Manuel Matola
O conceituado cineasta brasileiro João Batista de Andrade, produtor de um dos mais aclamados filmes lusófonos sobre Migrantes, vai lançar, em breve, um livro sobre a ditadura no Brasil, onde as personagens ficcionadas incorporam a sua experiência pessoal vivida no golpe militar de 1964.
O anúncio foi feito pelo próprio cineasta, antigo ministro da Cultura do Brasil, durante o programa radiofónico “Além Fronteiras!”, que entrevista personalidades portuguesas e brasileiras de várias áreas culturais, para ajudar a definir novo olhar para a realidade mundial em tempos de Covid-19, com base na “visão profunda sobre a existência humana” de Machado de Assis e Fernando Pessoa.
“Eu estou para lançar, por estes dias, um livro de ficção, com quatro personagens, que eu escrevi durante o golpe militar de 64. O livro foi escrito um pouco antes, de 63 até 66/67. Eu escrevi muito e eram essas personagens de ficção mas que incorporavam a experiência minha vivida do golpe militar”, anunciou João Batista de Andrade, cuja visão policialesca da questão social nos anos 70 no Brasil fizeram de si um dos mais premiados cineastas da língua portuguesa de sempre.
Quando no início dos anos 70, João Batista de Andrade leu num jornal brasileiro que moradores do Parque Dom Pedro se queixavam da presença de marginais debaixo dos viadutos, o roteirista e escritor foi ao local para apurar o que se passava, conduzido pelo instinto jornalístico. Mas não previa que aquela seria uma oportunidade ímpar para daí avançar para uma das maiores produções cinematográficas da sua carreira.
“Resolvi ir até o local para ver quem eram esses marginais. O Migrantes nasceu daí, eu fui lá e, filmando, transformei isso e fiz isso didaticamente, sobre a contestação que eu fazia daquela visão, para depois revelar que, na verdade, eram migrantes. E dar voz aos migrantes para eles contestarem essa visão preconceituosa, policialesca da sociedade, da mídia”, contou à revista brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, numa conversa publicada no longínquo ano de 2011.
Hoje, após uma vida recheada de galardões enquanto cineasta, jornalista, produtor e diretor nas principais cadeiras de televisão e jornais brasileiros nas últimas cinco décadas, João Batista de Andrade faz uma revelação sobre o seu futuro profissional: a partir de agora vai passar mais tempo a escrever ficção.
“Eu quero escrever ficção. Eu não sou jornalista, nunca fui jornalista”, disse numa entrevista conduzida pelo ator e filósofo brasileiro Fábio Alexandrelli e a portuguesa Isa Cardoso, apresentadores do programa “Além Fronteiras”, emitido no fim de semana pela Rádio Movimento Portugal Online, parceira do jornal É@GORA.
Durante a conversa nesse espaço aberto de divulgação de pensamentos de figuras de Portugal e do Brasil para o mundo, partindo da visão cosmopolita de dois grandes escritores da língua portuguesa experientes também nas dinâmicas migratórias, João Batista de Andrade revelou alguns pormenores da sua mais recente obra.
“Está tudo lá nesses personagens, tudo – toda a história de golpe militar, perseguições – sobre esses personagens que são desdobramentos meus, a minha vivência e o meu sofrimento com o golpe de 64”, incluinto textos que “são uma coisa que parece uma arqueologia” dos 21 anos da ditatura militar no Brasil, disse.
Nesta fase de “sofrimento terrível” da vida de João Batista de Andrade, a única coisa que o acalentava era escrita que nunca parou.
“Eu sofri muito. Isso é preciso falar: sofri muito. Tive um sofrimento terrível. Aquilo quase que acabou com a minha vida. Sentia que tinha perdido a vida, então eu escevia muito. Esses textos são uma coisa que parece uma arqueologia. Parece que houve um fenómeno grande, eu checava e achava lá um documento sobre aquela catástrofe. Então esse meu livro vai ser isso aí: posso dizer que ele é insubstituível porque é a minha vivência no golpe, não é uma invenção minha, só que os meus personagens têm a vida deles com a complexidade que eles tinham como pessoas”, referiu.
Mas há mais dois livros prontos para lançar em seguida, anunciou o escritor brasileiro que iniciou o percurso no mundo do cinema ainda estudante, nos anos 60.
“São temas diferentes, mas são muito ligados ao momento que a gente está vivendo. Mas são mais dois livros de ficção. Eu quero escrever ficção. Eu não sou jornalista, nunca fui jornalista. A minha tendência sempre na literatura foi escrever ficção, com toda essa carga de inventividade e delírio que me obriga a entender quando retrabalhado o escrito”, afirmou. (MM)