Imigrantes brasileiros denunciam supostos “esquemas” de repatriamento, Embaixada reage

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Imigrantes brasileiros ´acampados` no aeroporto de Lisboa

Elisabeth Almeida

Os imigrantes brasileiros ´acampados` no exterior do aeroporto de Lisboa – agora são 50 -, cujo voo está marcado para esta quinta-feira, às 14:00, denuncia que houve pessoas que viajaram no lugar de outros passageiros já notificados pelo Consulado há 15 dias para regressarem ao Brasil no dia 22 de abril.

No entanto, em nota conjunta, a Embaixada do Brasil e os Consulados-Gerais sediados em Lisboa, no Porto e Faro garantem ter arranjado “instalações adequadas” para albergar o grupo de imigrantes, só que houve um senhor que “prejudicou os trabalhos” da representação diplomática. Chama-se Ricardo Amaral Pessôa, que decidiu “produzir cadastros paralelos de possíveis beneficiários de voos de repatriamento”, acusa .

Em declarações ao jornal É@GORA, André Soncin, um dos membros do grupo dos imigrantes `acampados` no aeroporto de Lisboa, contou que houve um voo que partiu há dias, mas alguns dos passageiros alistados ainda estão em terra.

“Eu estou com um cidadão que tinha o voo marcado para 22 de abril, às 14:00. O avião saiu, só que ele está aqui até agora (mesmo com) o voo marcado, tudo confirmado pelo Consulado: carta recebida, telefonema recebido. Este é um de muitos (casos) e está aqui ao meu lado. Quem foi no lugar dele nesse voo?”, questionou.

A pessoa mencionada por André Soncin é Alex Santos, que recebeu no passado dia 16 de abril um e-mail do Consulado dando conta de que o seu nome foi incluído no voo do dia 22 de abril e com instruções referente à bagagem.

“Eu vim para cá (Aeroporto Humberto Delgado) quando confirmaram o meu voo e quando fui perguntar pelo meu nome já não estava na lista mais. Fui perguntar a razão e disseram que eu iria em um voo futuro, depois a mesma coisa. Agora eu estou aqui desde aquele dia esperando a resposta deles e não tenho resposta. Está tudo gravado no meu e-mail, eu não apaguei nada para ter a prova de tudo”, disse, por seu turno ao jornal É@GORA Alex Santos, que já está há dias a dormir ao relento do lado de fora das instalações do aeroporto da capital de Portugal.

O grupo integra mulheres e crianças

A notícia sobre os brasileiros que viram seus sonhos ruir junto com todas as expectativas de uma nova vida em Lisboa e outras regiões ganhou repercussão em vários países da Europa.

O grupo era antes formado por 25 pessoas – agora já são quase 50 cidadãos. Todos residem legalmente em Portugal, onde viviam, trabalhavam e também contribuíam para a Segurança Social, assim como qualquer outro cidadão português.

Por conta da pandemia causada pelo novo coronavírus, os imigrantes viram-se sem emprego ou com uma redução considerável do ordenado. Entre eles, uma parte trabalhava emitindo recibos verdes, que seria equivalente ao profissional autónomo no Brasil.

E com o isolamento social, tiveram que parar de trabalhar e consequentemente deixaram de receber os ordenados, pelo que não conseguindo pagar a renda alguns foram despejados.

Hoje, não têm como comprar itens básicos de higiene pessoal, alimentação e também não possuem condições para comprar passagens para retornar ao país de origem, onde têm família e mais condições de se sustentar mesmo diante da crise pandémica.

A notícia pegou a comunidade brasileira em cheio e gerou um sentimento de compaixão também de quem está na América do Sul.

“Impressiona muito ver compatriotas passando por necessidades em outro país e principalmente ver que as dificuldades que levam esses brasileiros a querer voltar são as mesmas que, um dia, os levaram a deixar tudo aqui para tentar uma vida melhor, com mais qualidade de vida e segurança”, lamentou ao jornal É@GORA Mayara Silva, ao ver a situação do grupo que passa noites do lado de fora do aeroporto de Lisboa.

