Elisabeth Almeida (correspondente em São Paulo)
A readaptação, a incerteza dos trabalhadores autônomos e quais são as providências tomadas pelos principais Estados da Federação.
Não é de hoje que pessoas do mundo todo deixaram de lado o “sonho americano” e investiram em países da Europa, sendo Portugal o principal alvo dos brasileiros. A facilidade do idioma e o custo de vida menor, em comparação com outras partes do continente europeu fez com que jovens, adultos e aposentados deixassem sua pátria em troca de oportunidades e segurança.
Muitos destes brasileiros viram o sonho de uma nova vida desmoronar em meados de março, quando o país lusitano confirmou o primeiro caso de Covid-19 e a ameaça de uma pandemia fez com que muitos retornassem à sua terra, sem imaginar que pouco tempo depois o mesmo vírus se espalharia também em território tupiniquim e com alguns agravantes: precariedade no Sistema Único de Saúde (SUS), a falta de consciencialização da população e também dos governantes.
Milena Santos retornou de Portugal para investir na sua empresa, que presta consultoria online para a indústria farmacêutica de vários países; pouco depois de voltar para casa, teve uma reunião em São Paulo com sócios e colegas de profissão, até que foi diagnosticada com o Covid-19 e teve de se isolar por cerca de quinze dias. O isolamento social, também chamado de quarentena, foi implantado oficialmente nos principais Estados do país no dia 20 de março e desde então a população ouve diariamente discursos contraditórios entre os governadores e o Presidente da República, Jair Bolsonaro, que tem planos de acabar o quanto antes com o fechamento de fábricas, lojas e restaurantes.
De acordo com Bolsonaro, 38 milhões de trabalhadores informais já sofrem com a brusca queda de venda e serviços, “se a economia colapsar os servidores também não receberão. Devemos abrir o comércio e tudo fazer para preservar a saúde dos idosos e portadores de comorbidades”, afirmou.
Já segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de autónomos no país chega a 40,8 milhões sendo que destes 19,3 milhões não possuem qualquer tipo de registo.
Milena Santos vive atualmente no Rio Grande do Sul e ao ser questionada sobre a imposição da quarentena em todo o país, ela é favorável.
“É muito difícil opinar, pois eu tenho consciência de que o meu trabalho não foi afetado e que essa não é a realidade da maior parte dos brasileiros, mas com relação à saúde eu acho muito válido já que, com o decreto, ainda há pessoas nas ruas não cumprindo o isolamento social, imagina se não tivesse?” indaga.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já definiu o novo coronavírus como uma pandemia, por conta da rapidez de propagação. Para se ter uma ideia da gravidade do Covid-19, a última vez que a entidade anunciou uma pandemia foi em 2009 com o H1N1, tendo 30 mil casos e 70 países atingidos; já em 2020 são mais de 500 mil casos confirmados em 114 países.
“O que mais me assusta é que a transmissão do vírus é muito rápida. Eu estive em São Paulo nos dias 10 e 11 de março e após ser diagnosticada com o Covid-19, reportei a toda a equipe que estava presente nos dois dias de reunião e para a minha surpresa todos foram infectados também, sendo que era um grupo de dezasseis pessoas” complementa a farmacêutica.
Já para Aline Silva, que viveu em Lisboa durante dois anos a fim de terminar o mestrado na área de Gestão Empresarial e retornar a São Paulo, Estado mais afetado pela pandemia no Brasil, deparou-se com uma situação jamais vista.
“Nós, brasileiros, já enfrentamos muitos problemas na área da saúde, principalmente na rede pública, mas eu nunca imaginei algo assim”, diz.
Questionado sobre a visão do Presidente da República em reabrir o comércio em prol da economia, Aline é enfática.
“Eu sou dona de duas lojas de roupas e sei bem o tamanho do prejuízo que terei como empresária, em contrapartida, vejo países de ‘primeiro mundo’ e infinitamente menores que o Brasil sofrendo sem leitos suficientes para a população, imagine aqui. Sinto-me mais desnorteada aqui do que em Portugal, onde tudo o que você vê são cidades fantasma e pessoas com medo”, questiona.
Em uma entrevista coletiva, realizada no dia 30 de março, sobre o Covid-19, o Ministro da Saúde do Brasil, Luiz Henrique Mandetta, disse que é preciso ter foco neste momento.
“As tensões são normais por conta do tamanho desta crise, o que não pode acontecer é perdermos o foco: um vírus que derrubou o Sistema Mundial, sendo mais dramático que as guerras mundiais e qualquer outra pandemia”. E afirma:
“Esse vírus é sistémico, ataca a economia, as políticas sociais e a dinâmica da sociedade, incluindo os transportes e a Bolsa de Valores. O impacto económico é inevitável”, conclui.
“Eu prefiro, sinceramente, ter uma queda na receita das minhas lojas a ver alguém próximo sofrendo com essa doença, que ainda nem sequer tem uma vacina ou tratamento preventivo. Ficar em casa é o mais correto, mesmo que às custas do ganha pão de outros empreendedores como eu. É necessário que a população abra os olhos para o que está acontecendo na Itália e em outros lugares da Europa, para verem que não é uma simples gripe e muito menos algo que não deve tomar nossa atenção, pelo contrário!”, conclui a empresária.
Em pronunciamento oficial nesta terça-feira, 1º de abril, o Presidente Jair Bolsonaro adotou um discurso mais leve e flexível com relção ao isolamento social, mas sem deixar de enfatizar os prejuízos na economia.
“Todos nós temos que evitar ao máximo qualquer perda de vida humana, como disse o diretor-geral da OMS ‘todo indivíduo importa’. Ao mesmo tempo, devemos evitar a destruição de empregos, que já vem trazendo muito sofrimento para o trabalhador brasileiro”, conclui Bolsonaro.
Diante deste cenário é importante enfatizar que diversas medidas de isolamento estão sendo implementadas de maneira austera nos outros países, o ranking mostra os 20 mais afetados pelo Covid-19. O Brasil ocupa, até hoje, a 11ª posição, com mais de seis mil casos confirmados em todo o país. (EA)
Artigo esclarecedor. Interessante a abordagem e o ponto de vista das entrevistadas.
Ótimo texto, seria muito bom se o Presidente apoiasse as medidas tomadas pelos governadores.
Parabéns pelo ótimo artigo, Elisabeth!