
Manuel Matola
Há dois anos de se tornar octogenário, o escultor Lívio de Morais, um dos mais antigos e ativos membros da comunidade moçambicana em Portugal, onde reside há 52 anos, decidiu lançar um “último grito” de revolta e exigir uma solução definitiva para “uma situação muito grave” que aflige os imigrantes moçambicanos nas terras lusas: a documentação caducada.
Não há números, mas o próprio embaixador de Moçambique em Portugal, Joaquim Bule, reconhece a situação como uma “preocupação diária e permanente” da representação diplomática moçambicana e vê os imigrantes de Moçambique nessa condição como os principais culpados devido ao laxismo.
“A documentação para os nossos cidadãos é uma preocupação diária e permanente”, diz o embaixador moçambicano em Portugal, onde “a primeira” missão diplomática dos PALOP a começar a emitir o Bilhete de Identidade (BI) e Passaporte para os seus nacionais foi a de Moçambique.
Daí que Joaquim Bule atribui essa responsabilidade à comunidade pelo hábito de deixar expirar o passaporte ou BI e de só tomar a decisão de renovar “à última hora” quando se veem aflitos.
“Não deixem os documentos caducar. Renovem os BI´s a tempo e horas. Renovem os passaportes faltando sempre seis meses para o fim daquele prazo que está no documento para evitar problemas (como o de) depois ir (à plataforma) para fazer a marcação e lá dar (indicação dessa possibilidade só) para daí há um ano, porque eestá congestionado”, apelou o diplomata como que a corroborar com Lívio Sebastião de Morais que antes apontara para o impacto da falta de um documento especialmente quando se vive no estrangeiro.
“Essa situação é muito grave. Um indivíduo sem documentação não pode trabalhar; não pode fazer exame, se é estudante”, exemplifica Lívio Sebastião de Morais, líder da Associação Cultural Luso Moçambicana, que há um ano, juntamente com Evelize Magno Ferreira, correpresentam a comunidade moçambicana para Lisboa e as regiões Centro e Sul de Portugal.
A luta pela obtenção da documentação que permite trabalhar e estudar é dos mais difíceis exercícios da comunidade imigrante em Portugal, apesar dos avanços registados nos últimos tempos. Se, por um lado, é possível obter um BI e passaporte em Portugal, por outro, para já, não é possível renovar a carta de condução. O próprio embaixador moçambicano teve que se deslocar de propósito para Moçambique para tratar deste documento para si.
Quando o problema “muito sério” da documentação caducada foi dado a conhecer por Lívio de Morais na sua recente comunicação aos deputados da Comissão de Relações Internacionais da Assembleia da República de Moçambique que vieram a Portugal ouvir “algumas preocupações” da diáspora, da plateia choveram ovações como que a exaltar uma crítica por eventual inércia das autoridades moçambicanas.
Pelo contrário.
O embaixador Joaquim Bule explicou o que está a acontecer no seio da comunidade moçambicana em Portugal.
“Ciente disso, nós dispomos de equipamento novo. Estamos a ajudar os nossos cidadãos (sempre) a levar o serviço do Estado para junto das pessoas, lá onde elas moram para podermos emitir documentos. Já fizemos isso no Algarve, no Porto (onde) estranhamente encontramos muita gente sem documento (mas, nós, a embaixada) estamos a emitir documentos desde 2019. Não pode. É nossa tarefa incentivar os outros para poderem prestar atenção à questão dos documentos”, diz Joaquim Bule.
Ainda assim, avançou o diplomata, “no dia 30 de junho, estaremos na Casa da Lusofonia, em Coimbra. Queremos vocês os que não têm documento lá para vos dar BI, Passaporte e registo criminal. Não é para irmos lá e depois aparecer uma ou duas pessoas. É para irem todos os que não têm documento”, disse explicando que “em Lisboa é o consulado” a entidade que permanentemente atende essas situações.
Relativamente à carta de condução, “para já não é possível”, resumiu Joaquim Bule. Há uma justificação: a própria complexidade na produção, por exemplo, de uma carta de condução, enquanto um documento que atesta a aptidão de um cidadão para conduzir veículos a motor na via pública, onde em caso de acidente induz à responsabilidade civil, em relação aos outros dois documentos. Ou seja, o BI e o passaporte são documentos oficiais de identificação atribuídos pelo Estado a qualquer moçambicano e cujo manuseamento diário não induz ao portador qualquer prática criminosa, quando emitidos oficialmente e por vias legais.
Essa foi a primeira e mais importante reivindicação num encontro com membros da Comissão de Relações Internacionais, Cooperação e Comunidades da Assembleia da República de Moçambique cujo objetivo visava à “promoção de políticas de integração de cidadãos moçambicanos na diáspora, com vista ao pleno exercício dos seus direitos e deveres de cidadania”.
Mas há mais “algumas preocupações” da diáspora moçambicana que, de resto, foram registadas por Catarina Dimande, presidente da Comissão, que prometeu levar os assuntos aos restantes deputados à Assembleia da República de Moçambique.
“Tomamos nota”, assegurou Catarina Dimande.
A nível político, anualmente o chefe de Estado recebe, na Presidência da República em Moçambique, cumprimentos da Comunidade moçambicana residente no exterior e oferece recepção por ocasião do Fim do Ano no Palácio da Ponta Vermelha, em Maputo. É um cerimonial em que cada participante moçambicano paga sua própria passagem para participar no evento e as despesas inerentes à sua estadia na capital moçambicana, segundo Lívio de Morais que questionou a razão de não existência de verbas, pelo menos, para os representantes que integram o Conselho Consultivo das Comunidades Moçambicanas no Exterior, órgão de consulta do Diretor do Instituto Nacional para as Comunidades Moçambicanas no Exterior (INACE), que em Moçambique presta assistência às comunidades no estrangeiro.
“Isso para nós é uma ofensa. Não é o cumprimentar o Presidente. É nós tirarmos o dinheiro do nosso bolso para irmos à Maputo para irmos cumprimentar o Presidente da República e voltarmos com o nosso dinheiro. Estar lá em Maputo à procura de residência e a comer do (nosso) bolso para cumprimentar o Presidente. Não há verbas para os representantes irem lá? Não é possível isso. Eu já fiz isso do meu bolso. Não vou repetir, com todo o respeito que tenho com os cumprimentos ao Presidente da República
A falta de um voo da companhia aérea de bandeira moçambicana, LAM, de e/ou para a capital portuguesa, os persistentes casos de “corrupção no aeroporto” de Maputo, onde ocorrem “episódios lamentáveis e juridicamente condenáveis” também foram algumas das situações “muito graves” ecoadas por Lívio de Morais no “último grito” que deu para apelar para melhoria das condições da diáspora moçambicana na véspera do 48º aniversário da independência de Moçambique, que hoje se comemora. (MM)