Tal sentimento fez com que cidadãos brasileiros, portugueses e de outras nacionalidades fossem até o aeroporto Humberto Delgado, o mais importante do país, para oferecer roupas quentes, comida e bebida para os imigrantes.

Em conversa com o jornal É@GORA, André Soncin, um dos membros que integra o grupo, comentou.

“Nós não somos irresponsáveis por termos vindo aqui sem ter chamado, nós estamos aqui porque não temos mais condição: não temos dinheiro, não temos mais casa e nem comida, estamos fazendo ‘vaquinhas’ para comer e as pessoas que estão aqui estão se ajudando, pois não temos mais para onde ir. Estamos aqui sem poder nem entrar no Aeroporto e estamos do lado de fora há dias, quer dizer, já perdemos tudo, até a dignidade”, disse.

De brasileiros para brasileiros

Se, por um lado, as circunstâncias em que o grupo está a viver gerou compaixão, por outro,, também suscitou revolta por denúncias feitas por eles contra o Consulado do Brasil em Portugal que, em tese, deveria estar à frente da situação e acolher os cidadãos. Ainda há um voo agendado para esta quinta-feira, dia 30 de abril, mas a meia centena de imigrantes não tem esperança nem garantias de um acento no avião.

“Não, jamais! Eu não acredito, pois até agora eles mentiram, falaram que nós íamos em um voo, depois em outro voo e agora estão falando que vão estudar o nosso caso” relatou André Soncin, prosseguindo:

“Disseram que o Consulado veio aqui oferecer abrigo para a gente, mas eu quero que eles provem que ofereceram isso para mim e todos que estão aqui. Nunca me ofereceram nada a mim e nem a ninguém. Eles são mentirosos e imorais. Eu tenho vergonha de falar que eles são brasileiros, isso é indigno”, concluiu.

Além disso, o grupo questiona a veracidade das listas divulgadas.

“Todos vieram para cá depois de receber um e-mail do Consulado dizendo que o nosso nome estava na lista dos voos de repatriamento fretados pelo governo brasileiro, mas se o meu nome estava na lista, o voo saiu e eu não pude embarcar, quem foi no meu lugar? Ou no lugar de cada um aqui?”, inquiriu André Soncin, respondendo, de seguida, à sua própria pergunta com uma outra questão.

“De acordo com o Consulado, os voos foram lotados, mas o nosso nome estava na lista e todos aqui têm os e-mails como prova da data do voo, informações sobre peso de bagagem e tudo mais. O que aconteceu, quem foi nesses voos?”, insistiu André Soncin.

Para a advogada Rilane Oliveira, que também coordena grupos de apoio a brasileiros em Portugal, há sensação de que a espera pelo repatriamento ainda durará muito tempo.

“A informação que eu tive são das pessoas que estão lá, o que elas ouviram do Consulado é que nenhuma delas vai nesse voo agora do dia 30 e que nenhuma delas preenche os requisitos, que eu não sei que requisitos são esses e que voo esse do dia 30 vai levar pessoas repatriadas com passagens canceladas. Então o que eu sei, por informação das pessoas que estão lá, é que nenhum deles irá”, disse a advogada em declarações ao jornal É@GORA.

Reação dos serviços diplomáticos

Foto: A Viagem dos Argonautas ©

Na página oficial no Facebook, a assessoria de imprensa do Consulado do Brasil divulgou uma nota de esclarecimento aos imigrantes “em atenção à matéria sobre os brasileiros que aguardam voo de repatriamento”.

No comunicado com sete pontos, o Consulado-Geral em Lisboa, em coordenação com a Embaixada do Brasil e os Consulados-Gerais sediados no Porto e Faro, garantiu que “de fato contratou, até o momento, seis voos de repatriamento em benefício de nacionais brasileiros”.

Segundo explicou, “cinco desses voos já chegaram a seu destino, e um sexto será operado nos próximos dias. No total, já foram beneficiados com a medida 1.494 nacionais brasileiros, e há a perspectiva de que mais de 300 embarquem no próximo voo. Até aqui, todos os voos partiram lotados”.

