O Parlamento português vai discutir e votar na próxima quarta-feira, na especialidade, os projetos de lei da nacionalidade cujas alterações apresentadas pelo PAN e o PCP foram aprovadas, na generalidade, em dezembro, permitindo assim que, em Portugal, os filhos de imigrantes possam ser portugueses à nascença.
Os diplomas dos Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e do Partido Comunista (PCP) ratificados no fim do ano passado pela Assembleia da República permitem que os filhos de imigrantes nascidos em Portugal possam obter a nacionalidade portuguesa desde que um progenitor seja residente no território português, mesmo que não se encontre legalizado.
A iniciativa legislativa do PAN, a ser debatida na especialidade, no dia 12 de fevereiro, pretende que se alargue o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território português após o dia 25 de abril de 1974, enquanto a do Partido Comunista propõe a inserção na norma jurídica do princípio do “jus soli”, regra que assenta na ideia de que as crianças que nascem em Portugal, ainda que filhos de pais estrangeiros, ou de não nascidos em território nacional, sejam também portugueses.
O diploma do PCP estabelece ainda que, para que se possa ter nacionalidade portuguesa, basta que um dos progenitores do bebé seja residente em Portugal, porém deixa de ser preciso o prazo de dois anos que agora existe.
Segundo o documento dos comunistas, esse progenitor pode até estar ilegalmente em Portugal – no caso de, por exemplo, não ter o seu processo de autorização de residência concluído – mas não pode ter sobre si qualquer medida de expulsão.
Por outro lado, o PCP defende que também poderão obter a nacionalidade portuguesa por naturalização os estrangeiros maiores de 18 anos ou emancipados que residam em Portugal há mais de cinco anos.
Uma das exigências que se eliminou na revisão à lei é a da necessidade de se conhecer suficientemente a língua portuguesa, tal como desapareceram também as proibições de dar a nacionalidade a quem tenha sido condenado com pena de prisão igual ou superior a três anos ou a pessoas envolvidas em atividades relacionadas com a prática de terrorismo ou que sejam consideradas uma ameaça para a segurança e defesa nacionais.
Na discussão na comissão, realizada em dezembro, os deputados da esquerda argumentaram que aos portugueses condenados e a cumprir penas de prisão superiores a três anos também não lhes é retirada a nacionalidade.
A aprovação pelo Parlamento de projetos de lei da nacionalidade apresentados por dois dos quatro partidos de Esquerda, que propuseram a cidadania portuguesa a todos os que nascem no território português, representa uma mudança histórica no espetro da imigração em Portugal no concernente à situação legal dos afrodescendentes, pois aquelas forças políticas consideram que vem reparar “uma injustiça com quase 40 anos”.
O diploma do LIVRE sobre a mesma matéria, apresentado pela então representante parlamentar daquele partido, Joacine Katar Moreira, que agora tem o estatuto de deputada não inscrita, foi na altura rejeitado com auxílio dos votos do Partido Socialista, que governa o país.
O projeto do PAN foi, no entanto, aprovado por larga maioria dos partidos com assento parlamentar: o PS, PSD, PCP, BE, PAN, PEV e o próprio LIVRE, embora com os votos contra do CDS e do deputado da Iniciativa Liberal e a abstenção do deputado único do Chega, a força política de extrema-direita que é totalmente contra a imigração.
O projeto da bancada comunista recebeu o apoio do PS, BE, PCP, PEV, Livre e teve os votos contra do PSD, CDS, deputados do Iniciativa Liberal e Chega e de mais três deputados do PS, nomeadamente, Filipe Neto Brandão, João Ataíde e Marcos Perestrelo.
O Bloco de Esquerda pediu a baixa à comissão, sem votação do seu projeto de lei da nacionalidade, horas antes da votação em plenário.
No entanto, a agenda de trabalhos, de quarta-feira, da Comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a que o jornal É@GORA teve acesso, não faz referência a nenhuma proposta do Bloco de Esquerda que possa ser alvo de discussão e votação indiciárias na especialidade.
A revisão à lei até agora feita permite ainda que os filhos de estrangeiros que tenham nascido em Portugal entre 1974 e 1981 também poderão passar a ter a nacionalidade portuguesa.
Impacto
A propósito, duas juristas de diferentes escritórios de advogados que trabalham com processos de legalização de imigrantes em Portugal, recentemente ouvidas pelo jornal É@GORA, advertiram sobre as possíveis consequências práticas dos projetos de lei da nacionalidade apresentados pelos partidos de Esquerda.
As advogadas consideraram que a aplicabilidade dos critérios de atribuição da cidadania decorrente da nova lei de nacionalidade “tem que ser ponderada em termos de efeitos práticos e socioeconómicos” para Portugal, porque o eventual “impacto negativo” de concessão deste direito de uma forma indiscriminada “é a possibilidade de fraude à lei”.
“Se Portugal passar a impor como critério para ter a nacionalidade portuguesa o critério não de laços de sangue, mas o de lugar de nascimento sem ter outras formas de controlo que acompanhem, é garantidamente uma facilidade para a fraude à lei”, advertiu Fabiana Azevedo da NFS Advogados.
Já a advogada Filipa Braga Ferreira, vinculada ao escritório da N-Advogados, referiu ao jornal É@GORA que “todas essas propostas têm que ser ponderadas depois em termos de efeitos práticos, quer em termos sociais, quer em termos económicos para o país”.
“A nacionalidade não pode ser atribuída de uma forma indiscriminada, sob pena de entrarmos numa situação de perda da própria identidade”, alertou.
Para a advogada Filipa Braga Ferreira, especialista também em questões de Direito da Nacionalidade, “os critérios de atribuição têm que ser muito bem ponderados e definidos, ou seja, tem que haver aqui uma ligação ao país seja ela qual for. Em todas as situações, ao que me parece, tem que haver aqui uma ligação efetiva sob pena de estarmos aqui a criar ligações de nacionalidade efémeras”.
Entretanto, Fabiana Azevedo é perentória: “A facilitação da questão da nacionalidade portuguesa não pode ser absolutamente `feita à maluca`. É tudo muito bonito, mas quem quer ser português é preciso também saber infletir o que é ser português”.
A advogada receia que, com a aprovação da nova lei, Portugal possa ser usado como trampolim para se aceder ao espaço europeu.
“O que temos apercebido é que há cada vez mais os que pede a nacionalidade portuguesa exclusivamente com uma intenção de benefício não para estar em Portugal, mas para ter acesso a outros países da União Europeia. Isso é algo que, confesso, a mim me incomoda. Mas a minha profissão permite-me ter que ver isso de uma forma diferente”, afirmou. (MM e Público)