O filme “Lágrimas nas Ondas Di Mar”, a mais recente produção do cineasta moçambicano Júlio Silva, que relata “a vida dura e insegura” de pescadores artesanais da Ilha cabo-verdiana de São Vicente, foi selecionado para o Festival de Cinema FESC-Kianda, que decorre de 24 a 26 do corrente mês, em Luanda.
A organização do Festival de curta-metragem da Kianda (FESC-Kianda) indicou o filme “Lágrimas nas Ondas Di Mar” como sendo de origem cabo-verdiana por retratar as tragédias que acontecem com os pescadores artesanais nos mares de Cabo Verde, onde tem morrido muitos pescadores, que recorrentemente são apanhados por tempestades na atividade piscatória, que naquele Arquipélago emprega diretamente cinco mil pessoas.
“Trata-se de um docudrama que aborda o sacrifício do pescador artesanal da vila da Salamansa”, disse o produtor moçambicano, residente em Portugal, quando instado esta sexta-feira pelo jornal É@GORA a reagir à escolha da película para a 1ª edição do FESC-KIANDA, que se vai realizar sob lema “Luanda sua gente e seus hábitos”.
A indicação do filme como sendo de Cabo Verde prende-se também com a longa história sanguínea que faz de Júlio Silva um verdadeiro imigrante, pois o cineasta é não só bisneto de alemães, holandeses, brasileiros como também de cabo-verdianos.
É “o realizador moçambicano que decide ir à terra da sua descendência fazer um filme”, esclarece o Antropólogo cultural.
Mas numa recente entrevista ao jornal É@GORA, na qual falou sobre o seu novo filme, Júlio Silva resumiu-se como um cosmopolita.
“Portanto, eu sou o filho do mundo que nasceu em Moçambique, mas que gosta de conhecer o mundo onde tem parte de alguns antepassados e quero contar histórias. No fundo, sou um contador de história ao nível do cinema”, disse.
Nesta sexta-feira, Júlio Silva referiu ao jornal É@GORA que “a curta metragem feita para ser apresentada em festivais de cinema, lançando o alerta dessa situação” – a de naufrágios de pescadores – foi concluída em finais do ano passado “e que, no primeiro momento, está num festival internacional”.
“Para mim é um reconhecimento do meu tipo de cinema africano, que paulatinamente vai entrando no espaço da Lusofonia”, disse Júlio Silva, que além de Etnomusicólogo e Antropólogo Cultural é um dos poucos cineastas rurais em Moçambique, onde também desenvolve trabalhos como escritor e produtor musical.
“Epopeias” dos mares de Cabo Verde
A produção foi idealizada no arquipélago cabo-verdiano, quando “há uns anos” Júlio Silva visitou Cabo Verde e ouviu uma das notícias que mais o inquietou à chegada: o desaparecimento de quatro pescadores que, após a ocorrência de uma tempestade, foram arrastados por correntes de água do mar de Cabo Verde até ao Brasil, onde “depois foram acolhidos pela Marinha brasileira”, ao quarto dia.
“Aquilo ficou-me na cabeça em como devia fazer algo para que a população comece a dar mais valor ao pescador artesanal”, contou ao jornal É@GORA o realizador moçambicano sobre o naufrágio do barco daqueles pescadores cabo-verdianos.
Mas uma das “epopeias” dos mares de Cabo Verde que Júlio Silva acompanhou e que serviu de inspiração para a sua nova curta-metragem foi a de Juvenal Mendes que “no dia 2 de outubro de 2015 saiu da Ilha da Boa Vista, em Cabo Verde para pescar. Em vez de peixe, o homem apanhou uma tempestade e acabou por ficar à deriva, sozinho, com a vela rasgada e sem combustível, em alto-mar”, tal como noticiou, na altura, a agência Lusa.
Mas o incidente de Juvenal Mendes, então com 52 anos, teve um final feliz, até porque “depois de 47 dias à deriva foi resgatado no Brasil”, segundo escreveu a agência portuguesa num texto publicado, há quatro anos, sobre o caso que ganhou repercussão na imprensa internacional.
