
Há tantas mortes no centro do meu país. Um número de morte que não cabe no próprio centro do país. Uma região tão pequena para tantas mortes! Não sabia que a natureza seria capaz de suicidar pedaço de um país com uma tempestade: Idai. Quantas lágrimas são necessárias para compor a sinfonia do luto no palco do centro do país? E quantos gestos de desespero podem somar-se para se obter a coreografia da dor? Penso nisto tudo e a alma pesa-me em todos cantos do corpo.
Penso nos meus cinco amigos que perderam a vida. Perderam a vida e nada restou. Nem uma peça de roupa para servir como matéria para o enterro, aliás onde realizar os enterros? Cinco amigos. Um, dois, três, quatro e cinco. Sim. Uma mão de dedos representando meus amigos. Perdi-a.
Escrevo este texto com as letras saltitando no teclado. Nem saltitam as letras, mas saltitam os meus olhos nas gotas de lágrimas que querem esconder. Estou no centro do quarto e parece que fui transferido pela dor para o centro do meu país. “O ciclone arrastou toda zona centro”, repete-me, sem piedade, o locutor do meu pequeno rádio. Coitado de mim! Essas notícias sempre que me chegavam eram de outros cantos, outros pontos, e hoje falam do meu país. Afinal é possível sentir o cheiro da morte tão perto?
Um ciclone forte para um país já enfraquecido por tantos ciclones que nunca teve. O país está dividido ao meio. O sul e o norte derramam lágrimas no centro do país. O número de mortes aumenta a cada segundo como a fúria do ciclone. Há mortos em todos lados. Mortos que flutuam na água, mortos que são levados pela água, como navios, para longe de tudo. E há mortos que não sabemos onde estão.
Escrevo este texto porque não me resta mais nada a fazer neste momento. O que posso fazer se a cada letra que gotejo nesta folha uma pessoa perde a vida no centro? Escrevo no meio dessa noite habitada por ruídos de silêncio e cheiro do escuro, porque quero que as letras sintam a dor que neste momento percorre-me as mãos. A dor e o sangue atropelam-se nas minhas veias. E o número de mortos sobe a cada mexer dos ponteiros do relógio.
Há muitas bocas que secam dentro das suas línguas de sede e fome. Parece que o ciclone não só matou, mas também distribuiu em todos cantos pequenas sementes de fome e desespero. A fome avança em todos lados como uma serpente no capim e ataca bocas com o seu veneno. O centro do meu país virou um campo de concentração da miséria, um templo onde rezas de socorros e ajuda preenchem todos cantos e lados.