Há mortos em todos lados!

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Por: Sérgio Raimundo

Há tantas mortes no centro do meu país. Um número de morte que não cabe no próprio centro do país. Uma região tão pequena para tantas mortes! Não sabia que a natureza seria capaz de suicidar pedaço de um país com uma tempestade: Idai. Quantas lágrimas são necessárias para compor a sinfonia do luto no palco do centro do país? E quantos gestos de desespero podem somar-se para se obter a coreografia da dor? Penso nisto tudo e a alma pesa-me em todos cantos do corpo.

Penso nos meus cinco amigos que perderam a vida. Perderam a vida e nada restou. Nem uma peça de roupa para servir como matéria para o enterro, aliás onde realizar os enterros? Cinco amigos. Um, dois, três, quatro e cinco. Sim. Uma mão de dedos representando meus amigos. Perdi-a.

Escrevo este texto com as letras saltitando no teclado. Nem saltitam as letras, mas saltitam os meus olhos nas gotas de lágrimas que querem esconder. Estou no centro do quarto e parece que fui transferido pela dor para o centro do meu país. “O ciclone arrastou toda zona centro”, repete-me, sem piedade, o locutor do meu pequeno rádio. Coitado de mim! Essas notícias sempre que me chegavam eram de outros cantos, outros pontos, e hoje falam do meu país. Afinal é possível sentir o cheiro da morte tão perto?

Um ciclone forte para um país já enfraquecido por tantos ciclones que nunca teve. O país está dividido ao meio. O sul e o norte derramam lágrimas no centro do país. O número de mortes aumenta a cada segundo como a fúria do ciclone. Há mortos em todos lados. Mortos que flutuam na água, mortos que são levados pela água, como navios, para longe de tudo. E há mortos que não sabemos onde estão.

Escrevo este texto porque não me resta mais nada a fazer neste momento. O que posso fazer se a cada letra que gotejo nesta folha uma pessoa perde a vida no centro? Escrevo no meio dessa noite habitada por ruídos de silêncio e cheiro do escuro, porque quero que as letras sintam a dor que neste momento percorre-me as mãos. A dor e o sangue atropelam-se nas minhas veias. E o número de mortos sobe a cada mexer dos ponteiros do relógio.

Há muitas bocas que secam dentro das suas línguas de sede e fome. Parece que o ciclone não só matou, mas também distribuiu em todos cantos pequenas sementes de fome e desespero. A fome avança em todos lados como uma serpente no capim e ataca bocas com o seu veneno. O centro do meu país virou um campo de concentração da miséria, um templo onde rezas de socorros e ajuda preenchem todos cantos e lados.

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