da RDP-África, ele “está como o vinho do Porto, cada vez melhor”.

Com este projeto, o autor da iniciativa propõe-se, por esta via, a promover “ao mais alto nível a cultura africana de expressão portuguesa”, também a pensar na grande comunidade imigrante radicada em Portugal.

O desafio, que começou a 13 de julho deste ano com o angolano Eduardo Paim, visa trazer a este espaço de entretenimento a boa música africana.

“Quero mostrar às pessoas da nossa comunidade, mas também da comunidade portuguesa e não só que África faz música de qualidade”, referiu Carlos Pedro na véspera do concerto, cujo reportório se baseou, em grande parte, no “2069”, último álbum de Grace Évora lançado no mercado há cerca de um ano e que ainda é pouco conhecido do grande público.

Depois deste segundo convidado, a organização do “Palco da Farra Africana” promete um próximo momento de convívio já marcado para o dia 7 de dezembro com “uma banda de grande revelou”, segundo deu a conhecer o promotor. (X)

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