Manuel Matola e Zezzynho Andraddy (fotos)
O ativista de direitos humanos
Mamadou Ba foi recebido em apoteose no Brasil por intelectuais que decidiram integrar uma campanha antirracista que corre a nível global em defesa daquele dirigente do SOS Racismo, alvo da justiça portuguesa por supostamente difamar o líder neonazista Mário Machado.
Mamadu Ba, que hoje reside no Canadá, é indiciado de 12 processos-crime, três dos quais já arquivados e nove ainda em andamento.
O ativista deverá ser julgado entre os dias 11 de abril e 10 de maio próximos, no âmbito de um processo movido pelo líder nazista português Mário Machado, conhecido pelo seu envolvimento na morte de Alcindo Monteiro, um jovem negro de origem caboverdiana, assassinado em Lisboa, em 1995.
No quadro da campanha global em defesa ao ativista luso-senegalês, o historiador brasileiro Babalawô Ivanir dos Santos, Coordenador do Observatório das Liberdades Religiosas do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (OLR/CEAP), recebeu Mamadou Ba em sua casa, no Brasil, onde reuniu vários intelectuais, líderes políticos, religiosos, artistas e académicos brasileiro e não só.
“Temos que refletir profundamente sobre os nossos avanços e retrocessos no combate ao racismo”, apelou Ivanir dos Santos no encontro tido como mais uma etapa no combate ao racismo mundial e que agora se move em torno da ampla frente de apoio ao ativista Mamadou Ba, que “tem atuado na luta contra o racismo e a xenofobia como dirigente da ONG SOS Racismo em Portugal”.
O judiciário português aceitou a queixa crime do neonazista por difamação e o famoso juiz Carlos Alexandre, que acompanhou a acusação do Ministério Público, entendeu que o líder neonazista tinha direito à defesa de sua suposta honra.
“Como se pudesse ser difamado quem se orgulha dos crimes que cometeu e das ideias que professa. Esse mesmo juiz aceitou recentemente ser testemunha abonatória de um agente policial que agrediu barbaramente uma mulher negra, Cláudia Simões, por motivações racistas. Este agente policial faz parte dos 591 policiais identificados numa investigação jornalística como elementos infiltrados das ideias da ultra direita nas forças policiais, com discursos abertamente racistas e violentos citando nominalmente Mamadou Ba e a ex-deputada negra Joacine Katar Moreira com ameaças de violência”, argumentou Camila do Valle, professora de Literaturas Africanas e Literaturas de Língua Portuguesa da UFRRJ, citada numa nota enviada ao jornal É@GORA pelo Observatório das Liberdades Religiosas do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (OLR/CEAP).
Segundo o mesmo comunicado, deste encontro “uma potente campanha internacional antirracista foi formada nesta quinta-feira (23) para receber Mamadou Ba – intelectual e ativista – que vem sendo perseguido em Portugal por conta dos seus posicionamentos antirracistas”.
E o historiador anfitrião explicou o intuito da receção de Mamadou Ba em sua casa: foi para “promover e assegurar a dignidade humana em todos os lugares e lutar contra todas as formas de intolerância e opressão”, afirmou Ivanir dos Santos.
Mamadou Ba, de 49 anos, reside há mais de 25 anos em Portugal onde, de acordo com a nota, “o ativista antirracista vem sendo perseguido pela extrema direita em Portugal, com ameaças de morte e difamação”.
Em 2021, recebeu o prémio internacional Front Line Defenders, atribuído a ativistas de direitos humanos em risco, pela sua dedicação à luta antirracista. É co-autor de vários documentos públicos sobre racismo e direitos humanos e autor de artigos em jornais, revistas e livros, bem como orador em conferências sobre temas relacionados com a imigração, a diversidade étnica e o racismo.
O docente, teólogo e deputado brasileiro Reimont Luiz Otoni Santa Barbara, comprometeu-se em levar propostas e ações para a sua bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados, em Brasília.
“O encontro foi um aprendizado. É preciso lutar, é preciso combater o racismo”, declarou o parlamentar.
A nível mundial, mais de 500 individualidades saíram em defesa de Mamadou Ba gravando depoimentos ou subscrevendo cartas de apoio ao dirigente do SOS Racismo em Portugal.
Do rol das personalidades constam Sílvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos do Brasil, o escritor moçambicano Mia Couto, a escritora portuguesa Grada Kilomba, os atores brasileiros António Pitanga e Paulo Betti, bem como o académico Boaventura de Sousa Santos e o pensador brasileiro Michael Löwy, diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique.
A nível institucional também saíram em defesa de Mamadou Ba a Associação Brasileira de Antropologia e a Associação Brasileira de Professores de Literatura Portuguesa.
Dar maior visibilidade à luta antirracista, diz Mamadou BaL
Intervindo, Mamadou Ba, disse ser preciso dar “maior visibilidade” à luta contra o racismo no território português.
“Portugal é um país estruturalmente racista, [pelo que a] nossa luta é pela construção de uma frente antirracista. É preciso dar maior visibilidade à luta antirracista travada em Portugal”.l, disse o ativista.
Entre os processos enfrentados por Mamadou Ba está o de ter ofendido um herói da pátria portuguesa, o oficial do Exército Marcelino da Mata, um dos mais condecorados na história do país durante o período da ditadura salazarista.
O ativista dos direitos humanos é de opinião de que o Marcelino da Mata, um Tenente-Coronel Comando do Exército Português, “tinha orgulho das torturas” que praticou contra os africanos que lutavam pela independência na Guiné Bissau, então colónia portuguesa de onde o militar é natural.
O Chega, partido português de extrema direita e anti-imigração, homenageou Marcelino da Mata, dos militares portugueses mais condecorado de sempre na História de Portugal.
Mamadou Ba criticou a homenagem e por isso foi alvo de um outro processo judicial porque a lei portuguesa considera crime ofender a honra de heróis nacionais.
“O encontro foi fundamental porque temos que juntar forças e fazer um enfrentamento internacional contra o racismo”, defendeu a Pastora luterana Lusmarina Campos Garcia, teóloga eco-feminista e pesquisadora da área do Direito.
Jantar de uma elite intelectual
Foram várias personalidades de peso que marcaram presença no jantar de receção de Mamadou Ba: a sambista Marquinhos de Oswaldo Cruz, a prof Dra Helena Theodoro, o Prof. Dr. Carlos Alberto Medeiros, o Desembargador Siro Darlan, o Secretário Municipal de Cidadania do Rio Renato Moura, o Prof. Dr. Renato Noguera, Fátima Andrea Monteiro – Movimento Negro Unificado RJ, o advogado Carlos Nicodemos – Litigância estratégia de proteção dos direitos humanos, o escritor Jacques d’Adesky, Mônica Alexandre/OAB, Maria Soares, no alto dos seus 98 anos, um símbolo da luta feminista contra o racismo e intolerância.
Também estiveram presentes a sacerdote Márcia Marçal, Marcelo Monteiro – Movimento Axé do PDT -, Cezar Vasquez, Prof. Wallace de Moraes, os jornalistas Pedro Bassan e Arnaldo Bloch, Diane Kuperman, representantes da CCIR, entre outros.
“O jantar com o Prof. Mamadou Ba, além de ter sido uma aula sobre a questão racial em Portugal, foi a fundação de uma frente ampla internacional de combate à ideologia de extrema-direita”, declarou o muçulmano carioca Abdul Karim, segundo a nota. (MM)