Há uma campanha de “intimidação no sentido de silenciar Mamadou Ba” – Associações pró-direitos humanos

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Mamadou Ba. Foto retirada do Facebook

Manuel Matola

Várias associações pró-direitos humanos, incluindo dos imigrantes, consideram estar a correr uma campanha de “intimidação no sentido de silenciar Mamadou Ba” em Portugal, mas que, na verdade, é um “sinal claro para que o movimento negro e antirracista se cale”.

O intelectual e ativista de direitos humanos luso-senegalês Mamadou Ba, que hoje reside no Canadá, é indiciado de 12 processos-crime, três dos quais já arquivados e nove ainda em andamento, pelo que, no próximo mês, serão julgados no Campus da Justiça (Parque das Nações, em Lisboa).

O ativista deverá ser ouvido em tribunal entre os dias 11 de abril e 10 de maio próximos, no âmbito de um processo movido pelo líder nazista português Mário Machado, conhecido pelo seu envolvimento na morte de Alcindo Monteiro, um jovem negro de origem caboverdiana, assassinado em Lisboa, em 1995.

Em carta aberta, a que o jornal É@GORA teve acesso, sete associações do movimento negro que atuam no território português, incluindo o SOS Racismo em Portugal, posicionaram-se perante o processo movido contra Mamadou Ba e alertaram:

“Este é um caso eminentemente político, em que através dos tribunais se Iguala um representante de uma força genocida a alguém que sempre lutou pela igualdade e se cauciona indiretamente a narrativa de que ‘racismo’ e ‘antirracismo’ são duas faces de uma mesma moeda. Todo este aparato é também, e sobretudo, um sinal claro para que o movimento negro e antirracista se cale”, consideram.

Mamadou Ba. Foto retirada do Facebook
Lembrando o “percurso de mais de 20 anos de luta” de Mamadou Ba que sempre primou pela “denúncia das desigualdades raciais na sociedade portuguesa”, as associações que subscrevem a carta dizem que o ativista e dirigente do SOS Racismo em Portugal tem sido “alvo de ataques públicos inflamados que o demonizaram publicamente e lhe valeriam ameaças de morte, pedidos de expulsão, intimidações, insultos quotidianos e queixas judicias que acabariam por ser arquivadas”.

E lançam uma acusação direta à Justiça portuguesa e, sobretudo, a um dos mais famosos juízes em Portugal que pronunciou Mamadou Ba por difamação a propósito de uma publicação do ativista nas redes sociais em que diz que Mário Machado é uma ‘das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro’.

“Porém”, afirmam as associações, “o que assistimos em 2022, quando o Ministério Público e o juiz Carlos Alexandre decidem acompanhar a queixa do neonazi Mário Machado é um outro nível de intimidação no sentido de silenciar Mamadou Ba, já que, desta feita, a descontextualização e hiperbolização das suas denúncias visa condená-lo em julgamento com início dia 11 de abril, às 14h, no Campus da Justiça (Parque das Nações)”.

E lembram um episódio de agressão policial contra uma mulher luso-angolana que deu origem a um processo em que o juiz Carlos Alexandre testemunhou à favor de um dos agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) indiciados no crime.

“No dia 26 de outubro, em menos de 24 horas, o juiz Carlos Alexandre – agora, sabe-se, testemunha abonatória do agente da PSP Carlos Canha, que agrediu Cláudia Simões, em Janeiro de 2020 – pronunciou Mamadou Ba por difamação a propósito de uma publicação do ativista nas redes sociais em que diz que Mário Machado é uma ‘das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro’”.

Em fevereiro, Mamadou Ba foi recebido em apoteose por intelectuais brasileiros que se juntaram numa campanha global antirracista para defender o ativista dos direitos humanos que vem sendo perseguido em Portugal por conta dos seus posicionamentos antirracistas”.

No quadro da campanha global em defesa ao ativista luso-senegalês, o historiador brasileiro Babalawô Ivanir dos Santos, Coordenador do Observatório das Liberdades Religiosas do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (OLR/CEAP), recebeu Mamadou Ba em sua casa, no Brasil, onde reuniu vários intelectuais, líderes políticos, religiosos, artistas e académicos brasileiro e não só.

“Temos que refletir profundamente sobre os nossos avanços e retrocessos no combate ao racismo”, apelou Ivanir dos Santos no encontro tido como mais uma etapa no combate ao racismo mundial e que agora se move em torno da ampla frente de apoio ao ativista Mamadou Ba, que “tem atuado na luta contra o racismo e a xenofobia como dirigente da ONG SOS Racismo em Portugal”.

O judiciário português aceitou a queixa crime do neonazista por difamação e o famoso juiz Carlos Alexandre, que acompanhou a acusação do Ministério Público, entendeu que o líder neonazista tinha direito à defesa de sua suposta honra.

“Como se pudesse ser difamado quem se orgulha dos crimes que cometeu e das ideias que professa. Esse mesmo juiz aceitou recentemente ser testemunha abonatória de um agente policial que agrediu barbaramente uma mulher negra, Cláudia Simões, por motivações racistas. Este agente policial faz parte dos 591 policiais identificados numa investigação jornalística como elementos infiltrados das ideias da ultra direita nas forças policiais, com discursos abertamente racistas e violentos citando nominalmente Mamadou Ba e a ex-deputada negra Joacine Katar Moreira com ameaças de violência”, argumentou Camila do Valle, professora de Literaturas Africanas e Literaturas de Língua Portuguesa da UFRRJ, citada numa nota enviada ao jornal É@GORA pelo Observatório das Liberdades Religiosas do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (OLR/CEAP).

A carta que denunciam a existência de uma campanha de “intimidação no sentido de silenciar Mamadou Ba” é assinada pelas seguintes associações pró-direitos humanos: Bazofo; Cavaleiros de São Brás; Consciência Negra; Djass; Emcarneeosso; Kilombo e SOS Racismo. (MM)

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