Miguel Luís: “Cada adulto tem o dever de não se calar perante os horrores como tráfico de menores”

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Manuel Matola

O escritor e advogado moçambicano Miguel Luís teve uma infância assombrada num dos periféricos bairros de Maputo, em Moçambique, onde desde os anos 90 há relatos de casos de rapto e tráfico de crianças. Hoje, o fenómeno escalou de tal forma que, a partir de Portugal, onde hoje reside, o jurista lança um grito de apelo face ao “Desamparo das Flores”, título do livro que faz alusão aos menores que desaparecem “misteriosamente” naquele país lusófono.

“Não se justifica que o fenómeno dos raptos e tráfico de menores continue a ganhar espaço em Moçambique, em Portugal ou em qualquer parte do mundo”, disse Miguel Luís no lançamento do seu novo livro, no fim de semana, lembrando as muitas crianças que desde os da sua geração ainda caem nas redes criminosas.

O fenómeno social que é descrito na obra remete à infância do autor pelos famosos carros dos “tatá pápá, tatá mamã” (“adeus papá, adeus mamã”), nome por que eram conhecidos bandos de traficantes que raptavam menores nos bairros pobres de Moçambique.

Quando há três anos o mundo vivia o auge da pandemia, Miguel Luís remeteu os seus pensamentos a toda a sua existência e diante de uma profunda reflexão brotaram ideias menos boas dos finais dos anos 90. Pôs-se a escrever uma redação sobre a sua infância.

“Quando me dei conta estava a escrever esta redação que se chama ´Desamparo das Flores`”, o livro que procura ecoar a questão de sequestros e tráfico de menores em Moçambique, onde até se exige às famílias das vítimas regaste em criptomoedas.

Miguel Luís determinou: “Não podemos fechar os olhos aos vários tipos de violência que são infligidos às crianças”, pois, “cada um de nós enquanto adulto tem o dever de não se calar perante os horrores como tráfico de menores, a violência doméstica infligidas a menores”.

Inspirando-se na célebre frase do primeiro Presidente moçambicano, Samora Machel que dizia que “as cainças são flores que nunca murcham”, Miguel Luís atribuiu um nome à sua redação. Embora apresente flores no título, esclarece, a obra “é, no fundo, uma elegia que procura ecoar a questão de sequestros e tráfico de menores em Moçambique”, onde nos últimos anos se instalou o pânico em várias famílias moçambicanas e estrangeiras de todos os estratos sociais.

Nos dias que correm “são diversas famílias, nas redes sociais, e não só, que partilham, diariamente, fotografias de crianças desaparecidas e até de pessoas crescidas”, lembra Miguel Luís sobre denúncias possíveis que são feitas por quem consiga propagar os casos junto do público urbano do país. Nas zonas rurais há situações que nunca chegam ao conhecimento de quem viva em regiões com acesso aos serviços de internet ou circulação dos “Media” mainstream, esclarece Miguel Luís numa nota.

Na apresentação da obra no fim de semana, que coincidiu com a comemoração do Dia Internacional da Criança, o escritor propõe algumas saídas visando à proteção dos menores: “Devemos todos os dias criar condições para que as crianças sejam crianças, dando-lhes menos ecrãs e mais livros, partilhando mais exemplos de vida exemplares, dando-lhes rebuçados, carinho, segurança, amor e plantando nelas o sonho, o encantamento, a coragem e a humanidade”.

Mas a proposta de Miguel Luís, sobretudo no senido de proteger as vítimas de menor idade é exercício difícil num Moçambique de hoje.

Em abril, a Procuradora-Geral da República de Moçambique, Beatriz Buchili, disse no parlamento que alguns casos de raptos têm sido planeados em diversos estabelecimentos prisionais moçambicanos onde alguns autores destes delitos “têm recorrido a vários esquemas, dentro ou fora do país”, incluindo a exigência do pagamento de resgate “através de criptomoeda ou de meios informais para dificultar” a sua detenção.

A maior parte dos casos planeados a partir da prisão visam vítimas adultas, sendo os alvo preferenciais famílias ricas de origem portuguesa e asiática residente em Moçambique e que têm vindo a abandonar o país.

No comunicado em que anunciava o lançamento do livro “Desamparo das Flores” na capital portuguesa, Miguel Luís lembra o efeito dessas práticas nefastas dos anos 90 do século XX especialmente para os menores de hoje.

“A cidade de Maputo, e não só, transformou-se, nos últimos dias, num enorme jardim de ‘flores desamparadas’”, pelo que o livro “é para mim um grito contra aqueles que tentam transformar as crianças em flores murchas”, um comentário que, de resto, tem sido feito pelo autor em diversos momentos. (MM)

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