Manuel Matola
O ex-Presidente português Jorge Sampaio, que faleceu hoje aos 81 anos, deixou um dos maiores legados para o jovem Emad, o primeiro dos 650 refugiados sírios que (re)iniciaram os estudos em Portugal como bolseiro da Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência para Estudantes Sírios, que fugiram à guerra no Médio Oriente.
A iniciativa criada em 2013 permitiu que Jorge Sampaio, um dos maiores políticos de ideais humanistas na Europa, “travasse” a ocorrência de uma crise ainda mais grave na Síria. Hoje, metade da população teve que abandonar as suas casas devido à instabilidade que assola aquele território há vários anos. Segundo a ONU, 5,6 milhões de cidadãos sírios hospedaram-se nos países vizinhos, quando a nível mundial existem 6,6 milhões de refugiados daquela nação milenar.
Quando há oito anos Jorge Sampaio decidiu fundar a Plataforma, o jovem Emad foi um dos refugiados sírios que a bordo de um C-130 da Força Aérea embarcou de Beirute para Lisboa sonhando com uma formação académica, científica, tecnológica, intelectual numa das universidades portuguesas.
“No grupo, o primeiro, ficou bem gravado na minha memória. Recordarei sempre um momento quando, chegada a hora das despedidas, a mãe do Emad, um dos rapazes mais novos, que tinha um ar de menino bem comportado, se agarrou a mim, implorando: ´por favor tome conta do meu filho, é o único, não tenho outro`. Lembro-me que depois de Emad ter chegado a Bragança, onde ia estudar, telefonei à senhora para lhe dizer que estava tudo bem com o rapaz. Sabemos hoje que este menino de sua mãe está a concluir o mestrado em Engenharia Mecânica, os pais conseguiram fugir para a Suécia e visitam-se mutuamente nas férias”, narra Helena Barroco, secretária geral da Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência para Estudantes Sírios, no livro “A Minha Terra é Linda – Histórias dos Estudantes sírios em Portugal”, editado pela Âncora Editora e apresentado em junho, em Lisboa, numa das últimas cerimónias públicas em que Jorge Sampaio esteve presente.
Tal como Emad, vários são os jovens que acreditam que a formação em Portugal os permitirá, um dia, se assim o desejarem, regressarem à terra natal para ajudar na reconstrução da Síria que, segundo a ONU, está avaliada em 250 mil milhões de euros.
De resto, muitos estudantes sírios têm tido bom aproveitamento escolar em Portugal, uma das exigências das bolsas concedidas pela Plataforma que permitiu o acolhimento em Portugal de várias dezenas de estudantes daquele país em guerra.
Segundo conta a Lusa, Mounir Affaki, que chegou a Coimbra em 2014, terminou em maio o doutoramento com a tese intitulada “Arquitetura da Paz: Encenar a Reconciliação na Alepo Pós-Guerra”, um tema que começa de alguma forma a desenvolver-se ainda em Alepo, já que foi apresentado como projeto final de licenciatura um memorial e museu em torno da guerra.
Num exercício “doloroso”, o refugiado sírio imagina uma reconstrução de Alepo, a sua cidade, em que a arquitetura seja um meio para a reconciliação.
“Já lá vão quase sete anos desde que Mounir Affaki se despediu de Aleppo e dos seus pais. Chegou a Coimbra em outubro de 2014, apoiado pela plataforma criada pelo antigo Presidente da República Jorge Sampaio, com uma licenciatura em arquitetura concluída já durante plena guerra civil – o departamento de arquitetura onde estudava foi bombardeado”, escreve a agência de notícias portuguesa, lembrando que o refugiado sírio “nunca mais voltou à Síria e nunca mais viu presencialmente os seus pais.
Em declarações à agência Lusa o estudante de 29 anos relata que em Coimbra fez mestrado em arquitetura e terminou agora o seu doutoramento, aprovado com distinção.
Anos depois do lançamento de uma iniciativa que estará para sempre ligado ao então chefe de Estado português, o Comissário Europeu para a Ajuda Humanitária e Gestão de Crises considerou num encontro recente com estudantes sírios, em Lisboa, que “Portugal está a liderar pelo exemplo no acolhimento de refugiados” da Síria.
“Portugal está a liderar pelo exemplo no acolhimento de refugidos sírios. Quero congratular, em primeiro lugar, o povo português pela sua generosidade, mas também o governo, a Academia e, acima de todos, o presidente Jorge Sampaio pela sua iniciativa”, disse o cipriota Christos Stylianides num evento que decorreu na Reitoria da Universidade de Lisboa. (MM)