De acordo com o documento da representação diplomática brasileira em Portugal, “o critério adotado, à luz das circunstâncias que tornaram a medida necessária, foi o de contemplar nesses voos sobretudo aqueles viajantes que se viram retidos em território português devido ao cancelamento de voos comerciais, no contexto da epidemia da COVID-19”.

Nesse sentido, “o embarque de passageiros de perfil diverso — notadamente aqueles residentes em território português, que não tinham chegado a adquirir bilhetes para regressar ao Brasil — somente se fez em atenção a circunstâncias humanitárias excepcionais, sem jamais descaracterizar o propósito dos voos, que era justamente o de repatriar viajantes retidos em Portugal por cancelamentos de voos comerciais”, diz a nota, assinalando no terceiro ponto quais os procedimentos de escolha de passageiros.

“Para identificar os possíveis beneficiários desses voos, os três Consulados-Gerais do Brasil procederam a criterioso cadastramento dos viajantes que se enquadrassem nos critérios delineados acima. Esse cadastramento foi precedido de ampla divulgação de orientações por meio da página do Consulado-Geral em Lisboa na Internet, e das redes sociais mantidas pela Embaixada do Brasil. Diante da absoluta impossibilidade de qualquer outro procedimento, o pré-requisito indispensável para ser contemplado nos voos foi seguir à risca essas instruções, de modo a figurar nos cadastros apropriados”, assegura.

No quarto ponto, o documento refere que, “com vista a apoiar os nacionais brasileiros que não se enquadrassem nos critérios de repatriamento, mas que ainda assim se viram em situação de dificuldades econômicas, o Consulado-Geral do Brasil em Lisboa providenciou, com verbas próprias ou mediante a cooperação de entidades beneficentes (notadamente igrejas próximas à comunidade), alojamento, alimentação e medicamentos para os casos mais urgentes”, pelo que “o Consulado agradece profundamente a cooperação que tem recebido dessas entidades”.

Apoio esse que, de acordo com o mesmo comunicado, permitiu que na noite do passado dia 26 de abril, o Consulado-Geral em Lisboa obtivesse “instalações adequadas” para alojar os brasileiros que se encontravam à espera dos voos no aeroporto.

No entanto, “notificado disso, parte substancial daquele grupo optou por não deixar as instalações do aeroporto, com o argumento descabido de que a sua presença ´pressionaria` o Consulado-Geral a contratar voos adicionais para quem não seguiu as instruções prévias, nem se enquadrava no universo dos indivíduos passíveis de repatriamento”, lê-se na nota, a que o jornal É@GORA teve acesso.

Por isso, “à luz de tudo o que precede, e da ampla publicidade que pautou toda a atuação do Consulado-Geral em Lisboa ao longo de todo esse processo, o Consulado torna a salientar que nenhuma pessoa física ou jurídica está habilitada a produzir cadastros paralelos de possíveis beneficiários de voos de repatriamento, e que qualquer iniciativa nesse sentido será ineficaz”.

Concluindo, o Consulado-Geral do Brasil “considera contraproducente o procedimento adotado”, ao longo de todas as últimas semanas, “em particular”, por um senhor identificado na nota como sendo Ricardo Amaral Pessôa.

“Ao fazer promessas vazias de contemplar nos voos de repatriamento quem não figurava nos cadastros apropriados, e ao incentivar a aglomeração de pessoas nessa situação no aeroporto de Lisboa, o sr. Ricardo Amaral Pessôa prejudicou os trabalhos do Consulado e prestou um desserviço a dezenas de nacionais brasileiros, inclusive com risco à sua saúde, num contexto em que imperam estritas restrições legais à circulação e à aglomeração de pessoas”, acusa o Consulado-Geral em Lisboa, na nota emitida em conjunto com a Embaixada do Brasil e com os Consulados-Gerais sediados no Porto e Faro. (EA)

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