O mesmo final tem parte dos quatro pescadores retratados no docudrama “Lágrimas nas Ondas Di Mar”, em papéis que, segundo Júlio Silva, são interpretados “por quatro atores de teatro da Ilha de São Vicente, que deram uma vida incrível ao filme”.
“Os atores envolvidos foram todos cabo-verdianos, são atores de teatro que atualmente e regularmente atuam em peças teatrais realizados na ilha”, referiu Júlio Silva sobre o elenco do novo filme que, na verdade, é “um conto escrito na base das quatro histórias” em que “toda a trajetória relata um episódio forte que aconteceu precisamente numa aldeia piscatória, onde tem acontecido várias tragédias”.
E foi para demonstrar o “suspense constante” a que as famílias de pescadores artesanais cabo-verdianos são sujeitas recorrentemente, por nunca saberem se a “cada viagem” ao mar pode ser a última que vêm os pescadores locais que Júlio Silva decidiu rumar, no mês de outubro, para a Ilha de São Vicente para desenvolver esse projeto cinematográfico.
Futuro

Em entrevista ao jornal É@GORA, o cineasta moçambicano garante que o objetivo foi ouvir testemunhos “baseados nos relatos reais” dos que sobreviveram a naufrágios e arrastamentos de barcos que também vão dar ao Brasil. De resto, são episódios idênticos as de Juvenal Mendes.
E, em três semanas de intenso trabalho, cujo “resultado é positivo”, Júlio Silva conseguiu produzir “um docudrama sobre a vida dura e insegura dos pescadores artesanais”, no qual “cada um conta uma história” sobre colegas que “são apanhados pelas tempestades, em que uns conseguem nadar até a costa e outros são salvos pelos companheiros”.
“Cada um conta uma estória. Eu resolvi apanhar bocadinho de cada uma das estórias e fazer uma ficção. É uma curta metragem. É um filme mesmo feito para participar em festivais. São pescadores artesanais já com muitos anos e muitas estórias do mar”, explicou o realizador moçambicano.
Júlio Silva afirmou ao jornal É@GORA que esta “é a primeira fase de um futuro filme de longa duração que dá continuidade ao mesmo tema” inserido no projeto cinematográfico ligado à Antropologia Visual, que está a desenvolver em Cabo Verde, mais propriamente na Ilha de São Vicente.
Futuramente, o realizador e autor do “Lágrimas nas Ondas Di Mar”, e o seu companheiro de equipa Emanuel Ribeira, um dos conceituados atores e roteiristas da Ilha de São Vicente, pretendem continuar a falar dos dramas de naufrágio.
A ideia é sempre abordar a saga dos pescadores que “conseguem nadar mais de três a quatro horas, dos que conseguem chegar à costa”, quando “uns morrem a meio do caminho, porque já não mais conseguem nadar”
E há uma razão para Júlio Silva e Emanuel Ribeira continuarem fixados na ideia de relatar “as várias tragédias” que tem acontecido nos mares de Cabo Verde com os trabalhadores da pesca, um setor que funciona como amortecedor do impacto económico e que contribui em cerca de 8% no PIB cabo-verdiano.
“Eles pescam a vida toda. Muitas vezes têm que ir ao mar mesmo quando o tempo está mau, porque têm que pôr o pão na mesa”, justifica Júlio Silva.
Após largos anos se ter dedicado ao cinema rural, autor moçambicano decidiu criar uma linha cinematográfica muito africana, que aborda a Cultura, História, realidade, o quotidiano e a língua, o que lhe tem valido prémios e “convites de outros países da CPLP para ir lá fazer alguns filmes”.
Etnomusicólogo e Antropólogo Cultural, Júlio Silva é um dos poucos cineastas rurais em Moçambique, além de músico multifacetado com mais de 300 Cd/disco Vinil produzidos a nível dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. (MM)
The best júlio Silva.. 😄😄👍