Manuel Matola
Os imigrantes residentes em Portugal estão a preparar uma ação de protesto até ao Parlamento contra o atual “sistema telefónico de marcações” do SEF que “está absolutamente insustentável” naquela instituição que já reconheceu o problema.
Num encontro realizado na última segunda-feira, na Casa do Brasil, associações pro-imigrantes e advogados da área da imigração fizeram um levantamento de “diversos problemas que a disfuncionalidade do SEF” está causar à população imigrante residente em Portugal e decidiram “construir uma mobilização tendo como alvo o SEF e os processos de regularização das pessoas imigrantes em Portugal”.
Um documento a que o jornal É@GORA teve acesso indica que na “reunião para construção de mobilização a respeito do SEF” ficou decidido a realização de uma ação de protesto que “consistiria em uma caminhada da praça Luís de Camões até a Assembleia da República no dia 16 de dezembro”, isto é, dentro de um mês.
O início do protesto está agendado para as 18:00 e com término marcado para as 19:00.
Os imigrantes pretendem fazer ecoar a sua voz em torno de três pontos:
O primeiro, para reclamar o lento processo de “renovação automática de todas Autorizações de Residências caducadas ou em vias de caducar”; segundo, exigir “celeridade nos processos das manifestações de interesse” e, por último, a exortar para a “regularização de todas as manifestações de interesse já aceitas”, bem como a de “regularização de todos os processos pendentes”.
Mas do rol das inquietações das associações e profissionais de Direito que prestam auxílio aos imigrantes no território português constam vários outros pontos, do atual ao mais antigo.
O caso de Airton Fulber é exemplificativo. No dia em que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras lançou mais de 15 mil vagas para o reagrupamento familiar e 13,624 lugares para pedido de concessão de Título de Residência para familiares de cidadãos da União Europeia, o imigrante brasileiro, a esposa e os dois filhos ligaram milhares de vezes e se depararam com uma voz silenciosa do outro lado do telefone dos serviços migratórios.
“Nessa sexta-feira [14 de outubro de 2022] ficamos nós os quatro tentando ligar aos serviços migratórios das 14h as 20h. Com mais de 20 mil ligações e não conseguimos”, contou ao jornal É@GORA o imigrante brasileiro cujo desejo na hora se centrava num só ponto: “O que mais quero mesmo agora é conseguir marcar o agendamento para minha família”.
Quando há quatro anos Airton Fulber traçou o plano de morar com a família em Portugal organizou-se de “todas as formas (possíveis), inclusive financeiramente” para poder “estar 100% de forma legal” com a família e não passar pela situação de angústia que está hoje a enfrentar.
Airton Fulber está em Portugal há sete meses e desde lá que diariamente sente “agonia e desespero”. E não é um receio despropositado, segundo conta ao jornal É@GORA.
“Eu entrei com visto de residência e com agendamento no SEF emitido pelo consulado de Portugal no Brasil para o dia 01/06” e “15 dias após já estava com minha Autorização de Residência. Mas minha esposa e meus dois filhos (de 14 e 16 anos) ainda não. E inclusive já se passaram os 180 dias de validade da estadia deles como turistas”, afirmou.
O risco de ilegalidade que a família do brasileiro corre faz hoje com que os dois filhos de Airton Fulber vejam esmorecer sonhos futuros: é que o de 16 pode não ver materializado o “desejo de se tornar médico” e a “intenção de dedicar uma parte da vida profissional prestando serviço público aqui em Portugal como forma de agradecimento pelo acolhimento”.
Por outro lado, o de 14 anos está em risco de não renovar a inscrição no futebol no Clube de Loures, “pois não tem documento ainda válido para Portugal”, conta Airton Fulber ao revelar ao jornal É@GORA “algumas coisas” ligadas à questão do Reagrupamento Familiar que o estão a deixar a si e a família angustiados e “realmente muito apreensivos”.
Mas há um episódio familiar que o aflige antecipadamente, adianta: “A minha esposa tem a mãe no Brasil que está adoentada e caso precise ir ao Brasil não sabemos como é se poderá entrar novamente em Portugal”.
E “enquanto isso não se resolve”, o brasileiro apresenta uma proposta de solução sobre o que poderia ser feito pelo SEF.
“Todos os cidadãos que têm Autorização de Residência (como é o meu caso) poderiam ir ao site do SEF e registar os seus familiares e enviando digitalmente os documentos. Esta Autorização de Residência EMERGENCIAL teria validade de 6 a 12 meses, e após isso seríamos chamados dentro desse período para irmos até uma delegação para fazermos a AR”, sugere Airton Fulbe em declarações ao jornal É@GORA.
A “voz do silêncio”
Mas desde a abertura de vagas, a “voz do silêncio” que ecoa do outro lado da linha telefónica do SEF continua a travar sonhos de vários outros imigrantes que diariamente ligam sem cessar em busca de uma oportunidade de se legalizar ou reunir seus familiares em Portugal.
Na semana passada, o SEF reconheceu o problema do Centro de Contacto que tem vindo a registar “uma sobrecarga de chamadas provocada pelo uso de serviços de ‘dialers’ em múltiplos telemóveis e que realizam chamadas em simultâneo”.
Resultado: “só no passado dia 17 de outubro foram realizadas mais de 29 milhões de tentativas de chamadas, entre as 08h00 e as 20h00, a grande maioria com origem em serviços disponíveis na Internet ou em aplicações móveis que permitem remarcação automática e que acabam por sobrecarregar o sistema”, disse o SEF, que prometeu solucionar “uma situação completamente nova no que respeita ao nível de procura e correspondente pressão do sistema” daquele serviço.
Por isso, adiantou a instituição migratória, “o SEF está a estudar alternativas para implementar, em breve, uma nova solução assente num modelo de atendimento em canais digitais, com tratamento mais célere, por forma a reduzir consideravelmente o número de chamadores atual”.
E assegura que este modelo de atendimento multicanal segmentado “permitirá, uma vez implementado, um maior volume de contactos direcionados para canais automáticos, bem como uma triagem ágil para os canais corretos e com as situações de exceção a serem direcionadas para um operador do Centro de Contacto”.
Por exemplo, “o processo de regularização via Manifestação de Interesse está levando pelo menos 2 anos, tempo esse que a pessoa migrante fica em um limbo legal tendo que aceitar a precarização de seu trabalho e de sua vida. Esta demora administrativa além de tudo é ilegal”, afirmam.
E lembram que o mundo vive uma situação nova com a atual crise ditada pela guerra Rússia-Ucrânia, que gerou um grande fluxo de imigrantes ucranianos.
Desde que a Rússia lançou a ofensiva militar na Ucrânia a 24 de fevereiro, Portugal atribuiu quase 54 mil pedidos de proteção temporária a refugiados ucranianos, segundo estimativas do próprio Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Daí em diante, o SEF centrou parte da sua atenção aos trabalhos de receção dos refugiados ucranianos que fogem à guerra tendo enviado agentes para a fronteira da Polónia e disponibilizado a plataforma nas versões ucraniana, inglesa e portuguesa para tratar dos trâmites legais dos ucranianos.
No entanto, apesar de na altura terem surgido receios de uma possível dispersão de recursos humanos e materiais que poderiam atrasar o já lento processo de legalização dos imigrantes, alguns dos quais aguardam o atendimento há quase dois anos, as associações pró imigrantes tiram uma ilação deste iniciativa das autoridades migratórias portuguesas.
A resposta dada pelo SEF “demonstra que é possível haver celeridade no processo, desmontando a tese de que não há recursos e mão de obra possível para o processo”, assinalaram as organizações na mesma reunião em que “foi ressaltado que esta precarização deste setor da sociedade é a precarização de todo(a)s trabalhadores de Portugal”.
Pelo que avisam: “Diante destes factos, decidimos construir uma mobilização tendo como alvo o SEF e os processos de regularização das pessoas imigrantes em Portugal”.
Estiveram presentes na reunião as seguintes organizações: Rede de Apoio Mútuo LX, SOS Racismo, Humans Before Borders, o Comitê de Solidariedade entre os Povos, a advogada Jamile Jambeiro, bem como a Associação Imigrantes Portugal, que luta pelo Reagrupamento Familiar. (MM)